O Assassínio do General Humberto Delgado
A PIDE assassina o general Humberto Delgado, por ordem de Salazar, depois de o fazer cair numa cilada. O pide Casimiro Monteiro foi o autor dos disparos. Rosa Casaco também participou no assassínio juntamente com Agostinho Tienza e Ernesto Lopes Ramos. António Gonçalves Semedo, Eduardo Sousa, Lopes Veloso, Barbieri Cardoso, Pereira de Carvalho e Silva Pais estiveram também envolvidos no crime de Badajoz. Foi a 13 de Fevereiro de 1965. Parece que agora ninguém se lembra.
A câmara municipal de Lisboa autorizou a construção de um condomínio de luxo no local onde ainda se encontra o edifício que foi a sede central da polícia política do regime fascista. Parece emblemática esta atitude da edilidade laranja. As coincidências em política raramente acontecem, com certeza que não estamos perante uma coincidência. Esta decisão teve um antecedente, precisamente da edilidade anterior de João Soares que deu aval à apresentação do projecto. “Socialistas” e “democratas” estão de acordo num ponto: para quê a memória histórica?
Em tempo de revisão da história, quase que passa por verdade oficial de que o fascismo não existiu em Portugal, terá existido quanto muito um regime autoritário centrado em poder pessoal, a prova desse facto terá sido o “pequeno” número de vítimas, quer de presos quer de mortes. A polícia política, PIDE/DGS, terá cometido alguns excessos, mas simples incidentes esporádicos, atribuídos quanto muito à inexperiência de algum agente mais novato. É assim que cantam as sereias da democracia de opereta que foi instituída após o 25 de Abril.
Humberto Delgado foi assassinado, uma verdade que não é possível esconder. Os seus assassinos foram deixados em paz após uma farsa de julgamento. Pouca gente se lembrará das peripécias deste julgamento. Dos responsáveis do regime fascista, e do assassínio, um já tinha morrido e os outros foram mandados para o sossego do Brasil. Rosa Casaco foi viver para Espanha, mas sempre atravessou a fronteira sem que as autoridades o detivessem ou solicitassem a sua extradição. Casimiro Monteiro foi para a África do Sul onde terá morrido.
Não é por acaso que, fazendo hoje, dia 13 de Fevereiro, quarenta anos de um dos assassinatos mais hediondos do fascismo português (isto se há algum menos hediondo?), os nossos governantes e os nossos figurões bem pensantes não se lembrem do que aconteceu. A nossa burguesia gosta de ter as digestões sem sobressaltos e a convivência entre “velhos” e “novos” democratas não deverá ser incomodada.
Em tempo de degenerescência acelerada da democracia de Abril, a preservação da nossa memória histórica é uma tarefa urgente e inadiável. Não são apenas as gerações vindouras que têm o direito de saber o que aconteceu em meio século de história, nós, os da geração de agora, temos que ter presente o passado para saber encontrar rumos para o futuro e num momento em que sobra a ausência de alternativas.
Houve fascismo em Portugal e se não torturou e matou mais gente é porque a resistência não foi assim grande, foi o suficiente para se manter de pé durante tanto tempo. Há que manter viva a memória dos crimes do fascismo, por muito que isso incomode.
Os pides responsáveis pelo assassínio de Humberto Delgado (da esquerda para a direita e de cima para baixo): Silva Pais, Barbieri Cardoso, Pereira de Carvalho,Rosa Casaco, Casimiro Monteiro, Agostinho Tienza, Ernesto Lopes Ramos, António Gonçalves Semedo, Eduardo Sousa e Lopes Veloso (Foto in "Diário Popular"; foto "Humberto Delgado" in "DN")
13 de Fevereiro de 2005
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A propósito do "bom nome" de Silva Pais
A tentativa de branquear uma das figuras mais sinistras do regime fascista, e através dela o próprio regime, por meio de um processo judicial para defender o bom nome da dita figura, e o à vontade com que isto é feito, revela que o ambiente político é propício a tal. Juntando às recentes intimidações policiais sobre sindicalistas e jovens manifestantes conclui-se que o sistema de democracia parlamentar está a mostrar a sua verdadeira natureza: branquear o fascismo. O texto que segue está publicado na página do Facebook de Humberto Delgado, de autoria de Iva Delgado, a propósito do julgamento relacionado com a peça «A Filha Rebelde».
Julho de 2011
Trata-se de ofensa ao bom nome de Silva Pais? De o acusar de um crime que não cometeu? De o enredar em teias de suspeição não provadas? De um simples mal-entendido sobre um cidadão como outro qualquer? Estas questões estão a ser levantadas hoje, num tribunal em Lisboa, como se Fernando Silva Pais tivesse sido um pacato major de um pacato Portugal sob o remanso governativo de Oliveira Salazar.
Os ofendidos, um sobrinho e uma sobrinha de Fernando Silva Pais, invocam o direito à reparação da memória deste e pedem justiça na forma de indemnização monetária. A acusação visa concretamente a peça de teatro "A Filha Rebelde" de Margarida Fonseca Santos, baseada na obra homónima dos jornalistas José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz. A peça, segundo a acusação, pode levar o espectador a concluir que Silva Pais foi o mandante do assassinato de Humberto Delgado.
Está em causa a cadeia de responsabilização em regimes ditatoriais. No julgamento dos nazis em Nuremberga, a questão era a de saber se quem se "limitava" a cumprir ordens superiores podia ser desresponsabilizado. A Justiça e a História concluíram que não podia. Mas no caso português, curiosamente, a questão é colocada ao contrário: não se pergunta se Silva Pais responde historicamente pelas ordens recebidas de Salazar, mas sim se responde pelos actos cometidos pelos seus subordinados. Por muito absurdo que possa parecer, é mesmo isso que está hoje em causa.
É confrangedor ver a inversão de valores em relação ao papel dos tribunais na era democrática. Se todos os descendentes de figuras históricas do Estado Novo se aproveitassem da legislação democrática para processar por difamação os autores de livros de história, biografias, ensaios, peças jornalísticas, obras de ficção, peças de teatro, séries televisivas, filmes, etc., teríamos uma paralisação intelectual, artística, histórica e cultural jamais vista. Seria a censura absoluta e total. Pior ainda, os autores praticariam a auto-censura.
O julgamento da história e a memória colectiva seriam abandonadas a si mesmos, à deriva por labirintos da memória individual, por trilhos ínvios do esquecimento, por deturpações oportunísticas.
Alguém pode defender que o Estado Salazarista não era um Estado fortemente hierarquizado? Alguém de boa vontade pode afirmar que qualquer agente do Estado podia agir por conta própria sem informar o seu superior hierárquico? Alguém pode defender que um caso tão notório como o caso Humberto Delgado estaria consignado ao âmbito de subalternos? É não ter noção mínima do que foi o salazarismo.
Qualquer pessoa minimamente informada sabe que o director da PIDE despachava directamente com Salazar. Ora Salazar escolhia a dedo os seus homens, deles dependia a eficácia do poder, deles dependiam a execução das suas ordens e o cumprimento adequado da sua política.
Querer defender o "bom nome" de seu tio e ao mesmo tempo pretender desresponsabilizá-lo é um contra-senso, para não dizer um mau serviço prestado à "memória" desse alto responsável do Estado Novo. É impensável alhear o major Silva Pais dos actos cometidos pela sua polícia política. Esse papel tem uma configuração histórica própria. Assumi-lo tem mais "dignidade" que a menorização patética, por via pseudo-sentimental, de um parente falecido.
Quem se interessar por este caso e concordar ou discordar com o acima escrito pode dar a sua opinião, divulgar ou simplesmente aderir.
Silva Pais em visita a salazar no Hospital da Cruz Vermelha
Imagem de destaque: Humberto Delgado