A produtividade, ora nem mais, célulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!
Fmi não há lenha que detenha o Fmi
Fmi não há ronha que envergonhe o Fmi
Fmi ...
Entretém-te filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalte-quer, messe gigantesca, vem-te bem, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te arrulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Ghandi, olha o Moshe Dyan que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no Casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do Serviço Nacional de Saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o Astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta destabilização filha da puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus zodíacos: este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde que nasceste? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote hã! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? Ah-ni-qui-bé-bé, ah-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepúlveda' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de sanzala e ritmo de pop-xula, não é filho?
A one, a two, a one two three
Fmi dida didadi dadi dadi da didi
Fmi ...
Come on you son of a bitch! Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que eles já vão saber o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro Cunhal, zás, enfio-te a Natália Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada à integralismo lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve Mcqueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, um tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversívelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como antes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal não quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) Epá, deixa-te disso, não desestabilizes pá! (Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata.) Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da Pide pá, Tarrafais e o carago, mas no fim de contas quem é que não colaborava, hã? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, hã? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, hã? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá, á, venha ver o que isto é, é, o barulho que vai aqui, i, o neto a bater na avó, ó, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, hã? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento em que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, hã?
Fmi Dida didadi dadi dadi da didi
Fmi ...
Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular hã! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anti-comunistas ou anti-fascistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas azeite mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marrazes, Marrazes, fora o árbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o Fmi trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Deng Xiaoping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo Ii, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão-de te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no Natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né?
Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canadá ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acha normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-xula, pop-xula pop-xula, ié ié, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, hã? Sempre a merda do futuro, e eu que me quilhe, pois pá, sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu hã? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero que se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrillo e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, desópila o fígado, arreda, 'terneio' Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o Fmi, eu quero lá saber do Fmi, eu quero que o Fmi se foda, eu quero lá saber que o Fmi me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se ele tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o Fmi, o Fmi é só um pretexto vosso seus cabrões, o Fmi não existe, o Fmi nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o Fmi é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...
Mãe, eu quero ficar sozinho... mãe, não quero pensar mais... mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viagem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grândola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.
Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.
As sociedades geram suas próprias economias de crueldades e injustiças toleráveis. A pobreza, por exemplo, será permitida, desde que um número suficiente de indivíduos esteja lucrando. Até certo ponto, o crime e a violência podem prosperar. Nos Estados Unidos, a economia de massacres toleráveis, executados por armas de nível militar, é considerável e aparentemente resiliente. Todos os seus participantes participam de sua administração, desempenhando seus papéis sombrios sob a bandeira sagrada da liberdade constitucional e da conversa psicológica.
Por Dr. Binoy Kampmark
Assim como a reforma penitenciária tende a acompanhar a expansão do sistema hipertrofiado, o argumento das armas nos EUA acompanha, apenas, a cada massacre. A cada rodada de assassinatos, um roteiro é ativado: horror inicial, lágrimas quentes de indignação de nunca mais, e então, o impasse na reforma até que a próxima rodada de assassinatos possa ser devidamente acomodada. “Não basta reiterar a pura verdade de que as armas de assalto usadas nos tiroteios em massa devem ser proibidas e confiscadas”, observa Benjamin Kunkel. “Em vez disso, cada nova atrocidade deve ser recrutada para a narrativa sociológica de fator único preferida de todos.”
Em Uvalde, Texas, um atirador adolescente (eles ficam mais jovens) entrou em uma escola primária e deu uma aula inesquecível em 24 de maio. Quando ele terminou na Robb Elementary School, 19 crianças e 2 adultos morreram. Mas mesmo esse esforço, no ranking da primeira liga de assassinatos em escolas, não conseguiu superar o tiroteio em massa na Sandy Hook Elementary School em Newtown, Connecticut, em dezembro de 2012. Naquela ocasião, 26 pessoas perderam a vida.
O horror e as lágrimas indignadas foram devidamente sinalizados. Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden:
“Por que estamos dispostos a viver com essa carnificina? Por que continuamos deixando isso acontecer?” ele entoou retoricamente em uma coletiva de imprensa. “Para todos os pais, para todos os cidadãos deste país, temos que deixar claro para todos os funcionários eleitos deste país: é hora de agir.” Isso envolveria a aprovação de “leis de armas de bom senso” e o combate ao lobby das armas.
No dia seguinte, a vice-presidente Kamala Harris reiterou a fórmula.
“Devemos trabalhar juntos para criar uma América onde todos se sintam seguros em sua comunidade, onde as crianças se sintam seguras em suas escolas.”
Os políticos são devidamente acompanhados por cabeças falantes, como Ron Avi Astor, descrito pela NPR como “um especialista em tiroteio em massa”. Com essa denominação desagradável, nos dizem que esse professor da UCLA está intrigado com o motivo de mudanças insignificantes nas leis sobre armas terem ocorrido desde Sandy Hook. Ao lidar com tal perplexidade, ele sugere um velho truque acadêmico: reformular o problema para diminuir sua gravidade.
Com algum entusiasmo, Astor continua a dizer que as escolas nos EUA estão se saindo muito bem em lidar com a violência – desde que você tenha uma visão de longo prazo. “Se você olhar nos últimos 20 anos, desde Columbine, houve uma enorme, massiva, massiva… diminuição da vitimização e da violência nas escolas.” Mergulhando no lado positivo de sua própria maneira massiva, ele encontra “reduções” na violência na ordem de 50 a 70%.
Nunca demora muito para a economia de massacres toleráveis gerar a próxima rodada de argumentos desconexos, com os cadáveres mal frios.O comum é o da frequência de disparo.Este foi um bom ano em relação ao último?Este ano, os Estados Unidossofreram 27.
Desde 2018, a Semana da Educação, mostrando como as mortes na escola devem aparecer no planejamento dos currículos, tem demonstrado um interesse sombrio em todo o assunto. Ler seus números compilados – “trabalho doloroso, mas importante”, afirma a revista – é como mergulhar nos retornos do mercado de ações com a quantidade necessária de sensibilidade. Em 2021, houve 34 tiroteios em escolas, um verdadeiro ano explosivo. Em 2020, foi ruim nessa frente: modestos 10. Tanto 2019 quanto 2018 tiveram retornos mais altos: 24 cada.
Se você deseja se divertir com a natureza macabra de tudo isso, a Education Week também nos oferece alguns infoentretenimento com um gráfico sobre “Onde os tiroteios aconteceram”. Os pontos aparecem em um mapa do país. “O tamanho dos pontos se correlaciona com o número de pessoas mortas ou feridas. Clique em cada ponto para obter mais informações.” Onde estaríamos se não fossem serviços tão valiosos?
Para dar crédito à natureza aparentemente imutável dessa economia de tiroteios, pelotões de comentaristas, dotados de várias habilidades, discutem sobre as respostas, a maioria mostrando que o bom senso, neste campo, é um sonho nobre. A conservadora National Review considera que “verificações de antecedentes mais rigorosas” dificilmente teriam funcionado para o atirador de Uvalde. Não havia nenhum rastro de papel sinalizando-o como uma ameaça, nada que sugerisse que ele deveria ter sido impedido como um “adulto legal de comprar uma arma de fogo”. A sugestão implícita aqui: só os malucos matam.
O negócio das armas é o negócio de uma sensibilidade americana particular. Com o tiroteio na escola ainda fresco, vários membros do Partido Republicano e Donald Trump afirmaram seu interesse em aparecer em um evento de fim de semana do Memorial Day organizado pela National Rifle Association. Em um comunicado sobre os tiroteios, a NRA expressou suas “mais profundas condolências” pelas famílias e vítimas “deste crime horrível e maligno”, mas preferiu descrever os assassinatos como responsabilidade “de um criminoso solitário e enlouquecido”. Deixe a regulamentação de armas em paz; em vez disso, concentre-se na segurança da escola.
Com essa breve formalidade cumprida, a NRA expressou sua satisfação em seu próximo evento de Reuniões e Exposições Anuais que acontecerá no Centro de Convenções George R. Brown, em Houston, entre 27 e 29 de maio. mostre mais de 14 acres das mais recentes armas e equipamentos das empresas mais populares do setor”. Promete diversão para toda a família.
Depois vem a espinhosa questão das definições, uma maneira segura de matar qualquer ação sensata. De boffin a reacionário, ninguém pode aceitar o que é um “tiro na escola”. Organizações sem fins lucrativos, como a Everytown for Gun Safety, com sede em Nova York, incluem qualquer disparo de arma de fogo na escola como parte da definição. “Em 2022”, afirma a organização, “houve pelo menos 77 incidentes de tiros nas dependências da escola, resultando em 14 mortes e 45 feridos em todo o país”.
Everytown for Gun Safety está ansioso para pintar um quadro de violência assassina anual: 3.500 crianças e adolescentes sendo baleados e mortos; 15.000 baleados e feridos. Cerca de 3 milhões de crianças nos EUA são expostas a tiroteios a cada ano.
O tom subjacente a essa mensagem é muito diferente da abordagem tranquila adotada por Astor – o que os australianos chamariam de casta mental “ela vai estar certa, companheiro”. É certamente de natureza panglossiana, alinhando-se com os pontos de vista do psicólogo cognitivo Steven Pinker, extraordinário otimista sobre a condição humana. Tomado de forma holística, ele continua insistindo , vivemos em tempos muito melhores e menos violentos do que nossos antepassados. Massacres como os de Sandy Hook não devem ser sinónimo de que as escolas se tornaram menos seguras. “As pessoas sempre pensam que a violência aumentou porque raciocinam a partir de exemplos memoráveis em vez de dados globais.” Para Pinker, a pesquisa conjunta de 2013 dos Departamentos de Justiça e Educação sobre estatísticas como taxas de vitimização desde 1992 a vitimizações não fatais foi uma repreensão suficiente contra os pessimistas e queixosos.
O massacre de Uvalde será, com o tempo, absorvido por essa economia de violência tolerável. A raiva se dissipará; a amnésia coletiva, se não a simples indiferença, exercerá seu sono entorpecido. Os mortos, exceto os afetados pessoalmente, seguirão o caminho dos outros, enterrados nos confetes e nas raspagens das estatísticas.
Dr. Binoy Kampmark foi um bolsista da Commonwealth no Selwyn College, Cambridge. Atualmente leciona na RMIT University. Ele é um colaborador regular da Pesquisa Global e Pesquisa da Ásia-Pacífico. E-mail: bkampmark@gmail.com
Uma vez que o regime colonial de "Israel" seja abolido, será um golpe devastador para o movimento fascista sionista internacional.
O sionismo é o motor do fascismo imperial em nosso tempo histórico e a sua abolição deve ser a luta de nossa contemporaneidade.
Por Susana Khalil
Três aspectos a mencionar: o sionismo usurpou o monoteísmo semítico (ancestral árabe), falsificando a História e justificando assim a colonização da Palestina e colonizando consecutivamente o mundo árabe-persa-curdo.
Essa falsificação da História é aceita e até mesmo santificada, pois entre outros ela é portadora de um esplendor estético: O “povo”, (europeus-não-semitas-de religião judaica) que retorna à sua terra ancestral após 2000 anos. A terra que Deus prometeu aos judeus. O mundo secular preso nesta fraude estética não só mediática, mas também académica, intelectual.
O outro aspecto é a ramificação articulada e engenhosidade na potência mundial do movimento sionista internacional que todos nós já conhecemos.
O terceiro ponto é o Holocausto Judeu Europeu (Europeu contra Europeu), em que o sionismo fez disso uma necrofilia para chantagear, assediar. Um Bullying global sagrado eficaz para reprimir, silenciar quem clama por justiça para o povo palestino diante do colonialismo.
O pior da humilhante acusação de anti-semita é que nos deixamos subjugar, isso é o pior, falta-nos humanidade, julgando-nos inteligentes, objetivos e humanistas diante daquela dor humana que o sionismo se transformou em sua estética moral sádica.
É necessária uma revolução intelectual, ou seja, honesta, sem piruetas aromáticas que habilmente brotam da autocensura... Além de dizer solidariedade ao povo palestino, é hora de dizer o fim do regime colonial de "Israel" e fim do fascismo sionista.
A criação do regime colonial de "Israel" na Palestina é uma traição à memória do Holocausto judaico, é uma tempestuosa decomposição humana e não se trata de memória, mas de salvar o povo nativo palestino do extermínio colonial.
O Holocausto nazista contra os judeus é uma dor que deveria ter levado a um mundo mais nobre.
Já conhecemos as ligações entre o sionismo e o Ocidente com o nazismo (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, etc), embora ainda tenhamos mais a conhecer. Mas é um assunto tão censurado que é difícil de espalhar, insisto, já que o sofisticado totalitarismo propagandista do movimento sionista internacional faz com que pareça e não pareça crível, além de demonizá-lo, ir para a cadeia ou arruinar sua vida. Eu, pessoalmente, evitei este tema terrível. Eu preferia ser inteligente, um eufemismo para minha covardia.
No quadro da atual guerra (Rússia-China) vs (EUA-NATO) pela Ucrânia, em que desde 2014 o sentimento e o método nazi tem sido o motor do poder governamental na Ucrânia, em coordenação com a NATO, EUA e o regime colonial de «Israel». Mas desta vez abertamente, em voz alta. Com um presidente eslavo-judeu, nazista, sionista, israelense.
O nazismo, em muito menor grau, tem estado vivo como sentimento e operação, mas de forma oculta. Bem, essa mania aberta nazista, é minha chance de sair da minha covardia, chamada inteligência.
Há uma minoria judaica que denunciou dignamente o nazismo ucraniano, mas o regime colonial de "Israel" é um braço moral e armado dessa irmandade nazi-sionista e que é intrinsecamente ou típico do sentimento ariano, supremacista nazi-sionista ariano.
…Um amigo disse-me com relutância: Susana, na Europa há quem não perdoe o facto de a Rússia (a ex-URSS) ter derrubado o nazismo…
O Julgamento de Nuremberg foi uma zombaria, uma fraude necessária, onde muitos genocídios nazistas não foram processados. Entre eles, Stephan Banderas, hoje símbolo dos batalhões militares ucranianos. Os grandes genocídios nazistas acabaram sendo protegidos pelos EUA, trabalhando na NASA, no Pentágono e em grandes centros científicos.
O nazismo era um cartão de salvação para os EUA, pois era um bastião contra o comunismo. Além disso, era um sentimento de orgulho para a elite americana.
…Ser antijudaico era típico de um cristão ocidental ariano e ser anticristão era típico de um judeu-sionista ocidental ariano. Um ódio mútuo ariano-judaico-ocidental-cristão… Nós não pensamos sobre esse assunto e eles nos submeteram à sua miséria centrada em ariano…
Não haverá mundo árabe-persa-curdo livre e em paz ou em equilíbrio, enquanto existir o regime colonial e expansionista de "Israel". A existência da identidade étnica árabe-persa-curda está ameaçada.
Agora, o apoio aberto, não mais oculto, dos EUA-OTAN e do regime colonial de Israel aos nazistas também apóia o terrorismo islâmico da Al-Qaeda. Isso é moralmente assustador, mas o pior é continuarmos nos submetendo e nos arrastando para acreditar na existência daquele anacronismo colonial, como solução para a paz.
Como palestino nativo da diáspora, acredito que o justo é a abolição da barbárie colonial israelense. A razão de ser de todos os povos nativos antes do colonizador é sua abolição. E uma vez que o colonialismo é abolido, sua população colonial se torna um povo palestino.
Uma vez abolido o regime colonial de "Israel", será um golpe devastador para o movimento fascista sionista internacional, embora isso não signifique o fim do sionismo, da mesma forma que o fim do Terceiro Reich não foi o fim do Nazismo.
O fascismo imperial com sua semiologia instrumentaliza bem o discurso dos grandes valores humanos, no qual praticamente o sequestra e nos arrasta para aquele sequestro pelo nosso medo, alcança nossa autocensura... O imperialismo instrumentaliza o feminismo, a ecologia, a diversidade sexual, o indigenismo, diversidade cultural e étnica, direitos humanos, democracia, anti-racismo, tolerância, não à guerra, esquerda, liberdade de expressão, liberdade de imprensa. Bastiões reais do nosso tempo e vida.
Cuidado com muitos desses grupos que habilmente evitam a luta e a análise da consciência de classe, da realidade imperialista e sionista. Sem esses elementos, esses grupos são um sedativo, um lubrificante que serve à maquinaria imperial desumana.
Fonte: Al Mayadeen/Middle East Roundup
Imagem: Shireen Abu Akleh, jornalista da estação televisiva Al Jazeera, morta a tiro por militares israelitas na cidade de Jenin, na Cisjordânia, quando cobria uma operação de desalojamento de uma família palestiniana pelas forças sionistas – 11 de Maio.
um tilintar de gelos cintilantes num copo cristalino na bebida embriagada de bacantes que inspira o jacobino anuncia e antecipa ao decilitro a chegada do cantor maldito
era uma vez um cantor maldito
que imaginava e amava um mundo de norte a sul feliz e a filha de um coronel-azul de lápis-azul azul gris que na sombra clandestina já rondava um cofre-forte sacrário e agora é uma toupeira que esburaca o contraforte monetário zumbe um ruído de fundo daquela orelha à calote cocuruto se já depois era um mosquito a insónia do agiota ao minuto e urdia um outro dia mais babélico e caótico nas noites em que sonhava embalado por Morfeu acordava mais feliz suavemente agnóstico p'ra dormir herege profundamente ateu
II
um tilintar de moedas doiradas na bolsa de valores ao sabor da especulação e jogadas no bolso de apostadores apresenta e revela na baldroca a entrada do magistral agiota
era uma vez um magistral agiota
que inventava e desenhava um mundo cibernético virtual do negócio imaginário já de si quase poético o capital que odiava de morte o baladeiro danado de protesto e reclama a sua cabeça na defesa do mercado e pelo resto convoca no ajuste de contas nova chusma de censores da censura
que são as botas cardadas do solfejo e da batuta da cultura também convoca o dirigente mais esquerdista da altura politicamente estrábico de estrabismos multicores pois se tem um olho posto na proletária ditadura e o outro mais que pisco na tal bolsa de valores
III
um tilintar
de lápis-azuis serventes do prestamista na diatribe já reúne outros servis que rezam p'la pele do artista risca corta
e proíbe-o nos painéis e azul-brigada-dos-coroneis era uma vez a brigada-dos-coroneis
que guardava e resguardava o mundo da alta roda usurário apoiada em novos sátrapas em bárbaros de moda em argentários e no esquerdista de então que abominando o trovador o menestrel lhe rouba ao seu bom coração aquela filha bicolor de um coronel e o cantor olha as estrelas com a morte debruada na mortalha se proibido morto está sem a rádio e sem jornais nem a pantalha e já cantam elogios fúnebres os mesmos carrascos do morto sátrapas e coronéis e outros abutres na voragem e tão alto cantam que o cantor dá tantas voltas ao corpo que acaba por ressuscitar para espanto da agiotagem
Imagem: Fausto no Festival Bons Sons em Cem Soldos, Tomar, 2010 (foto do autor)
A monogamia e a concentração da riqueza em sociedades altamente estratificadas ou como a Igreja Católica manipulava o sexo para aumentar o seu poder:
O biólogo Matt Ridley, no seu livro “A Rainha de Copas”, ensaia entender a natureza humana enquadrada na evolução da sua sexualidade. Neste texto do capítulo “A monogamia e a natureza das mulheres”, o autor fala da manipulação exercida pelos humanos para aumentar o seu sucesso reprodutivo em função da acumulação da riqueza e, em particular, das limitações impostas pela Igreja Católica à vida sexual dos nobres a fim de aumentar o seu poderio económico.
A análise de Betzig sobre a história medieval inclui a ideia de que obter herdeiros ricos era a principal causa das controvérsias entre a Igreja e o Estado. No século X ocorreu uma série de eventos correlacionados. O poder dos reis diminuiu e o poder dos lordes feudais locais aumentou. Como consequência, à medida que ia sendo estabelecido o sistema senhorial de progenitura, os nobres iam ficando gradualmente mais preocupados com a produção de herdeiros legítimos para lhes sucederem nos títulos. Divorciavam-se de mulheres estéreis e deixavam tudo ao primeiro filho que nascesse. Entretanto, o cristianismo ressurgente conquistou os seus rivais e tornou-se a religião dominante no Norte da Europa. A Igreja antiga estava obcecadamente interessada nos assuntos relacionados com o casamento, o divórcio, a poligamia, o adultério e o incesto. Além disso, no século X a Igreja começou a recrutar os seus monges e padres dentro das famílias aristocráticas.
A obsessão da Igreja com os assuntos sexuais era muito diferente da de S. Paulo. Tinha pouco a ver com a poligamia ou ter muitos filhos ilegítimos, embora ambos fossem comuns e contra a doutrina. Em vez disso, concentrava-se em três coisas. Em primeiro lugar, o divórcio, voltar a casar e a adopção. Em segundo, as amas de leite e o sexo durante os períodos em que a liturgia exigia abstinência. Em terceiro, o «incesto» entre pessoas casadas até sete graus canónicos. Em todos os três casos, a Igreja parece ter tentado impedir que os nobres tivessem herdeiros legítimos. Se um homem obedecesse às doutrinas da Igreja no ano 1100, não podia divorciar-se de uma mulher estéril, certamente não podia voltar a casar enquanto ela fosse viva, não podia adoptar um herdeiro, a mulher não podia dar a filha a uma ama de leite e ficar pronta para gerar outra criança na esperança de que fosse um filho, não podia fazer amor com a mulher «durante três semanas na Páscoa, quatro semanas no Natal e de uma a sete semanas no Pentecostes, para além dos domingos, das quartas-feiras, sextas-feiras e sábados – dias de penitência ou de sermões – e de mais uma miscelânea de feriados», e não podia ter um herdeiro legítimo com qualquer mulher mais aparentada do que uma prima em sétimo grau – o que excluía a maioria das mulheres nobres numa distância de cerca de 500 quilómetros.
Resume-se tudo a um ataque da Igreja contra a obtenção de herdeiros. E «foi apenas quando a Igreja começou encher-se com os irmãos mais novos de homens de Estado que entre eles começou a luta pela herança – pelo casamento». Os indivíduos na Igreja (filhos mais novos deserdados) manipulavam as moratórias sexuais de modo a aumentarem a riqueza da própria Igreja e até ganhavam propriedades e títulos para eles próprios. A dissolução dos mosteiros realizada por Henrique VIII, que se seguiu à sua ruptura com Roma, em resultado da desaprovação de Roma em relação ao seu divórcio de Catarina de Aragão, que não lhe deu filhos, é uma espécie de parábola para toda a história das relações entre a Igreja e o Estado.
A controvérsia Igreja-Estado é apenas uma de muitas instâncias históricas das disputas sobre a concentração de riqueza. A prática da primogenitura* é um dos principais meios de manter a riqueza – e o seu potencial de poligamia – intacta ao longo das gerações. Mas também existem outras maneiras. A primeira entre elas era o próprio casamento. Casar com uma herdeira sempre foi a maneira mais rápida de obter riqueza. É claro que o casamento estratégico e a primogenitura trabalham uma contra a outra: se as mulheres não herdarem a riqueza, então nada há a ganhar em casar com a filha de um homem rico. Entre as dinastias reais da Europa, embora na maioria delas as mulheres pudessem herdar os tronos (na falta de herdeiros masculinos), eram frequentemente possíveis casamentos convenientes. Leonor de Aquitânia levou para os reis britânicos uma grande porção da França. A guerra da sucessão espanhola foi travada apenas para impedir que um rei francês herdasse o trono de Espanha como resultado de um casamento estratégico. Desde a prática eduardina de os aristocratas britânicos casarem com as filhas dos novos-ricos americanos, as alianças das grandes famílias têm sido uma força para concentrar a riqueza.
Outra maneira, praticada de um modo comum entre as dinastias detentoras de escravos no Sul dos Estados Unidos, era manter o casamento dentro da família. Nancy Wilmsen Thomhill, da Universidade do Novo México, demonstrou como, nessas famílias, os homens casavam mais frequentemente com primas em primeiro grau do que com outras mulheres. Seguindo as genealogias de quatro famílias do Sul, descobriu que metade de todos os casamentos envolvia parentes ou troca de irmãs (dois irmãos casarem com duas irmãs). Pelo contrário, nas famílias dos estados do Norte, na mesma altura, apenas 6% dos casamentos envolviam parentes. O que toma este resultado especialmente intrigante é que Thornhill tinha-o previsto antes de o encontrar. A concentração de riqueza funciona melhor para a terra, cujo valor depende da sua raridade, do que para as fortunas relacionadas com os negócios, que são ganhas e perdidas em muitas famílias em paralelo.
Thornhill continuou argumentando que, tal como algumas pessoas têm um incentivo para utilizarem o casamento para concentrarem a riqueza, também as outras pessoas têm um incentivo para as impedirem de o fazerem. E os reis, em particular, têm o incentivo e o poder de conseguirem os seus objectivos. Isto explica um facto, que de outro modo é intrigante, que é o de as proibições de casamentos «incestuosos» entre primos serem fortes e inúmeras em algumas sociedades e estarem ausentes noutras. Em todos os casos é a sociedade mais altamente estratificada que mais regulamenta o casamento. Entre os Trumai, do Brasil, um povo igualitário, o casamento entre primos merece apenas um ar de desaprovação. Entre os Maasai, da Africa oriental, que têm disparidades de riqueza consideráveis, esse tipo de casamento é punido com «chicoteamento severo». Entre o povo inca, qualquer pessoa que tivesse a temeridade de casar com uma parente (vagamente definida) seria punida, sendo-lhe retirados os olhos e sendo esquartejada. É claro que o imperador era uma excepção: a rainha era sua irmã, e Pachacuti começou uma tradição de também casar com todas as meias-irmãs. Thornhill conclui que estas regras nada tinham a ver com o incesto, mas tinham tudo a ver com o facto de os governantas quererem impedir a concentração de riqueza por outras famílias, para além da sua; geralmente, excluíam-se a si próprios dessas leis.
* Em Portugal o morgadio instituiu a primogenitura, pelo qual o morgado, isto é, o filho varão mais velho herdava os títulos e as principais propriedades e riquezas, no topo das quais se encontrava a casa familiar, castelo, mansão, etc., e as jóias. Foi instituída em Portugal em meados do século XIII e vigorou até ao século XVIII, quando o marquês de Pombal impôs fortes restrições em 1770, embora tivesse sido formalmente abolido só em 1863, por Carta de Lei do governo de Duque de Loulé.
(Retirado de “Rainha de Copas”, capítulo A monogamia e a natureza das mulheres, de Matt Ridley. Ed. Gradiva, 2004)
Imagem: "sem título" de Bernhard Willem Holtrop, in Libération, 1/10/05
“História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal”
«Se acreditarmos D. João III ou os que falavam em seu nome, a imoralidade pululava por toda a parte, sobretudo entre o clero, e especialmente entre o regular, que ele tanto favorecia. Os eclesiásticos, por exemplo, na vasta diocese de Braga eram um tipo acabado de dissolução. Os párocos abandonavam as suas igrejas, e o povo não recebia a necessária educação religiosa, faltando castigo para tantos desconcertos. Os mosteiros ofereciam os mesmos documentos de profunda corrupção, distinguindo-se entre eles o de Longovares, da Ordem de Santo Agostinho, e os de Seiça e Tarouca, da Ordem de Cister, ou antes nenhum dos mosteiros cistercienses se distinguia; porque em todos eles os abusos eram intoleráveis. Os abades, que, segundo a regra, ocupavam o cargo vitaliciamente, faziam recordar no seu modo de viver os devassos barões da Idade Média. A opulência manifestavam-na em custosas e nédias cavalgaduras, em aves e cães de caça e numa numerosa clientela, completando alguns essa existência de luxo com mancebas e filhos, que mantinham à custa do mosteiro. Viviam os monges pelo mesmo estilo, na crápula e na bruteza, servindo muitas vezes como criados do abade, de modo que, na opinião de el-rei, não havia na Ordem de Cister senão ignorantes e devassos. Os conventos de freiras não se achavam em melhor estado, sendo o de Chelas, o de Semide e outros teatros de contínuos escândalos. A história de Lorvão e da sua abadessa, D. Filipa de Eça, é um dos quadros mais característicos daquela época.
Lorvão contava então cento e setenta freiras, entre professas, noviças e conversas. A família de Eça preponderava ali. Dela eram tiradas sempre, havia sessenta anos, as abadessas, e outros tantos havia que a dissolução era completa em Lorvão. Das freiras então actuais uma parte nascera no mosteiro. Suas mães não só não se envergonhavam de as criar no claustro e para o claustro, mas aí mantinham também seus filhos do sexo masculino. D. Filipa era uma dessas bastardas, fiel às tradições maternas. Andava ausente quando faleceu D. Margarida de Eça, a última abadessa. Aquelas que tinham vivido em verdes anos com D. Filipa e que contavam com a sua indulgência chamaram-na e elegeram-na sucessora de D. Margarida, estando esta moribunda. Queria el-rei substituir a nova prelada por uma freira de Arouca; mas opôs-se a parcialidade da eleita. Seguiu-se uma longa demanda em Portugal e em Roma, demanda cheia de estranhas peripécias. Entre estas a mais singular foi o serem certa vez encontradas D. Filipa e outra freira em casa de um clérigo de Coimbra, escondidas com a sua amante ordinária, que a justiça buscava. A pena recusa-se a descrever o estado em que todas três foram achadas. Tais eram as devassidões e os escândalos de que vamos encontrar memória nos mais insuspeitos documentos.
Mas se estes nos revelam o estado, não só do clero hierárquico, mas também do monaquismo português, as considerações oferecidas por Frei Francisco da Conceição aos padres de Trento têm um carácter de generalidade que abrange todas as classes, e descobrem úlceras de diverso género, porém não menos asquerosas. Os bispos, com raríssimas excepções, nunca residiam nas suas dioceses, contentando-se com enviar para lá vigários-gerais, cargo em que, por via de regra, eram providos aqueles que mais barato o faziam, embora dele fossem indignos. Os bispos do ultramar nem sequer curavam de semelhante formalidade, e essas regiões, mais ou menos remotas, estavam completamente privadas de pastores. Segundo afirmava o bom do carmelita, as superstições mulheris, sobretudo nos conventos e nas casas de fidalgas, eram monstruosas, além de outras relativas ao culto público a que já anteriormente aludimos. O sigilismo tinha-se introduzido em larga escala. Com o pretexto de ser para fins honestos e com permissão dos penitentes, os confessores revelavam os segredos da confissão. Os abusos e misérias que se passavam nos púlpitos eram quotidianos. Pregadores, havia-os em nome, mas eram raros, na verdadeira acepção do termo, e esses poucos tratados com desdém. O comum deles o que buscavam eram honras e dinheiro, lisonjeando as paixões do auditório.
O povo ignorava a religião, porque os oradores sagrados só curavam de vãs subtilezas. Um dos males que mais afligiam o reino era a excessiva multidão de sacerdotes. Havia pequena aldeia onde viviam até quarenta, do que resultava andarem sempre em competências, disputando uns aos outros as missas, enterros e solenidades do culto, com altíssimo escândalo do povo. Aumentava-se desmesuradamente esse escândalo com o número prodigioso e com a imoralidade daqueles que só pertenciam ao clero por terem tomado ordens menores. Muitos tratavam de receber esse grau só para se exemptarem da jurisdição civil. Um dos abusos frequentes que estes tais cometiam era casarem clandestinamente, podendo assim delinquir sem perigo, porque, se os processavam por algum crime de morte, declinavam a competência dos tribunais seculares, e suas mulheres, para os salvarem, não hesitavam em se envilecerem a si próprias perante os magistrados, declarando-se concubinas. Malvados havia que, aproveitando as declarações daquelas que lhes tinham sacrificado a última cousa que a mulher sacrifica, o pudor público, as abandonavam depois, servindo-se da generosa confissão que lhes salvara a cabeça para despedaçarem os laços santos, embora ocultos, que os ligavam às infelizes.
Os casamentos clandestinos que facilitavam tais horrores, e que eram vulgaríssimos, produziam ainda outros resultados não menos deploráveis. Negava-se não raro, depois, a existência de um facto que se não podia provar, e o receio do rigor dos pais fazia com que muitas filhas aceitassem segundas núpcias pertencendo já a outro homem. Ainda quando não chegavam a esta situação extrema, a vergonha e o temor produziam infanticídios em larga cópia. Por outro lado, a dificuldade e o preço das dispensas para os consórcios entre parentes completavam a obra dos casamentos clandestinos. Inabilitados por falta de recursos para legitimarem as uniões vedadas, não tendo ânimo para abandonarem a mulher que amavam e vergando debaixo do peso das censuras canónicas, muitos indivíduos calcavam aos pés o sentimento religioso e adoptavam uma espécie de ateísmo brutal, esquecendo todos os actos externos do culto.
*
Há poucos anos que um livro admirável agitou profundamente os espíritos, descrevendo a existência do escravo nos estados americanos. As cenas repugnantes ou dolorosas descritas naquele célebre livro poderiam ter sido colocadas no nosso país no meado do século XVI com a mudança dos nomes das personagens e dos lugares, mas talvez com mais carregadas cores. A vida do escravo, se acreditarmos a narrativa do informador dos padres de Trento, era nessa época verdadeiramente horrível em Portugal. Mas um povo afeito a ver tratar assim uma porção dos seus semelhantes deixaria de corromper-se e poderia conservar instintos de nobreza e generosidade?
Os escravos mouros, e negros, além de outros trazidos de diversas regiões, aos quais se ministrava o baptismo, não recebiam depois a mínima educação religiosa. Fé não a tinham, ignorando completamente o credo e até a oração dominical, o que não procedia só do desleixo de seus senhores, mas também da relaxação dos prelados. Era permitido entre eles o concubinato, misturando-se baptizados e não baptizados, e tolerando-se, até, essas relações ilícitas entre servos e pessoas livres. Os senhores favoreciam esta dissolução para aumentarem o número das crias, como quem promove o acréscimo de um rebanho. Os filhos de escravos até à terceira ou quarta geração, embora baptizados, eram marcados na cara com um ferro em brasa para se poderem vender; e por isso as mães, desejosas de evitar o triste destino que esperava seus filhos, procuravam abortar ou cometiam outros crimes. Os maus tratos de seus donos, acumulando o ódio nos corações dos escravos, faziam com que estes às vezes recusassem tenazmente o baptismo, que nenhum alívio lhes trazia. De feito, nas crueldades que sobre eles se exerciam não havia distinções. O castigo que ordinariamente lhes davam era queimá-los com tições acesos, ou com cera, toucinho ou outras matérias derretidas.
Uma circunstância agravava o procedimento que se tinha com estes desgraçados. Boa parte deles nem eram cativos na guerra pelos portugueses, nem comprados por estes aos vencedores nas lutas entre as nações e tribos bárbaras da África, da Ásia e da América: eram homens naturalmente livres, arrebatados da pátria pelos navegadores, e trazidos a Portugal para serem submetidos a perpétua servidão. Finalmente, os consórcios legítimos entre pessoas escravas e livres, consórcios assaz frequentes, tomavam-se para os senhores num meio de satisfazerem os mais baixos e ferozes instintos de crueldade; de folgarem com o espectáculo das agonias mais pungentes do coração humano. Quando o livre queria remir a consorte cativa, opunha-se o senhor, e não raro a pretensão dava origem a cenas de violência e de sangue, ou a ser vendida a pobre escrava para terras longínquas, quebrando-se assim por um ímpio capricho os laços santificados pela Igreja.
*
Tal era o estado da religião e da moral num país que se lançava nos extremos da intolerância e onde se pretendia conquistar o céu com as fogueiras da Inquisição; tal era o estado económico desse mesmo país, que expulsava do seu seio ou assassinava judicialmente os cidadãos mais activos, mais industriosos e mais ricos, destruindo um dos principais elementos da prosperidade pública, ao passo que os desconcertos e prodigalidades de um Governo inepto sepultavam na voragem da usura todos os recursos do Estado.»
“História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal” de Alexandre Herculano. Edição Círculo de Leitores. 1987
Sartre considera-se um escritor comprometido (engagée). Reclama que o escritor tem de se comprometer, de se empenhar. O que significa esta reivindicação?
Sartre faz uma distinção radical entre a poesia e a literatura. Ambas as formas se exprimem pela linguagem, o que dificulta a sua diferenciação. O que se entende por linguagem é diferente em cada um dos casos. A própria linguagem modifica-se quando se passa da linguagem da poesia para a linguagem da literatura.
Para o escritor, a linguagem é um instrumento, do qual ele se serve para expor e exprimir factos. O poeta, pelo contrário, não precisa da linguagem enquanto instrumento e põe-se, antes de mais, ao serviço dela.
Os poetas são homens que se recusam a utilizar a linguagem. De facto, o poeta retirou-se com decisão da linguagem-instrumento, "escolheu definitivamente a atitude poética, considerando as palavras como coisas e não como sinais. Porque a ambiguidade do sinal implica que se possa atravessá-lo à vontade, como um vidro, e perseguir através dele a coisa significada ou voltar a olhar para a sua realidade e considerá-lo como objecto. O homem que fala está para lá das palavras, perto do objecto; o poeta está para aquém. Para o primeiro, são serviçais; para o segundo, permanecem no estado selvagem. Para aquele, são convenções úteis, utensílios que se gastam pouco a pouco e que se deitam fora quando já não servem, para o segundo, são coisas naturais que crescem naturalmente, como a erva e as árvores.
(…)
Quando contemplo uma paisagem, relaciono os seus elementos uns com os outros a meu bel-prazer. Posso reparar só nas cores, posso observar o movimento, reter os contrastes entre o claro e o escuro ou relacionar a solidez da terra com a flexibilidade do céu. Tudo isto é uma acção minha, através da qual tenho acesso ao que é; por assim dizer, o que é espera por mim para se mostrar. Também existe sem mim, mas não é visível. Precisa dos olhos para aparecer; assim, o olho significa aqui compreensão.
(…)
O exemplo dado por Sartre da observação da paisagem mostra-nos que de maneira nenhuma é só pela linguagem que surge a visibilidade, a perceptibilidade, e que esta actividade pertence muito mais essencialmente ao homem, que é uma actividade originada pelo homem. A fala é uma forma desta actividade. Logo que esclarece que o significado da fala reside na lia visibilidade, Sartre avança para o segundo passo, cuja verdadeira necessidade, desta forma, é uma questão em aberto. Na perceptibilidade, na revelação, não me contento em dar alguma coisa a escolher, porque cada descoberta e cada revelação acontece em relação com uma mudança na sociedade humana. O escritor é aquele que escolheu para sua missão a revelação das possibilidades de mudança.
Assim, o prosador é um homem que escolheu um certo modo de acção secundária a que se poderia chamar «acção por revelação». E portanto legítimo fazer-lhe esta segunda pergunta: Que aspecto do mundo queres revelar? Com essa revelação, que modificação queres trazer ao mundo? O escritor comprometido sabe que a palavra é acção: sabe que revelar é modificar e que só se pode revelar quando se pretende modificar. Abandonou o sonho impossível de representar imparcialmente a sociedade e a condição humana.
(…)
Mas podemos concluir desde já que o escritor escolheu a revelação do mundo e especialmente a revelação do homem aos outros homens para que estes adquiram, em face do objecto assim desnudado, toda a sua responsabilidade.
A exposição dos comportamentos humanos na sociedade deve levar a uma tomada de posição por parte do homem, que deve ver por si próprio o que se passa à sua frente e tomar-se co-responsável. Enquanto as relações não estavam expostas, o indivíduo podia furtar-se à responsabilidade.
Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente.
(…)
Escrever é fazer apelo ao leitor, para que este inclua na existência objectiva a revelação que empreendi por meio da linguagem.
O destino da obra só se cumpre através da absorção pelo leitor, porque o seu sentido torna-se o sentido do leitor.
Mas o que tem tudo isto a ver com o conceito de «literatura comprometida»? Não estaremos a perder-nos numa teoria sobre a compreensão das obras de arte? De maneira nenhuma. E que aquilo a que o escritor apela quando recorre ao leitor é à sua liberdade. E, na verdade, a obra não serve simplesmente a liberdade, no sentido em que contém os instrumentos que as pessoas podem usar livremente, mas também apela à liberdade de cada um. Sem a intervenção da liberdade, a obra não pode realizar-se. Por isso, o escritor também não deve procurar
constranger nem fascinar o leitor para não lhe roubar a liberdade. Pelo contrário, deve reconhecer o leitor na sua liberdade e confiar nesta liberdade.
Assim, os afectos do leitor nunca são dominados pelo objecto; e, como nenhuma realidade exterior pode condicioná-los, têm como fonte permanente a liberdade, isto é, são todos generosos - pois chamo «generoso» a um afecto que tem a liberdade por origem e por fim.
O pressuposto da interacção entre escritor e leitor é um reconhecimento e exigência mútua da liberdade.
Quanto mais sentimos a nossa liberdade, mais reconhecemos a do outro; mais exige de nós e mais exigimos dele.
(…)
Porque é este o último fim da arte: recuperar o mundo, dando-a a ver tal como é, mas como se tivesse origem na liberdade humana... o escritor decide apelar para a liberdade dos outros homens, para que, pelas implicações recíprocas das suas exigências, o homem volte a apropriar-se da totalidade do ser e a humanidade seja reintroduzida no universo.
A sociedade humana tem, sem dúvida, a sua origem nesta liberdade, e é por isso que, para Sartre, esta sociedade humana é o alvo final da configuração literária e do trabalho conjunto entre leitor e escritor. Naturalmente que ao ser social também pertence uma determinada compreensão do mundo. Cada humanidade histórica possui uma determinada compreensão do mundo, que se manifesta directamente na actividade, na actuação sobre o que a rodeia e sua transformação. Aproprio-me do meio que me rodeia na medida em que actuo sobre ele e o transformo. Pois também experimentamos esta vontade de transformação como característica da actividade do escritor. O compromisso do escritor, o seu empenho, consiste na vontade de transformação da sociedade,
através do apelo à liberdade do seu próximo, através do elo de confiança que estabelece com o leitor, tornando-o co-responsável.
A alegria estética é entendida por Sartre como alegria na liberdade individual, que se manifesta na cumplicidade entre quem escreve e quem lê; é desta cumplicidade que nasce a compreensão do mundo, que não pode permanecer limitada a factos isolados.
Portanto, escrever é revelar o mundo e, ao mesmo tempo, propô-lo como uma tarefa à generosidade do leitor.
A primeira tarefa em prol da transformação da sociedade reside na luta contra a supressão da liberdade. O escritor não pode permitir que a liberdade seja limitada ou suprimida e responsabiliza-nos a todos por esta supressão. A consequência disto é que a literatura pressupõe uma exigência moral.
E se me derem esse mundo com as suas injustiças, não é para que eu as contemple com frieza, mas para que as anime com a minha indignação e que as revele e as crie com a sua natureza de injustiça, ou seja, abusos-que-devem-ser-suprimidos. Assim, o universo do escritor só se revelará em toda a sua profundidade com o exame, a admiração e a indignação do leitor, o e o amor generoso é juramento de manter, e a indignação generosa é juramento de modificar e a admiração, juramento de imitar, embora a literatura seja uma coisa e a moral seja outra completamente diferente, no fundo do imperativo estético discernimos o imperativo moral. Porque, uma vez que o que escreve reconhece, pelo próprio facto de escrever, a liberdade dos leitores, e uma vez que o que lê, pelo simples facto de abrir o livro, reconhece a liberdade do escritor, a obra de arte, por onde quer que seja analisada, é um acto de confiança na liberdade dos homens.
O compromisso do escritor é um compromisso com e um apelo à liberdade. O compromisso e a liberdade não se contradizem? De maneira nenhuma. Só aquele que é livre pode ser responsável pelo seu mundo e, portanto, pelo seu próximo. Quem não está pronto a lutar, a assumir os seus deveres, não é livre, mas simplesmente incapaz de se comprometer. A liberdade é o tema central da primeira peça de teatro de Sartre: As Moscas.
(Texto retirado de “Sartre” de Walter Biemel, ed. Círculo de Leitores. 2000)
A guerra secreta dos EUA e do Reino Unido contra a Europa está bem documentada, mas pouco conhecida, e alguns antecedentes conceituais e históricos são pré-requisitos para entender essa documentação.
Historicamente, as nações que compartilham a mesma moeda não entram em guerra umas contra as outras, a menos que uma delas seja colónia da outra e esteja (como as colónias da América em 1776) numa revolução para estabelecer sua independência contra as imperialistas. Ter uma moeda comum é, portanto, um fator forte – mas não decisivo – para a paz entre as nações.
O Reino Unido (Grã-Bretanha) tem a sua libra, a UE (a União Europeia) tem o seu euro e os EUA (América) tem o seu dólar. EUA (dólar) e Reino Unido (libra) estão agora em guerra contra a UE (euro), de modo a ajudar a estender no futuro o domínio existente do dólar (da América) como a principal moeda de reserva global - o futuro político e domínio financeiro dos Estados Unidos, dirigindo-se, em última análise, ao controle de todas as nações pelo governo dos Estados Unidos, praticamente evitando as Nações Unidas e seu papel (aleijado) até agora como a fonte autorizada do direito internacional: as leis que governam não dentro das nações, mas entre nações - substituindo que existe corpo de leis internacionais, pela “ordem baseada em regras internacionais”, na qual o governo americano estabelecerá essas “regras”. É uma luta internacional para substituir a ONU e todas as leis internacionais, por uma ditadura global, seja dos EUA e do Reino Unido, ou então dos EUA e da UE. Todas essas três moedas são, no entanto, acordadas em conjunto, para evitar que haja controle sobre as leis internacionais pela ONU e suas agências, ou por qualquer outra coisa que não as nações que estão na aliança militar fundamental da América, que é a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN. A OTAN deve ser expandida para aumentar o domínio do governo dos EUA (e do dólar americano) e, assim, enfraquecer a autoridade da ONU e seu poder já aleijado e cada vez mais fraco.
A aristocracia do Reino Unido assumiu o controle das políticas externas americanas em 25 de julho de 1945, quando, na Conferência de Potsdam, o general anglófilo americano Dwight Eisenhower apoiou a hostilidade de Winston Churchill contra Joseph Stalin dizendo ao ingénuo novo presidente dos EUA Harry Truman (que praticamente adorava Eisenhower) que ou os EUA acabariam por conquistar a União Soviética ou então a União Soviética conquistaria a América; e, assim, a Guerra Fria nasceu então, naquela data, na cabeça de Truman, por sua decisão de concordar com o ponto de vista de Eisenhower e iniciar o que se chamou de “Guerra Fria” para finalmente conquistar a Rússia. Truman então apoiou o plano do general George Marshall, o Plano Marshall, em 1948, para fornecer bilhões de dólares em ajuda de reconstrução dos EUA a qualquer país europeu que se aliasse aos EUA contra a União Soviética, a fim de estabelecer a futura ditadura global dos EUA planeada e abrangente (controle do mundo pelos bilionários americanos e suas corporações, especialmente concedendo acesso aos recursos naturais de todos os países).
A aliança militar da OTAN da América foi então criada em 1949 para ajudar na conquista final pretendida 'anticomunista' (na verdade, anti-URSS) (que seria a coroação da conquista da América sobre o mundo inteiro). Posteriormente, a CIA dos Estados Unidos reuniu os aliados europeus dos Estados Unidos no que acabou se tornando a União Européia, para que as nações europeias fossem controladas a partir de Washington, tanto militar quanto economicamente. No entanto, enquanto anteriormente a União Europeia era controlada pelo governo dos EUA, quase tanto quanto a aliança militar anti-russa da OTAN dos Estados Unidos, isso não é mais o caso; e, portanto, a aristocracia do Reino Unido, durante 2016-2020, liderou uma campanha secreta, para remover completamente o Reino Unido da UE e instalar em 10 Downing Street, o primeiro-ministro Boris Johnson para fazer o Brexit – saída britânica da UE – no que os bilionários britânicos viram como o caminho certo, mantendo “a Anglosfera” (EUA e Reino Unido) no controle do mundo, ao contrário da forma como a então primeira-ministra britânica Theresa May estava negociando com a UE; o que teria enfraquecido não apenas o controle dos Estados Unidos sobre a Europa, mas também o controle do Reino Unido sobre a Europa, que o Reino Unido controla apenas indiretamente em virtude de sua “Relação Especial” com o governo dos EUA. (Para o Reino Unido perder seu privilégio de voto na UE foi insignificante em comparação com o aumento do poder do Reino Unido sobre a UE por ser exclusivamente aliado do governo dos Estados Unidos). Segue:
Em 15 de maio, Kit Klarenberg na The Gray Zone anunciou “Operação Surpresa: e-mails vazados expõem golpe de inteligência secreto para instalar Boris Johnson” e demonstrou, a partir de documentos privados vazados, que uma autêntica conspiração por um grupo de indivíduos extremamente bem conectados na Grã-Bretanha – O Estado Profundo da Grã-Bretanha, constituído apenas pelos bilionários e aristocracia hereditária da Grã-Bretanha - na verdade projetou a queda de Theresa May como primeira-ministra e sua substituição por Boris Johnson, para que o Reino Unido não fosse mais aliado da UE, exceto como superior à UE, por causa da ligação única da Grã-Bretanha com sua ex-colônia, a América.
Aqui está como o líder dessa cabala ou conspiração explicou, em 4 de outubro de 2019, sua estratégia para um pequeno grupo de seguidores – estudantes, talvez – que felizmente ainda permanece no youtube:
No entanto, o seu jargão naquele vídeo incrivelmente revelador (que agora deve ser entendido à luz das revelações de 15 de maio de 2022 de Klarenberg) requer alguns antecedentes históricos e terminológicos importantes adicionais.
“A aliança dos cinco olhos”, disse aquele orador, “mantém o mundo livre livre”, mas o que isso significa? Seu “livre” é na verdade uma mentira; realmente, é o oposto de grátis; é a escravização dos cidadãos votantes e contribuintes aos Complexos Militar-Industriais dos EUA e Britânicos (ou “MICs”), após o término em 1991 da URSS e de seu comunismo e de sua aliança militar do Pacto de Varsóvia que espelhava a OTAN americana, e agora significa apenas o domínio do mundo pelo regime dos EUA por sua aristocracia, que são psicopatas e que controlam e lucram com seus fabricantes de armamentos enquanto seus públicos pagam por isso com impostos, destruições e cadáveres. Significa precisamente o que o originador desta conspiração, Cecil Rhodes, tinha declarado pela primeira vez em 1877, e constitui o “Relacionamento Especial” que o Reino Unido e os EUA tiveram desde que esse “Relacionamento Especial” foi finalmente e totalmente estabelecido e totalmente funcional, começando em 25 de julho de 1945, quando Truman colocou a América nesse fatídico caminho, de conquistar o mundo inteiro - a visão de Rhodes do futuro do mundo e de como Rhodes criaria a organização para realizá-lo. Aqui está uma declaração histórica de 1877, de Rhodes (que o orador naquele vídeo estava na verdade – e muito habilmente – representando: esta é a declaração original desse ponto de vista):
Eu afirmo que somos a melhor raça do mundo e que quanto mais o mundo habitarmos, melhor será para a raça humana…
Por que não devemos formar uma sociedade secreta com apenas um objetivo a promoção do Império Britânico e a colocação de todo o mundo não civilizado sob o domínio britânico para a recuperação dos Estados Unidos, para fazer da raça anglo-saxónica apenas um império? …
Qual tem sido a principal causa do sucesso da Igreja Romana? O fato de que todo entusiasta, chame-o se quiser, onde todo o louco encontra emprego. Vamos formar o mesmo tipo de sociedade numa Igreja para a extensão do Império Britânico. …
Para o estabelecimento, promoção e desenvolvimento de uma Sociedade Secreta, cujo verdadeiro objetivo será a extensão do domínio britânico em todo o mundo. O aperfeiçoamento de um sistema de emigração do Reino Unido e de colonização por súbditos britânicos de todas as terras onde os meios de subsistência são alcançáveis por energia, trabalho e empresa. E especialmente a ocupação por colonos britânicos de todo o continente da África, a Terra Santa, o vale do Eufrates, as ilhas de Chipre e Candia, toda a América do Sul, as ilhas do Pacífico, até então não possuídas pela Grã-Bretanha, todo o arquipélago malaio, a costa da China e do Japão, a recuperação final dos Estados Unidos da América como parte integrante do Império Britânico. E a inauguração de um sistema de representação colonial no Parlamento Imperial que possa tender a unir os membros desarticulados do Império e, finalmente, a fundação de um poder tão grande que torne as guerras impossíveis e promova os melhores interesses da humanidade.
A frase de Rhodes “os melhores interesses da humanidade” expressava na verdade seu ponto de vista racista-cultural. É, em última análise, uma alegação de que o governo de Sua Majestade será melhor para governar as relações internacionais do que qualquer alternativa, como a intenção de FDR de uma ONU armada, jamais poderia ser. Embora Rhodes quisesse que as relações internacionais fossem governadas pela aristocracia britânica, FDR queria que fossem governadas por uma ONU que seria uma democracia armada (federação) de nações. Hitler tinha sua visão de um “Reich de Mil Anos”, mas Churchill, que era um ardente Rhodesist, e que tinha sido um protegido de Rhodes, preferiu, em vez disso, a versão britânica de um império global tão abrangente, e isso foi/deve ser alcançado atrelando o império da Grã-Bretanha às costas do cavalo americano muito mais forte. Rhodes sabia, ainda em 1877.
Neste momento, a UE está afundando porque, ao aderir à demanda dos Estados Unidos para interromper a importação de gás e petróleo do principal fornecedor da UE, que é a Rússia, os custos de energia em toda a UE aumentarão e destruirão a sua economia. E essa é a estratégia de Biden e de Johnson. Biden também é um rodesista – assim como Obama e Trump e Bush I & 2 e Clinton e Reagan foram. Os governos dos EUA e do Reino Unido são Rhodesist. Isso não significa que em todos os assuntos, as duas ditaduras concordem, mas quase sempre concordam; e que, quando não o fazem, o governo do Reino Unido não estimula seu cavalo americano a resistir e derrubar seu cavaleiro britânico, porque esses britânicos sabem que isso - montar no cavalo americano - é a ÚNICA maneira que eles podem continuar o britânico império na medida em que eles foram autorizados a fazer após a Segunda Guerra Mundial. Os rodesistas e sua “Aliança dos Cinco Olhos” (Prins também se refere a ela como “a Anglosfera”, que é mais uma frase para o que Rhodes estava defendendo) são realistas, que estão tentando estender-se o máximo possível no futuro a sua exploração aristocrática conjunta e coletiva do mundo inteiro. Isso significa: manter a Europa para baixo e todos os outros países fora. É especialmente o caso da Alemanha, que é o gigante industrial da UE. Como o New York Times informou em 5 de abril de 2022:
A Alemanha já reduziu sua dependência do gás da Rússia [de 55%] em 15%, reduzindo-a para 40% nos primeiros três meses do ano, disse o Ministério da Energia.
Mas os líderes da indústria resistiram à imposição de sanções ao gás natural russo. Desligar as torneiras causaria “danos irreversíveis”, alertou Martin Brudermüller, presidente-executivo da BASF, a produtora química sediada no sudoeste da Alemanha. Fazer a transição do gás natural russo para outros fornecedores ou mudar para fontes alternativas de energia exigiria de quatro a cinco anos, não semanas, disse ele.
“Queremos destruir cegamente toda a nossa economia nacional? O que construímos ao longo de décadas?” Sr. Brudermüller disse numa entrevista com o Frankfurter Allgemeine Zeitung na semana passada.
Já, devido à pressão da administração Biden, e contra a opinião popular alemã e os apelos de empresas alemãs de todos os tamanhos para não o fazer, a Alemanha cancelou recentemente o gigantesco gasoduto Nord Stream II da Rússia para a Alemanha, que teria reduzido preços do gás na Europa. Em vez disso, espera-se que esses preços dobrem em breve. E quase toda a UE sofrerá um grande impacto com essas decisões da Alemanha e de outros países da UE. É uma guerra EUA/Reino Unido não apenas contra a Rússia, mas também contra a Europa.
Isso é o que Gwythian Prins, o líder de sua cabala ou conspiração, que fala naquele vídeo do youtube, estava realmente falando. (O artigo de Klarenberg não diz nada sobre Rhodes, mas o que Prins diz neste vídeo do yotube também está totalmente de acordo com o plano de Rhodes, sobre o qual o artigo de Klarenberg revela muitas evidências privadas.) E os patetas europeus da América estão fazendo tudo o que podem para impor o domínio americano, apesar do fato de que, em certos detalhes, a aristocracia do Reino Unido está profundamente insatisfeita com a medida em que a UE não está fazendo tudo o que os aristocratas do Reino Unido querem que eles façam. Os aristocratas do Reino Unido sabem que desafiar o cavalo americano faria com que fossem expulsos dele. Então, eles escolhem, em vez disso, permanecer nele e apenas cutucá-lo sempre que querem uma pequena mudança em sua direção. E é isso que Prins está defendendo, contra a UE, contra seus colegas e alunos.
E isso explica a documentação vinculada aqui sobre a guerra dos EUA e do Reino Unido contra a Europa. A guerra deles é manter a Europa e todo o resto do mundo de fora, e apenas a Grã-Bretanha ainda na sela, cavalgando o cavalo americano para a vitória permanente, contra o público em todos os lugares. É para a continuação do “Consenso de Washington”.
O artigo de Klarenberg inclui muita documentação fascinante, como esta foto do e-mail de Prins datado de “22 de setembro de 2018 às 4h53” para um certo “Julian Blackwell, abordando seu amigo como 'Trooper', uma referência às forças especiais do SAS da editora e agradecendo-lhe pela sua 'bem-vinda e generosa disposição de cobrir minha renda perdida efetivamente para a primeira metade deste ano fiscal [exercício financeiro] [para que Prins pudesse projetar Boris Johnson substituindo Theresa May]'”. Tudo seria altamente incriminador, se o Reino Unido não fosse uma ditadura e o próprio Prins não fosse um dos principais agentes dessa ditadura. Curiosamente, a organização na qual Prins estava falando, “Veterans for Britain” (da qual Prins é membro do conselho) foi revelado em 5 de dezembro de 2017 ser um grupo de “Dark Money” de frente para o Partido Conservador do Reino Unido e para os financiadores do Partido Republicano dos EUA. O grupo que revelou isso, "Open Democracy", que é financiada principalmente pelo Partido Trabalhista do Reino Unido e pelo Partido Democrata dos EUA, mas também por alguns republicanos dos EUA no meio do caminho (ou seja, anti-Trump). Apoiantes financeiros do partido – em outras palavras: “Open Democracy” é financiada por bilionários tanto na América quanto na Grã-Bretanha. Em ambos os países, pertencer à classe da ditadura (a aristocracia da nação) exige ser bilionário, ou algo próximo disso. O público são apenas os otários, para serem manipulados (através da propaganda de sua mídia); no entanto, pelo menos alguns dos bilionários querem que eles sejam sugados. Há, portanto, uma disputa constante entre bilionários conservadores e liberais, a fim de 'eleger' para cargos nacionais apenas políticos que sejam apoiados por pelo menos ALGUNS dos bilionários. E uma das coisas que todos os bilionários estão financiando é a propaganda a favor de manter os EUA e o Reino Unido no topo, governar o resto da “Anglosfera” e manter a Europa e todos os outros países fora.
Augusto Nicolás Calderón Sandino nasceu em 18 de maio de 1895 em Niquinohomo, departamento de Masaya. Quando cresce, trabalha com a mãe na colheita de café em plantações no Pacífico da Nicarágua.
Em outubro de 1909, uma insurreição apoiada pelos Estados Unidos provocou a renúncia do presidente José Santos Zelaya. José Madriz assume o cargo, mas em fevereiro de 1910 tropas norte-americanas desembarcam em Corinto e também provocam sua demissão. Após múltiplas manobras, toma o poder Adolfo Díaz, guarda-livros de uma mineradora norte-americana e aliado incondicional de Washington. Os Estados Unidos concedem alguns empréstimos à Nicarágua e tomam, como garantia, o controle da alfândega, da Ferrovia Nacional, dos navios a vapor do Grande Lago e fundos não utilizados de outro empréstimo.
Em julho de 1912 eclodiu uma revolta contra o fantoche Díaz. Tropas americanas desembarcam em Corinto. Benjamín Zeledón enfrenta os invasores e morre em combate em 4 de outubro. Aos 17 anos, Sandino está muito impressionado com a imagem do patriota.
Em 1916 trabalha como ajudante mecânico perto da fronteira com a Costa Rica. Ele viajou para Honduras em 1920 e para a Guatemala em 1923, onde trabalhou nas plantações da United Fruit. Ele vai para o México e trabalha para petroleiras em Tampico e Cerro Azul.
Em agosto de 1925, os Estados Unidos retiram suas tropas da Nicarágua; a ocupação durou 13 anos. No entanto, permanecem os instrutores da Polícia, antecessora da Guarda Nacional.
Golpe militar do general Emiliano Chamorro em outubro. Washington se recusa a reconhecê-lo.
Em maio de 1926, ocorreu uma revolta liberal contra Chamorro. Tropas norte-americanas desembarcam em Bluefields. Ao saber do início da Guerra Constitucionalista, Sandino parte para a Nicarágua, onde chega em 1º de junho.
Em 26 de outubro de 1926, levantou-se em armas com alguns mineiros de São Albino e aderiu à causa constitucionalista. Em 2 de novembro, em seu primeiro confronto contra as tropas conservadoras em El Jícaro, sofreu sua primeira derrota.
Em 24 de dezembro, tropas americanas desembarcaram em Puerto Cabezas. No dia seguinte, Sandino obteve armas e munições com a ajuda de prostitutas do Porto. O general José María Moncada ordena que o devolva em uma entrevista realizada em Prinzapolka; Pegue as armas e comece ou volte para Las Segovias.
Em janeiro de 1927, tropas americanas desembarcaram em Corinto. Em fevereiro, Sandino se instala em El Yucapuca e inicia uma campanha militar vitoriosa em San Juan de Segovia; participa num grande número de combates. As tropas conservadoras foram totalmente derrotadas e Moncada tentou livrar-se dele mandando-o para Boaco.
No início de maio de 1927, ele teve uma troca epistolar com Moncada sobre os termos do armistício que havia alcançado com Henry Stimson, delegado do presidente Calvin Coolidge na Nicarágua. Em 12 de maio de 1927, em circular dirigida às autoridades locais de todos os departamentos, anunciou sua determinação de continuar lutando apesar da retirada das tropas de ocupação norte-americanas. Em 18 de maio, casou-se com Blanca Aráuz.
Em 1º de julho de 1927, ele emitiu seu primeiro Manifesto Político dirigido ao povo da Nicarágua de seu acampamento em Mineral de San Albino. Em 14 de julho, ele responde à proposta de rendição feita por Gilbert Hatfield, capitão dos fuzileiros navais. Em 16 de julho, após uma batalha de 15 horas, ele tomou El Ocotal por algumas horas. Aviões dos EUA bombardearam e metralharam a cidade, causando 300 mortes entre a população civil.
Ele luta em várias cidades e se retira para seu acampamento em El Chipote; começa a guerrilha. Em 2 de setembro de 1927, foi constituído o Exército de Defesa da Soberania Nacional da Nicarágua. Em 14 de novembro, ele assinou o Acordo sobre os traidores da Pátria.
Em dezembro, os governos de Coolidge e Díaz concordam em transformar a Polícia em Guarda Nacional.
Depois de vários dias de "combate", em 26 de janeiro de 1928, os fuzileiros finalmente chegaram ao cume do El Chipote e encontraram apenas bonecos de grama.
Em 22 de junho de 1928, o líder comunista salvadorenho Farabundo Martí juntou-se às fileiras do sandinismo.
Em 6 de novembro de 1928, em eleições organizadas e supervisionadas pelos fuzileiros navais, o traidor Moncada foi eleito presidente.
Em 23 de maio de 1929, ele deixou a Nicarágua para o México buscando, sem sucesso, o apoio do presidente mexicano Emilio Portes Gil. Seus generais continuam a luta. Ele retorna à Nicarágua em 16 de maio de 1930.
Em 31 de dezembro de 1930, as tropas de Miguel Ángel Ortez emboscaram uma patrulha da marinha em Achuapa.
Em 15 de fevereiro de 1931, ele assinou seu manifesto Luz e Verdade.
Em novembro de 1932, Juan Bautista Sacasa foi eleito presidente. Pouco antes havia solicitado a permanência de dois fuzileiros navais, portanto, desta vez Washington se recusou.
Em 1º de janeiro de 1933, a causa sandinista triunfou quando os invasores norte-americanos se retiraram do território nicaraguense. Sacasa assume a presidência e "General" Anastasio Somoza García ou chefe da Guarda Nacional. Sandino viaja para Manágua em fevereiro e conclui tratado de paz.
No dia 20 de maio, viajou novamente a Manágua para protestar junto ao Sacasa contra os constantes ataques da Guarda Nacional contra seu povo. Ele retorna em 30 de novembro pelo mesmo motivo sem resultados.
Em 21 de fevereiro de 1934, ao descer a colina Tiscapa, após um jantar com Sacasa, foi capturado e depois assassinado com os generais Francisco Estrada e Juan Pablo Umanzor por ordem de Somoza García. Pouco antes, seu irmão Sócrates havia sofrido o mesmo destino. O coronel Santos López, que mais tarde participaria da fundação da Frente Sandinista de Libertação Nacional, consegue escapar.
Em 23 de agosto de 1934, o Congresso decreta amnistia para todos os crimes cometidos pela Guarda Nacional.
Nota: Artigo publicado em La Haine em 26/2015, que reproduzimos agora em homenagem ao grande revolucionário nicaraguense.
CHEGARAM AS MÁQUINAS para talhar a cidade que vem das águas cresce a obra do homem, ouve-se um lento grito d'espuma e suor na memória ficaram os sinais dos bosques ceifados, as dunas desfeitas e algumas casas abandonadas estenderam-se tubos prateados, onde escorre o negro líquido levantaram-se imensas chaminés, serpenteiam auto-estradas na paisagem irreconhecível do teu rosto
onde estarão as tâmaras maduras de tuas palmeiras? e o perfume intenso das flores debruçando-se ao sol? que murmúrio terão as pedras do teu silêncio?
a memória é hoje uma ferida onde lateja a Pedra do Homem, hirta como uma sombra num sonho e as aves? frágeis quando aperta a tempestade... migraram como eu? aonde caminhas, Doce Moura Encantada?
ouço o ciciar dos canaviais dentro do sono, adivinho teu caminhar de beijos no rumor das águas tuas mãos de neve recolhem conchas, estrelas secretas, luas incendiadas... que o mar esconde na
respiração das marés
estremecem-me nas mãos os insectos cortantes do medo, em meu peito doído ergue-se esta raiva dos mares-de-leva
"Trabalho de Olhar", 1976/82
RETRATO DE UM AMIGO ENQUANTO BEBE
íamos por noites de ciclone largar a tristeza à porta marítima das tabernas... éramos a sombra que mancha o tampo da mesa oscilante falávamos alto como fazem os marinheiros bebíamos até cair
conheço este homem debruçado para o rosto indeciso do rapaz perguntava se havia algum mal no que fazia eu olhava a televisão pedia mais vinho interrogava-me que secretos desejos teriam singrado com aquele navio carregado de morte?
e a cidade crescia noite adiante sob a tempestade os passos ecoavam apressados pelo cais – Como te chamas? perguntou mas o rapaz não respondeu... e nada em redor tremeluzia
o homem levantou-se indiferente à revelação da alba titubeou tossiu apoiado no magro ombro do rapaz desapareceram pelas ruas estreitas do mar entre redes cordas quilhas e remos onde se embarca para o medo esquecido de mais um dia
"Alguns Poemas da Rua do Forte", 1983
A DOENÇA LANÇA nas veias um insecto negro calcinado pela excessiva luz da memória
tenho repentinamente fome não consigo mexer-me sacudo os lençóis com os pés concentro-me na dor que me percorre desmancho a cama onde me ataram há quinze anos fixo o olhar para lá das paredes e do tecto
a casa está envenenada exala vibrações de ferrugem subterrânea desenha-se uma porta de cânhamo à altura da boca e um movimento remoto dos dedos fustiga as raízes graníticas dos alicerces
a doença enumera inventaria necessita de esvaziar completamente a memória para que se cure o corpo e o sonho de novo desça e construa magníficos refúgios luminosos jardins
de mim amontoar-se-ão os ossos escombros de veias usadas sob pesadas chuvas comigo morrerão os rumores de deus e das madeiras
o arrumo cauteloso dos livros o segredo das fechaduras e dos envelhecidos espelhos que gemem e vibram à passagem dos mortos e das sombras
"Uma Existência de Papel", 1984/5
“Vigílias” de Al Berto. Ed. Assírio & Alvim. Lisboa, 2004