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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

Silly season 2022

29.07.22 | Manuel

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O Verão vai a meio, as temperaturas sobem bruscamente, facilmente são ultrapassados os 42º Celsius, o que não deixa de ser normal atendendo aos registos de épocas passadas de um clima de forte influência mediterrânica, e, ao contrário do que seria de esperar, os acontecimentos e as notícias não irão de férias nem serão assim tão simplórias nem tolas.

Se nos lançarmos ao trabalho, vencendo a moleza inerente ao tempo que se faz sentir, de passar uma vista de olhos pelos principais órgãos de imprensa escrita do establishment, vários são os temas que irão, e já estarão, a inquietar-nos: a guerra da Ucrânia, a subida do preço da energia, os lucros extraordinários e obscenos dos grandes grupos económicos e dos bancos para além das empresas directamente ligadas ao sector das energias, a inflação galopante que não se sabe até onde irá chegar, os incêndios que serão definitivamente extintos somente quando deixarem de ser negócio, o SNS debaixo de fogo cada vez mais intenso, com a suspeita de privatização a curto prazo da área da obstetrícia/ginecologia, numa estratégia que vem de há muito e sob pressão de Bruxelas, a justiça que, embora não pareça, é branda com os inspectores do SEF que acusados de tortura, omissão de auxílio e homicídio apenas levaram 9 anos de prisão ou de Ricardo Salgado, o banqueiro do regime, que para além de ainda não estar preso viu a caução diminuir de 3 milhões de euros para metade e a reforma melhorada para 90 mil euros por mês, o partido de extrema-direita com representação parlamentar questionar a prepotência do presidente da dita “casa da democracia”, ambos em plena campanha de auto-promoção, o segundo como candidato a candidato a Belém, o cantor que não tem voz mas que apanha sempre a onda para também se promover e quando ameaçado corre para as saias governo a pedir protecção, a Igreja Católica que não consegue explicar o seu silêncio sobre os casos de pedofilia, a continuação do estado de alerta para se manter o uso da máscara até ao fim do mês de Agosto quando o próprio governo convida a realização em Portugal de grandes eventos desportivos internacionais e, entretanto, continua a comprar vacinas, agora para a virose dos macacos. Etc., etc.

Perante todos estes acontecimentos, numa guerra cada vez mais quente e pouco fria, quer lá fora quer cá dentro, os números não enganam, basta seguir o dinheiro:

Galp, EDP Renováveis, Jerónimo Martins e Sonae MC somam mil milhões de lucros no primeiro semestre e a dona do Continente com saldo positivo de 62 milhões; Lucro do BPI aumenta 9% para 201 milhões no semestre; Lucros semestrais da Cofina crescem 67%, A Cofina registou um aumento de 5,9% nas receitas, que ascenderam a 37,58 milhões de euros; REN aumenta lucros em 16% para 45,9 milhões de euro; Receitas da Altice Portugal sobem 14% para 1.254,2 milhões no primeiro semestre; Rendimentos operacionais do Banco CTT sobem 27% até Junho; a Altri registou no primeiro semestre deste ano um resultado líquido de 69,6 milhões de euros, um aumento de 56,9% face ao mesmo período de 2021; Sonae quase duplica lucros para 118 milhões no primeiro semestre.  

E lá fora: A Shell britânica anunciou lucros recorde no valor de mais de onze mil milhões de euros líquidos nos três meses de Abril a Junho; Iberdrola cai 36% mas atinge lucros de 2.075 milhões no primeiro semestre; Lucros recorde da espanhola Repsol, receita cresceu 92,9%, para 22 mil milhões de euros; Total Energies quase triplica o lucro somando 70,4 mil milhões de dólares entre Abril e Junho, alta de 69% na comparação anual. É a concentração acelerada do capital.

Se o dinheiro corre para um lado, de um outro sairá, numa espécie de sistema de vasos comunicantes: Inflação sobe para 9,1% em Julho e atinge máximo desde 1992, a taxa de variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor terá aumentado 9,1% em Julho, depois de 8,7% em Julho; Inflação na Zona Euro sobe para 8,9% em Julho; contudo, PIB contrai 0,2% em cadeia no 2º trimestre; Taxa de desemprego sobe ligeiramente para 6,1% em Junho; O Banco de Portugal informou esta quinta-feira que as instituições bancárias que operam em Portugal «reduziram» mais de 3000 trabalhadores e fecharam acima de 350 agências nos últimos dois anos; Prestação da casa agrava-se até 104 euros em Agosto após BCE subir juros,  Agosto trará um novo agravamento da prestação da casa para os contratos que foram revistos; Rendas aumentaram 30% em Julho face ao ano passado; O Estado registou um excedente de 1.113 milhões de euros no primeiro semestre, em contabilidade pública, o que traduz uma melhoria de 8.429 milhões de euros face aos primeiros seis meses de 2021. São as famosas cativações a par dos fabulosos lucros dos grandes grupos económicos. A mesma filosofia.

A recessão económica encontra-se atrás da porta e será inevitável, no centro do capitalismo mundial o anúncio, contrariando as palavras do demenciado Biden e dos economistas de serviço, de os Estados Unidos entram em recessão técnica. Continuando com as paragonas dos media, a maior economia mundial registou uma quebra de 0,9% no segundo trimestre depois da contração de 1,6% nos primeiros três meses do ano; assim, os Estados Unidos encontram-se em recessão técnica.

E a locomotiva europeia não se encontra melhor, Queda da confiança coloca economia alemã “à beira da recessão”. Indicador de confiança entre os empresários alemães caiu em Julho para o valor mais baixo desde Junho de 2020, no auge da pandemia. Receio de contracção na economia aumenta.

E já o patrão da Meta, e da censura contra o que não é politicamente correcto, alertou para o início da recessão económica. De acordo com os balanços do período de Abril a Junho, a empresa registou lucro líquido de 6,687 milhões de dólares, equivalente a 2,46 dólares por ação, valor que representa uma queda de 36% em relação aos 10.394 milhões de dólares no mesmo trimestre de 2021, com ações avaliadas em 3,61 dólares cada.

A recessão dentro da economia capitalista é endémica, está-lhe na natureza, e é cíclica, só que a burguesia já aprendeu a tirar dividendos de uma coisa que não consegue modificar ou colocar-lhe fim, mas que afinal tem sido sempre benéfica para o sistema económico no seu todo, embora possa ser prejudicial para uma parte. Quando o aumento da produção, que, teoricamente e no capitalismo, não terá fim, entra em contradição com o mercado, então, há uma crise de super-produção, como está a verificar-se actualmente. A solução encontrada tem sido a guerra, além da disputa de recursos e mercados, serve para destruir o excesso de produtos e de forças produtivas, incluindo a mão-de-obra excendentária. Com a guerra há sempre a garantia que o desemprego acaba.

E, quando se reconstruir, recomeça o novo ciclo de acumulação e concentração de riqueza. Na guerra há sempre um sector da burguesia que enriquece, nem que seja pelo próprio negócio do armamento, enquanto outro poderá arruinar-se, é o que está a assistir-se presentemente. A pandemia da covid-19 serviu, e outras se encontram já na calha, varíola do macaco, a poliomielite e cólera já estão a ser ensaiadas atendendo aos casos já noticiados, para impor medidas de controlo social e restrição da própria actividade económica.

Os estados de emergência sanitários e os seus confinamentos sociais levaram ao enfraquecimento das pequenas e médias empresas que agora ainda terão a vida ainda mais dificultada com o aumento brutal do preço da energia. O exemplo da Vista Alegre, que viu os custos com gás a dispararem 485%, fechando o 1º semestre do ano com prejuízos, dá bem a imagem daquilo que as esperam. Muitas têm o destino traçado e não haverá surpresa que, depois das habituais férias de Agosto, algumas já não abram as portas.

De pouco ou nada valerão os 4,6 mil milhões destinados às empresas, no quadro do Portugal 2030, grande parte desse dinheiro irá para as grandes empresas e, nomeadamente, para as empresas estrangeiras que aqui se encontram a aproveitar-se da mão de obra barata e dos benefícios fiscais. Como de pouco valeram os milhões gastos nos lay-off ao abrigo do putativo combate à pandemia ou os 19.963 milhões recebidos de Bruxelas até Junho deste ano no âmbito do PT 2020. E quanto aos mais de 16 mil milhões de euros do famigerado PRR, já sabemos a quem calharão e quais os resultados.

O mundo actual está completamente de pernas para o ar, e vêm-nos dizer que o problema está nas alterações climáticas e na guerra, ora só acredita quem quer. Se a guerra é a continuação da política por outros meios (Carl von Clausewitz), então a política é a continuação da economia a outro nível. E com esta economia, com este regime político, com estas elites, uma economicamente rentista e subsidiária, outra politicamente corrupta, degradada e degradante, Portugal é um país sem futuro e em vias de desaparecimento, acabando por pouco importar se está dentro ou fora da União Europeia ou do euro. Outro mundo é possível porque necessário, só que o caminho terá de ser outro diametralmente oposto. A silly season este ano será particularmente quente e nada simplória.

Imagem de destaque: Praia de Yalta, Crimeia, 1995 – Martin Parr

George Ehrenfried Grosz

27.07.22 | Manuel

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George Grosz nasceu em Berlim, em 1893. É expulso da escola antes de completar o ensino obrigatório, por agredir um professor, situação que lhe cria grandes entraves a prosseguir uma carreira “séria”.

Decide tornar-se artista, aspirando ser um pintor de género, ideia que cedo abandonará para se dedicar à ilustração e à caricatura. Frequenta a Academia de Dresden e a Escola de Artes de Berlim, onde se depara com a valorização da arte enquanto transmissora dos grandes ideais clássicos. Grosz distancia-se desta visão por acreditar que, à maneira de Baudelaire, o artista tem de se vincular ao seu próprio tempo e não a um passado longínquo.

A cidade de Berlim fomenta a atracção de Grosz pela metrópole moderna e pela manifestação da vida vulgar e marginal. Interessa-se por situações bizarras, particularmente as que incluem crimes, assassínios, suicídios e violações. Grosz absorve os comportamentos excêntricos, não por representarem anomalias sociais, mas por acreditar que estes eram constituintes de todos os seres.

Começa a publicar ilustrações e caricaturas em periódicos alemães como Ulk e Lustige Blatter , que se centravam em temas eróticos, crimes e orgias. São obras que incorporam elementos futuristas, como a essência do movimento, mas que se afastam deste movimento no tratamento compositivo e formal assumido por Grosz.

Apesar de ser um profundo opositor da política alemã, voluntaria-se para a Primeira Guerra Mundial para fugir às consequências da obrigatoriedade. Sofre um severo ataque de sinusite que justifica uma dispensa do campo de batalha, sendo recrutado novamente passado pouco tempo. A situação torna-se insustentável e, em 1917, Grosz tenta suicidar-se. Considerado um crime grave de guerra, o artista é condenado à morte, vindo a ser salvo pela influência de um patrono, o conde Kessler.

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Imagem: O Agitador – George Grosz

Depois de sair da guerra, a sua arte ganha uma nova dimensão. Enche as suas obras do seu próprio ódio, protesta contra a propaganda de guerra alemã e transforma-se, segundo as suas próprias palavras, num “propangandista da revolta social”. Grosz incorpora a luta contra a guerra, tornando-se um artista explicitamente político, atacando e denunciando as classes dirigentes responsáveis e exploradoras da guerra, num discurso pautado por sarcasmo e ironia.É um dos membros fundadores do grupo Dadá de Berlim, conjuntamente com John Heartfield, Otto Dix, Max Ernst e Kurt Schwitters. É dentro das explorações dadá que inventa com Heartfield a fotomontagem.

Quer nos seus desenhos lineares a tinta-da-china, quer nos seus óleos, Grosz constrói um discurso estético de ataque à classe burguesa e à classe dirigente, tendo sido várias vezes acusado e processado por ofensa à moral pública e por blasfémia. Estes escândalos ajudaram a desenvolver e a consolidar a sua carreira, não apenas a nível nacional, mas também além-fronteiras.

As composições desta época desenvolvem-se através do uso de técnicas futuristas e cubistas, sintetizando na mesma imagem aspectos contraditórios da sociedade. Grosz irá beber igualmente ao Expressionismo alemão no uso de cores fortes e de uma perspectiva distorcida, assim como sofrerá influências do construtivismo na estrutura espacial dos seus quadros.

A crítica à corrupção social vivida na Alemanha tecida por Grosz fundamenta-se numa atitude essencialmente negativa e caótica do mundo contemporâneo. A dissolução das leis da perspectiva efectivada pelo artista expressa uma estratégia de tradução desse mundo que se desfazia caoticamente em bocados.

No ?nal da década de 20 inicia um forte ataque a Hitler e ao partido nazi. Será igualmente nesta época que colabora na revista Der Querchnitt , em que também participa Mário Eloy, tendo sido ambos incorporados no movimento da Nova Objectividade.

Grosz torna-se cada vez mais indesejado e odiado na Alemanha, abandonando a sua terra natal quando, em 1932, é convidado para leccionar na Arts Student League, em Nova Iorque.

Nos Estados Unidos, o seu trabalho muda radicalmente. Dada a mudança de contexto, o ataque às classes sociais deixa de ser pertinente, e a sua estética, crua e implacável, dissolve-se, dando lugar a trabalhos de pouco interesse. As suas últimas obras serão colagens, semelhantes às do período dadaísta, acrescidas de uma influência pop. De relevância na sua estada nos Estados Unidos é a actividade pedagógica que exercita.

Volta para Alemanha em 1958, dizendo que o seu sonho americano se tinha transformado numa bola de sabão. Morre um mês após a sua chegada, ao cair num lance de escadas.

(Texto de Filipa Oliveira, no site da Fundação Calouste Gulbenkian)

Imagem de destaque: Auto-retrato, 1937 – George Grosz

A propósito do debate do Estado da Nação, na Assembleia da República

25.07.22 | Manuel

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O ESTADO DA NAÇÃO:

Uns vão bem e outros mal

Fausto

Senhoras e meus senhores,

façam roda por favor

Senhoras e meus senhores,

façam roda por favor,

cada um com o seu par

Aqui não há desamores,

se é tudo trabalhador,

o baile vai começar.

 

Senhoras e meus senhores,

batam certos os pezinhos,

como bate este tambor

Não queremos cá opressores,

se estivermos bem juntinhos,

vai-se embora o mandador

 Vai-se embora o mandador

 

Faz lá como tu quiseres,

faz lá como tu quiseres,

faz lá como tu quiseres

Folha seca cai ao chão,

folha seca cai ao chão

 

Eu não quero o que tu queres,

eu não quero o que tu queres,

eu não quero o que tu queres,

Que eu sou doutra condição,

que eu sou doutra condição

 

De velhas casas vazias,

palácios abandonados,

os pobres fizeram lares

Mas agora todos os dias,

os polícias bem armados

desocupam os andares

Para que servem essas casas,

a não ser para o senhorio

viver da especulação

 

Quem governa faz tábua rasa,

mas lamenta com fastio

a crise da habitação

 

E assim se faz Portugal,

uns vão bem e outros mal.

 

Faz lá como tu quiseres,

faz lá como tu quiseres, 

faz lá como tu quiseres

Folha seca cai ao chão,

folha seca cai ao chão

 

Eu não quero o que tu queres,

eu não quero o que tu queres,

eu não quero o que tu queres,

Que eu sou doutra condição,

que eu sou doutra condição

 

Tanta gente sem trabalho,

não tem pão nem tem sardinha

e nem tem onde morar

Do frio faz agasalho,

que a gente está tão magrinha

da fome que anda a rapar

 

O governo dá solução,

manda os pobres emigrar,

e os emigrantes que regressaram

Mas com tanto desemprego,

os ricos podem voltar

porque nunca trabalharam

 

E assim se faz Portugal,

uns vão bem e outros mal.

 

Faz lá como tu quiseres,

faz lá como tu quiseres,

faz lá como tu quiseres

Folha seca cai ao chão,

folha seca cai ao chão

 

Eu não quero o que tu queres,

eu não quero o que tu queres,

eu não quero o que tu queres,

Que eu sou doutra condição,

que eu sou doutra condição.

 

E como pode outro alguém,

tendo interesses tão diferentes,

governar trabalhadores

Se aquele que vive bem,

vivendo dos seus serventes,

tem diferentes valores.

 

Não nos venham com cantigas,

não cantamos para esquecer,

nós cantamos para lembrar

Que só muda esta vida,

quando tiver o poder

o que vive a trabalhar

 

Segura bem o teu par,

que o baile vai terminar.

 

Faz lá como tu quiseres,

faz lá como tu quiseres, 

faz lá como tu quiseres

Folha seca cai ao chão,

folha seca cai ao chão.

 

Eu não quero o que tu queres,

eu não quero o que tu queres,

eu não quero o que tu queres,

Que eu sou doutra condição,

que eu sou doutra condição.

 

Uns vão bem e outros mal - pertence ao álbum Madrugada dos Trapeiros, que Fausto Bordalo Dias lançou em 1977

Imagem: TSF

Os algoritmos já prevêem o Armagedão: "2023 será um ano de inferno"  

23.07.22 | Manuel

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Agitação civil provocada pela inflação. O lendário analista financeiro e geopolítico Martin Armstrong diz que agora é a hora de se preparar para o que está para vir em 2023. O programa de Armstrong, Sócrates, prevê: "2023 será o ano do inferno".

Armstrong explica: "Nosso computador prevê um 'ciclo de guerra' em 2023, mas também distúrbios civis..."

...então se espera revoluções etc. devido à inflação. Nossa previsão para o petróleo é que ele aumentará drasticamente até 2023. O mesmo é verdade, creio eu, para os preços da gasolina. Ainda não acabou. O euro parece um morto reaquecido….

Nosso computador prevê uma nova queda do euro e o aumento dos preços das commodities. Perante as sanções contra a Rússia, o chefe de governo húngaro acaba de dizer que a Europa está a cometer suicídio. As sanções prejudicaram mais a Europa do que a Rússia. É como um tiro nos pulmões. Nesta fase, eles não podem nem respirar.

Armstrong diz que você não precisa esperar até o próximo ano para ver um estresse extremo no sistema financeiro. Armstrong vê a ruptura financeira chegando em agosto e setembro. Portanto, a dor econômica já está lá e está piorando, especialmente na Europa. Armstrong diz

Acho que a situação vai chegar ao limite. . .. A tendência de baixa está definitivamente ficando mais forte. . .. O que piora as coisas para o mundo é que o dólar está subindo, não caindo. Isso porque todos esses mercados emergentes emitiram suas dívidas em dólares...

Eles tomaram emprestado em dólares porque a taxa de juros era mais barata e eles não tinham noção de risco cambial... Aconteceu na Austrália. A moeda flutua e de repente você deve 20% a mais….

A mesma coisa aconteceu com todos os mercados emergentes. . . . Agora o dólar está subindo e há uma corrida aos bancos.

Armstrong diz que não só o euro está se desvalorizando dramaticamente, mas os títulos do euro estão sendo evitados pelos bancos americanos. Este é outro mau sinal financeiro para a UE.

Armstrong continua...

Todas essas coisas são uma crise real. Se eu falar com os três maiores bancos de Nova York, posso dizer que eles se recusam a aceitar títulos do governo europeu como garantia – sem exceção. Esse foi o catalisador para toda a crise de recompra de 2019.

Então, entramos em uma crise de dívida com o sistema financeiro da UE na mira. Armstrong diz

É por isso que eles estão em guerra…. Empurre. Eles acreditam que podem criar um novo sistema monetário e para isso precisam da guerra.

Eles acham que podem apenas mantê-lo convencional. Então as Nações Unidas podem posar como um cavaleiro branco e pacificador.

Então vamos ter um novo Bretton Woods. Você pode remodelar todas as moedas e, ao fazer isso, pode liquidar todas as dívidas. É isso que está na ordem do dia….

Não há outra saída senão a insolvência. Se eles derem calote, eles temem que milhões de pessoas invadam os parlamentos da Europa...

Estamos realmente lidando com uma enorme crise financeira. Eles tomaram emprestado ano após ano desde a Segunda Guerra Mundial sem intenção de reembolsar nada.

Há muito mais na entrevista de quase 40 minutos.

Imagem: Manifestantes, revoltados pela fome e carestia de vida, invadem Palácio Presidencial no Sri Lanka

https://uncutnews.ch/2023-wird-ein-jahr-der-hoelle-martin-armstrong-warnt-vor-inflationsbedingten-buergerunruhen/

Poesia

19.07.22 | Manuel

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PRELÚDIO

Tombam secretas madrugadas
e rios densos de pavor
de tuas pernas devassadas
por meu instinto e meu amor.


Em teus joelhos levantados
tocam as pontas de uma estrela.
(Quaisquer receios de pecados
empalidecem à luz dela...)


E as tuas ancas repousadas,
pra que o meu corpo se concentre,
esperam, cativas, que as espadas
de amor se cravem no teu ventre.

*

RE(LI)GATA

Quando em lugar de feltro é de barro de Outubro
o calor interior das coxas habitadas
Quando a língua é um barco avançando no escuro
de um canal de Corinto entre pardas escarpas
Quando o cheiro do mar se desdobra em veludo
Quando rompe na boca o mistério das algas
Quando em baixo o teu pé a triturar-me o surdo
perímetro do sexo encontra a madrugada
Quando mais se aproxima a náutica do culto
Quando mais o altar se mostra navegável
Quando mais eu descubro e restauro e misturo
na crista litoral de súbito ampliada
o ritual do grito o ritual do cuspo
e vês que ninguém mais merece esta homenagem

é que enfim te possuo é que enfim te reduzo
a uma luva uma esponja uma deusa uma nave

*

NUDEZ

A pressa
com que te despes

Nem na alma te apetece
qualquer veste

A pressa
com que te despes

Até da carne e da pele
se pudesses



*

MÚSICA DE CAMA

X

Sobre mim cavalgas
cingindo-me os flancos
Colhes à passagem
a luz do instante

De dentes cerrados
ondulas avanças
retesas os braços
comprimes -as ancas

Depois para a frente
inclinas-te olhando
o que entre dois ventres
ocorre entretanto

e o próprio galope
em que vais lançada
Que lua te empolga
Que sol te embriaga

Lua e sol tu és
enquanto cavalgas
amazona e égua
de espora cravada

no centro do corpo
Centauresa alada
com os seios soltos
como feitos de água

Queria bebê-los
quando mais te dobras
Os cabelos esses
sorvê-los agora

Mas de cada vez
que o rosto aproximas
já é outra a sede
que me queima a língua

A de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu

(Poemas retirados de vários sítios da net e do livro “Música de Cama” de David Mourão-Ferreira. Editorial Presença. Lisboa, 1994)

Incêndios: governo e celuloses garantem repetição de 2017

17.07.22 | Manuel

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Cada lágrima chorada hoje será, de forma inequívoca, uma farsa, uma mentira, uma chapada na cara das famílias de quem morreu e uma machadada no futuro de quem pensa continuar a viver em Portugal.

António Assunção, Eunice Duarte, Fábio João Marçal, João Camargo, Jorge Paiva, Maria Teresa Rito, Matilde Alvim, Matilde Ventura, Mónica Casqueira, Nina Van Dijk, Paulo Pimenta de Castro, Serafim Riem

Cinco anos depois, Portugal é um país mais perigoso, mais despreparado e mais frágil. Cinco anos depois, os donos da floresta mandam mais do que nunca. Cinco anos depois, o abandono expandiu-se, como se expandiu o eucaliptal e como se expande o deserto. Cinco anos depois temos menos florestas, menos pessoas no interior, menos poder no meio rural e nenhum respeito pelas comunidades devastadas pelos incêndios de 2017.

Houve breves momentos, em 2017 e 2018, em que pareceu que seria possível mudar algo no país. Depois da enorme tragédia que queimou mais de 5% do território do país, que ceifou mais de 100 vidas, pensámos que esses factos avassaladores obrigariam um governo que, como os anteriores, se vergava ao poder das celuloses, a corrigir o rumo. Fomos ingénuos. Ao considerarmos o valor da vida humana incalculável, pensámos que as perdas após os incêndios teriam valor suficiente para obrigar o regime a questionar se era possível manter a maior área relativa de eucaliptal do mundo, com as maiores áreas ardidas da Europa ano após ano, com o custo humano, social e ambiental que tal acarretava. Estávamos errados.

Os incêndios de 2017 e o novo regime de incêndios que existe hoje em Portugal, articulando três factores essenciais – um novo clima inclemente, mais quente e seco, provocado pelas alterações climáticas, uma paisagem composta maioritariamente por eucalipto, uma espécie pirófita e invasora, e o abandono do interior pela população com cada vez piores condições para habitá-lo – já não ocupam um só minuto das preocupações da elite governante deste país. Cada lágrima chorada hoje será, de forma inequívoca, uma farsa, uma mentira, uma chapada na cara das famílias de quem morreu e uma machadada no futuro de quem pensa continuar a viver em Portugal.

Alguns de nós atravessaram recentemente uma parte do território na Caravana pela Justiça Climática e observaram, em conjunto com a população, como tudo está pior. Pior. Cinco anos depois da enorme tragédia de Pedrógão Grande, cinco anos depois dos piores incêndios da história deste país, as condições estão reunidas para uma tragédia ainda pior. Pior. Não são fenómenos “naturais” que ocorrem por acaso, há responsáveis pela situação atual: este governo, sem dúvida, e as empresas de celulose que proliferam nesta degradação, que se expandem e se beneficiam neste caos. Pior: o governo entregou nas mãos das celuloses a “reorganização” da estrutura de combate e prevenção de incêndios. Resultado: o território nacional tem reunidas as condições para tragédias ainda piores.

Após os incêndios de 2017 foram prometidas pelo governo duas coisas em Pedrógão: um projeto piloto de ordenamento florestal e um monumento às vítimas. Nenhum existe. Todos os discursos de circunstância, as vozes embargadas e as lágrimas que caírem hoje por parte dos responsáveis por 2017 e pelo pós-2017 devem ser desprezados e caracterizados pelo que efetivamente são: insignificantes.

Em 2017 e 2018 fomos ingénuos e deixámo-nos embalar pela possibilidade de haver lógica, decência e Humanidade na elite governante deste país. Enganámo-nos e deixámo-nos ser enganados. A virulência e a gula da indústria do papel não tem qualquer limite nem reconhece qualquer possibilidade de restrição, mesmo perante os piores cenários. Não voltaremos a ser ingénuos nem voltaremos a ser enganados, apesar do enorme poder da máquina de fumo e mentiras que dá aval à manutenção deste caos. Cinco anos mais tarde, respondemos que não assistiremos com complacência à condenação do interior e do país ao colapso.

16 de Junho de 2022

Imagem de destaque: Jornal de Leiria

https://expresso.pt/opiniao/2022-06-16-Incendios-governo-e-celuloses-garantem-repeticao-de-2017-11a5b253

Israel matou 78 crianças palestinianas em 2021, segundo o secretário-geral da ONU

17.07.22 | Manuel

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Nova Iorque – WAFA. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse ontem (11 de Junho) no relatório anual “Crianças e conflitos armados” que as forças de ocupação israelenses mataram 78 crianças palestinianas, mutilaram outras 982 e prenderam 637 em 2021.

"Se a situação se repetir em 2022, sem melhora significativa, Israel deve ser listado", alertou Guterres no relatório.

O chefe da ONU disse estar "chocado com a morte e ferimentos de crianças palestinianas por forças israelitas em ataques aéreos em áreas densamente povoadas, por meio do uso de munição real e pela contínua falta de responsabilidade por essas violações.

Ele reiterou o apelo para que "as forças israelitas exerçam o máximo de contenção para proteger vidas e implementar medidas preventivas, rever e fortalecer seus procedimentos para acabar e impedir qualquer uso excessivo de força contra crianças" em um aviso.

Guterres pediu que "Israel investigue todos os casos em que munição real foi usada", pois reconheceu pela primeira vez que "há uma falta sistemática de responsabilidade pelas violações israelitas contra crianças palestinas".

O relatório também destacou o problema das crianças palestinianas nas prisões israelitas, onde Guterres enfatizou "a necessidade de Israel aderir aos padrões internacionais em relação à detenção de crianças e acabar com a detenção administrativa, maus-tratos e violência".

Em seu relatório, o secretário-geral expressou a sua preocupação com “aumentar os ataques israelitas a escolas e instituições educacionais que atendem crianças”, enfatizando a necessidade de fornecer assistência médica e humanitária necessária às crianças sem impedimentos israelitas.

O relatório acrescentou que pelo menos 2.425 meninas e 13.663 meninos foram vítimas de violações confirmadas, incluindo sequestro, violência sexual, ataques a escolas e hospitais e negação de ajuda durante conflitos durante o ano passado.

https://english.wafa.ps/Pages/Details/130025

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

12.07.22 | Manuel

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Vinicius de Moraes:

 E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: 
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. 
E Jesus, respondendo, disse-lhe: 
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás. 
Lucas, cap. V, vs. 5-8. 

Era ele que erguia casas 
Onde antes só havia chão. 
Como um pássaro sem asas 
Ele subia com as casas 
Que lhe brotavam da mão. 
Mas tudo desconhecia 
De sua grande missão: 
Não sabia, por exemplo 
Que a casa de um homem é um templo 
Um templo sem religião 
Como tampouco sabia 
Que a casa que ele fazia 
Sendo a sua liberdade 
Era a sua escravidão. 

De fato, como podia 
Um operário em construção 
Compreender por que um tijolo 
Valia mais do que um pão? 
Tijolos ele empilhava 
Com pá, cimento e esquadria 
Quanto ao pão, ele o comia... 
Mas fosse comer tijolo! 
E assim o operário ia 
Com suor e com cimento 
Erguendo uma casa aqui 
Adiante um apartamento 
Além uma igreja, à frente 
Um quartel e uma prisão: 
Prisão de que sofreria 
Não fosse, eventualmente 
Um operário em construção. 

Mas ele desconhecia 
Esse fato extraordinário: 
Que o operário faz a coisa 
E a coisa faz o operário. 
De forma que, certo dia 
À mesa, ao cortar o pão 
O operário foi tomado 
De uma súbita emoção 
Ao constatar assombrado 
Que tudo naquela mesa 
- Garrafa, prato, facão - 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela 
Banco, enxerga, caldeirão 
Vidro, parede, janela 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão. 

Ah, homens de pensamento 
Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhou sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não havia no mundo 
Coisa que fosse mais bela. 

Foi dentro da compreensão 
Desse instante solitário 
Que, tal sua construção 
Cresceu também o operário. 
Cresceu em alto e profundo 
Em largo e no coração 
E como tudo que cresce 
Ele não cresceu em vão 
Pois além do que sabia 
- Exercer a profissão - 
O operário adquiriu 
Uma nova dimensão: 
A dimensão da poesia. 

E um fato novo se viu 
Que a todos admirava: 
O que o operário dizia 
Outro operário escutava. 

E foi assim que o operário 
Do edifício em construção 
Que sempre dizia sim 
Começou a dizer não. 
E aprendeu a notar coisas 
A que não dava atenção: 

Notou que sua marmita 
Era o prato do patrão 
Que sua cerveja preta 
Era o uísque do patrão 
Que seu macacão de zuarte 
Era o terno do patrão 
Que o casebre onde morava 
Era a mansão do patrão 
Que seus dois pés andarilhos 
Eram as rodas do patrão 
Que a dureza do seu dia 
Era a noite do patrão 
Que sua imensa fadiga 
Era amiga do patrão. 

E o operário disse: Não! 
E o operário fez-se forte 
Na sua resolução. 

Como era de se esperar 
As bocas da delação 
Começaram a dizer coisas 
Aos ouvidos do patrão. 
Mas o patrão não queria 
Nenhuma preocupação 
- "Convençam-no" do contrário - 
Disse ele sobre o operário 
E ao dizer isso sorria. 

Dia seguinte, o operário 
Ao sair da construção 
Viu-se súbito cercado 
Dos homens da delação 
E sofreu, por destinado 
Sua primeira agressão. 
Teve seu rosto cuspido 
Teve seu braço quebrado 
Mas quando foi perguntado 
O operário disse: Não! 

Em vão sofrera o operário 
Sua primeira agressão 
Muitas outras se seguiram 
Muitas outras seguirão. 
Porém, por imprescindível 
Ao edifício em construção 
Seu trabalho prosseguia 
E todo o seu sofrimento 
Misturava-se ao cimento 
Da construção que crescia. 

Sentindo que a violência 
Não dobraria o operário 
Um dia tentou o patrão 
Dobrá-lo de modo vário. 
De sorte que o foi levando 
Ao alto da construção 
E num momento de tempo 
Mostrou-lhe toda a região 
E apontando-a ao operário 
Fez-lhe esta declaração: 
- Dar-te-ei todo esse poder 
E a sua satisfação 
Porque a mim me foi entregue 
E dou-o a quem bem quiser. 
Dou-te tempo de lazer 
Dou-te tempo de mulher. 
Portanto, tudo o que vês 
Será teu se me adorares 
E, ainda mais, se abandonares 
O que te faz dizer não. 

Disse, e fitou o operário 
Que olhava e que refletia 
Mas o que via o operário 
O patrão nunca veria. 
O operário via as casas 
E dentro das estruturas 
Via coisas, objetos 
Produtos, manufaturas. 
Via tudo o que fazia 
O lucro do seu patrão 
E em cada coisa que via 
Misteriosamente havia 
A marca de sua mão. 
E o operário disse: Não! 

- Loucura! - gritou o patrão 
Não vês o que te dou eu? 
- Mentira! - disse o operário 
Não podes dar-me o que é meu. 

E um grande silêncio fez-se 
Dentro do seu coração 
Um silêncio de martírios 
Um silêncio de prisão. 
Um silêncio povoado 
De pedidos de perdão 
Um silêncio apavorado 
Com o medo em solidão. 

Um silêncio de torturas 
E gritos de maldição 
Um silêncio de fraturas 
A se arrastarem no chão. 
E o operário ouviu a voz 
De todos os seus irmãos 
Os seus irmãos que morreram 
Por outros que viverão. 
Uma esperança sincera 
Cresceu no seu coração 
E dentro da tarde mansa 
Agigantou-se a razão 
De um homem pobre e esquecido 
Razão porém que fizera 
Em operário construído 
O operário em construção.

Rio de Janeiro, 1959

Em https://www.viniciusdemoraes.com.br

A revolução que ainda borbulha sobre a evolução humana

12.07.22 | Manuel

evolução humana.jpg

Danielle Anderson:

Em Arqueologia, as novas evidências e as suas explicações resultantes vêm confirmar tudo aquilo que os marxistas já sabiam há muito tempo ao explicar a correspondência do materialismo dialético com o mundo natural.

A evolução tem sido um assunto de interesse dos marxistas desde sempre. Engels escreveu bastante sobre esse tópico, viu muitas falhas na teoria original e tampou vários buracos teóricos, por exemplo, nos seus textos sobre o trabalho realizado para criar o cérebro humano moderno, o que foi extensivamente provado pela ciência e pelos registros fósseis desde o tempo de Engels. Ele foi capaz de antecipar todas essas descobertas aplicando o método marxista do materialismo dialético.

As novas evidências fósseis desenterradas em Djebel Irhoud, Marrocos, forçaram os cientistas a repensarem a evolução do homo sapiens. Um dente do maxilar inferior e peças que acompanhavam o funeral foram datadas de 280 mil até 350 mil anos atrás pela termoluminescência e datação por série de urânio, combinados com a espectroscopia de ressonância paramagnética eletrônica. Essas são as mais confiáveis peças datadas de restos de humanos modernos. As conclusões tiradas desses achados são duas: 1) o homo sapiens evoluiu há pelo menos 100 mil anos antes do que era pensado; 2) o homo sapiens evoluiu em vários locais do continente africano, e não em apenas um local.

Os cientistas há muito tentam determinar as fronteiras nítidas entre os vários hominídeos antigos e os primeiros humanos modernos. Com base nas novas evidências, entretanto, tais fronteiras nítidas só podem ser definidas onde existem lacunas no registro fóssil existente. A dialética há muito lançou a ideia do gradualismo. Stephen Jay Gould contribuiu para o entendimento dialético da evolução por meio de sua teoria do equilíbrio pontuado.

Entretanto, ao invés de expandir a contribuição de Gould, os cientistas estão mecanicamente colocando o gradualismo e o equilíbrio pontuado lado a lado como as duas únicas opções!

Ao referir-se às descobertas em Djebel Irhoud, a revista Nature comentou o seguinte: “Em particular, não está claro se a morfologia ‘moderna' atual emergiu rapidamente em aproximadamente 200 mil anos atrás entre vários representantes ou evoluiu gradualmente entre os últimos 400 mil anos”. Os dados estatísticos e morfológicos comparados do homo sapiens encontrado em Djebel Irhoud mostram que eles são quase indistinguíveis dos humanos modernos, com pequenas variantes. Esses dados morfológicos mostram também uma clara diferenciação entre os restos de Djebel Irhoud e os dos neandertais. Isso sugere que estes homo sapiens antigos cruzaram com neandertais ou que eles “representam uma população arcaica, de sobrevivência tardia, no norte da África”.

Os pesquisadores acadêmicos modernos tendem a insistir em uma forma rígida de gradualismo ou em uma simples “ruptura” na linha evolucionária após anos de equilíbrio. Por exemplo, muitos cientistas não acreditam que há evidências suficientes para provar que os neandertais e o homo sapiens cruzaram em Djebel Irhoud, embora outras estudos recentes indicaram que essas “espécies” separadas cruzaram em algum outro local. Acredito que deveríamos colocar em questão como é feita a distinção das “espécies” no registro humano fóssil. Grupos de hominídeos antigos morfologicamente diferentes não significam automaticamente que estamos defronte de espécies inteiramente diferentes em si e incapazes de ter descendentes férteis com outros hominídeos.

A existência de acúmulos quantitativos que experimentam transformações qualitativas em ambos os aspectos, sociais e naturais, não pode ser negada. Entretanto, essa ideia fundamentalmente correta – que longos períodos de inatividade são seguidos por saltos repentinos – pode também ser aplicada de uma maneira mecânica rígida. Isso pode ser visto por meio da falta de suplementação à teoria do equilíbrio pontuado. Os processos na natureza se desenvolvem de maneira fluida, orgânica. A evidência em Djebel Irhoud demonstra a correção de uma análise dialética do desenvolvimento sobre uma análise mecânica rígida.

A Nature explica: “A evolução consiste em dois fenômenos, porém bem separados, de adaptação e diversificação”. A adaptação ocorre temporalmente enquanto os animais se ajustam aos novos e sempre mutantes ambientes. Sob a influência de tais mudanças ambientais, a inclinação dos pontos é alcançada tanto que trazem à vida diferenças psicológicas com consequências revolucionárias.

O melhor exemplo disso é o salto qualitativo na evolução do cérebro humano, que se tornou possível somente pela transição para um ser completamente bípede, o que deixou as nossas mãos livres. Isso, por sua vez, reagiu dialeticamente no nosso cérebro e vice-versa, até que o cérebro e mãos modernos evoluíssem. Infelizmente, as vozes autoritárias como a Nature continuam a falhar em reconhecer o fluxo infinito como prova de que a evolução procede dialeticamente, afirmando: “Esta evidência anatômica e a proximidade cronológica entre estes dois grupos (os primeiros humanos modernos e as formas do médio Plioceno arcaico africano) reforçam a hipótese de uma mudança anatômica rápida ou mesmo, como sugerido por muitos, uma sobreposição cronológica”.

De fato, as evidências mostram que ambas estas conclusões estão corretas! Mudanças anatômicas rápidas podem ser vistas no momento em que os primeiros homo sapiens emergiram nos registros fósseis e coexistiram com outros grupos de hominídeos humanos pré-modernos, possivelmente até mesmo intercruzando.

Uma outra explosiva conclusão tirada dos restos encontrados em Djebel Irhoud é que a evolução dos humanos modernos foi um fenômeno pan-africano. Anteriormente, foi presumido que o homo sapiens evoluiu no leste e no sul da África. Além das evidências encontradas nos registros fósseis, existem também dados ambientais que suportam a ideia de uma migração anterior pelo continente africano. Como a Nature explica, “o deserto do Saara foi imensamente reduzido durante uma série de episódios do tipo ‘Saara verde' do médio Pleistoceno, com um período especialmente marcado, porém curto, de cerca de 330 mil anos atrás. A continuidade biológica entre o leste e o noroeste da África é também suportada por fortes semelhanças de fauna, especialmente para o médio Pleistoceno, o que sugere, pelo menos, uma frequente comunicação entre essas regiões”.

Ambas as evidências, tanto o registro fóssil quanto o ambiental, mostram que os primeiros hominídeos poderiam e de fato migraram por todo o continente africano. Os estudos recentes também sugerem que a migração aconteceu em um ritmo mais rápido nesse período que o presumido anteriormente. Se a sobrevivência de alguns depende da caça e da coleta, a migração para seguir as fontes sazonais de comida faz todo o sentido.

As populações extrativistas eram necessariamente nômades até que o planeta passou por um período de aquecimento extensivo que permitiu aos extrativistas se instalar em assentamentos semipermanentes. Entretanto, o crescimento da população levou a restrições nas fontes de alimentos, o que permitiu e compeliu as pessoas a se estabelecerem em assentamentos permanentes. Isso eventualmente levou a uma revolução na agricultura e ao surgimento das classes e do estado em diferentes continentes, independentes uns dos outros.

A ideia de que o homo sapiens evoluiu por toda o continente africano, e não em uma única região, reavivou o debate entre o modelo de “continuidade multirregional” e o modelo “fora da África”. O modelo de continuidade multirregional começa com a migração do homo erectus para fora do continente africano por toda a Eurásia. Enquanto essa migração ocorria, as populações ficaram geograficamente isoladas umas das outras e, portanto, evoluíram mais rápido. Isso resulta na formação do homo sapiens simultaneamente por todas essas regiões. Entretanto, este modelo não é mais sustentável dadas as evidências dos primeiros humanos modernos encontrados na África.

O modelo fora da África também leva essa conclusão ao seu extremo. Esse modelo postula que o homo sapiens evoluiu completamente na África e depois migrou para a Eurásia, substituindo as outras populações de hominídeos. Mas fica a questão: por que devem existir e/ou quando existem elementos em ambos os modelos que são provados corretos pelo registro fóssil?

As evidências sugerem que o homo sapiens evoluiu em um processo similar ao descrito no modelo de continuidade multirregional, porém concentrado por todo o continente africano. Mais tarde, uma vez que essas populações conseguiram ir para “fora da África”, elas com certeza levaram outros hominídeos à extinção, porém eles podem ter continuado o processo de intercruzamento com os hominídeos que migraram antes.

Tudo isso explica porque Djebel Irhoud agitou o entendimento dos cientistas sobre a evolução humana, pois os fatos põem ainda mais pressão sobre eles para adotar conscientemente uma perspectiva materialista dialética. As implicações disso são: os humanos modernos existiram em congruência com os outros humanos antigos enquanto eram distintamente diferenciados; e existiram em várias regiões por todo o continente africano. As evidências sintetizam duas teorias da evolução humana em uma só.

A complexidade da natureza não está além do conhecimento. Entretanto, compreendê-la depende da capacidade de se interpretar os dados com a flexibilidade que somente a dialética oferece. Conclusões erradas são tiradas quando as evidências são forçadas a se encaixar em expectativas com base em uma visão filosófica pré-ordenada. As evidência devem ditar as conclusões e as lições filosóficas têm extrapolado isso. Esse é o método do materialismo dialético usado pelos marxistas. Por meio dele podemos analisar a ciência, a natureza, a história e a pré-história e desenvolver perspectivas para o futuro.

A existência humana e os relacionamentos desenvolveram-se por meio de processos influenciados por eventos, socialmente baseados em condições materiais e de um meio ambiente mais amplo. O desenvolvimento de nossa espécie não teve uma progressão linear, porém se consistiu em períodos de fluxo e refluxo. O mesmo pode ser visto no desenvolvimento das sociedades, dos meios de produção e da luta de classes. Desenvolvemos nossos impressionantes cérebros, a habilidade para o trabalho, a capacidade de pensamento abstrato e a razão para sobrepujar as restrições materiais de nossos ambientes imediatos.

Atualmente nós temos os meios de produção desenvolvidos a tal ponto que frequentemente sofremos crises crônicas de superprodução, já que o sistema produz “demais” – e mesmo assim milhões morrem de fome e vivem em condições degradantes por todo o mundo. Devemos aprimorar nossa compreensão teórica e aprender com os processos como evoluímos e nos desenvolvemos. Devemos utilizar todo esse conhecimento para lutar e construir uma sociedade que garantirá o longo caminho evolucionário que tomamos como espécie e não um que nos leve a um salto qualitativo para o esquecimento e uma extinção prematura.

http://www.marxismo.org.br/content/a-revolucao-que-ainda-borbulha-sobre-a-evolucao-humana/

 

 

Poemas

07.07.22 | Manuel

 

antonio-maria-lisboa.jpg

POEMA

(Dedicado a Mário Cesariny)


Moveu-se o automóvel – mas não devia mover-se
não devia!

Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:
primeiro um, depois outro e outro:
o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco do terceiro

Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam

Pregões de varina sem peixe
– o peixe morreu ao sair da água
e assim já não é peixe
Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.

*

PROJECTO DE SUCESSÃO

(Dedicado a Mário Henriques)


Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
por-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias!

*

RECUSA

I
É muito possível durante os primeiros meses
uma importante viagem à Ásia - essa
é uma das consequências
secretas
em que não se tomaram quaisquer resoluções finais
e ambas chegaram igualmente.

II
ainda um cu marinho de agonia onde eu
sou um copo de aguardente francesa e tu
uma gaivota que passa rente ao barco que me leva

III
- Eu sou uma coisa qualquer
Eu sou uma qualquer coisa
sou uma qualquer coisa eu
uma qualquer coisa eu sou
qualquer coisa eu sou uma
coisa eu sou uma qualquer
EU NÃO SOU UMA COISA QUALQUER
- eu sou uma cidade
- eu sou ZANONI de Bulwer Lyton
- eu sou uma errata
- onde está a minha vida deve-se ver a nossa vida
- onde está Deus deve-se ver o Diabo
- onde está o Amor deve estar o Grande Amor
Mágico Amor Meu
- onde estou Eu deves estar Tu
- onde estão os lábios da nossa vida HÁ
uma porta secreta minúscula
O-AMOR
MEU AMOR

*

ANTÓNIO MARIA LISBOA:

Nasceu e morreu em Lisboa. Pode ser considerado um dos nossos maiores (se não o maior!) poetas surrealistas. Mas mantém-se o esquecimento. O surrealismo foi, de certa forma, fugaz entre nós. Ficam as palavras de Mário Cezariny, outro dos surrealistas: “Partido da liberdade surrealista, o pensamento poético de António Maria Lisboa aprisionou a ave hierática com que, até hoje, só os asiáticos e certos primitivos tem modulado a chamada vida prática. (Mas não foram os poetas chineses os criadores, há 2062 anos, do jogo poético colectivo «inventado» pelos surrealistas, há dois dias? Os termos da obra de António Maria Lisboa, de um desenvolvimento extra-individual de aferição da Verdade, da Justiça e do Bem, não inquirem, impõem as condições da sua perenidade” (1958).

(Poesia, António Maria Lisboa. Assírio & Alvim, 1995)

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