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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

Brasil: 60 anos depois do golpe, país não aceitou o passado e convive com os legados da ditadura

30.03.24 | Manuel

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Por Carolina Oliveira

As estruturas de segurança pública, as Forças Armadas e o capitalismo nacional cristalizaram-se no período

 

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Militares durante manifestação estudantil contra a ditadura militar – Arquivo Nacional/Ministério da Gestão e Inovação Social

A transição da ditadura civil-militar para a Nova República na década de 1990 pode ter sido um período de revisão do autoritarismo enraizado na sociedade brasileira desde a sua formação. Porém, os traços autoritários, agravados ao longo da ditadura, são legados que o país carrega até hoje.

Por trás da validade destas características, existe uma sociedade e governos que se recusam a aceitar o passado. Recentemente, o presidente da República,  Luiz Inácio Lula da Silva  (PT), afirmou que não pode “insistir sempre” no passado ditatorial, quando questionado sobre o cancelamento da cerimônia dos 60 anos do golpe de 1964, marcada para o 1º Dia de abril deste ano.

“O que não posso é não saber avançar a história, ficar repetindo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil sobre a qual ainda não temos todas as informações, porque ainda há pessoas desaparecidas.” porque há pessoas que podem. Mas, sinceramente, não vou parar por aí e vou tentar fazer esse país avançar”, disse em entrevista ao programa É Notícia da RedeTV! 

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Estudantes e trabalhadores formaram uma das frentes de resistência durante a ditadura / Arquivo Nacional/Correio da Manhã

Ivo Lebauspin, detido e torturado durante a ditadura, afirma que “é um erro não trabalhar  a memória da ditadura”. “Há uma narrativa de que é melhor reconciliar-se com o passado e esquecer o que aconteceu. Isso é impossível sem saber o que realmente aconteceu”, afirma o sociólogo.

“Algumas pessoas pensam que para avançar a nível político é necessário varrer estas coisas para debaixo do tapete, atirar uma pedra ao passado, avançar e chegar a acordos. Isso já foi feito. Isso já é feito há muito tempo. “Desde o fim da ditadura militar, a ditadura militar não foi analisada, nada foi julgado, nada foi feito”, argumenta.

Lebauspin associa, por exemplo, a presença militar na  tentativa golpista  de manter Jair Bolsonaro (PL) na Presidência como resquício da intervenção militar. “Tem tudo a ver com não lembrar da ditadura e não julgar. Na Alemanha há um esforço monumental para lembrar sempre tudo o que aconteceu. Existem museus do Holocausto em vários lugares e as pessoas sabem o que aconteceu. Houve julgamento, os fatos foram analisados ​​e julgados. Isso não aconteceu aqui.

Na mesma linha, o professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Aarão Reis Filho, afirma que lembra de “líderes de partidos progressistas, como Tancredo Neves em 1985, convocando para não olhar para trás - Veja o espelhe, mas olhe para frente e não se preocupe com as feridas.” Isso mostra que o Brasil “dedicou pouca atenção à reflexão sobre a  estrutura do Estado  criada durante a ditadura e suas políticas”.

Forças Armadas 

Com isso, os traços autoritários não só do período da ditadura militar, mas de outros governos, como o Estado Novo de Getúlio Vargas e o período da escravidão, continuam presentes na sociedade brasileira. Entre esses legados, o professor elenca a autonomia das  Forças Armadas. “Eles são um verdadeiro Estado dentro do Estado. Possuem estrutura educacional própria e justiça específica. Isto tem permitido às Forças Armadas cultivar ideologias cada vez mais anacrónicas, mas muito válidas dentro das Forças Armadas.” 

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Estudantes detidos no Congresso da UNE em Ibiúna em 1968 / Arquivo Público do Estado de São Paulo

O professor explica que só depois do governo de Dilma Rousseff (PT) – e ainda de forma tímida – foram feitos esforços para rever essa estrutura militar, principalmente com a criação da  Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 18 de novembro de 2011. Aarão afirma que “houve uma espécie de pacto: a gente não mexe com você, você não mexe com a gente. Este pacto com a esperança ilusória de que, com o tempo, as feridas cicatrizariam.”

Um ano após o encerramento da comissão, ocorrido em 2014, o pesquisador e membro da CNV, Lucas Figueiredo, afirmou que o relatório final de 4.328 páginas era “muito fraco”.

“O pai da criança é Tancredo (Neves), que diz abertamente que não vai investigar. (José) Sarney chegou vendido porque estava muito fraco, dependia dos militares. Então Collor e Itamar fecham os olhos. FHC e Lula “Fazer com que o Sindicato combata a abertura de processos na Justiça, que é uma posição mais grave. E você tem  a Dilma, que é absolutamente passiva, porque as Forças Armadas mentiram descaradamente para ela durante a CNV e ela não fez nada”, disse em entrevista, com a BBC na época. 

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Soldados nas ruas durante o período ditatorial / Memórias da Ditadura

Soma-se a essa passividade por parte dos sucessivos governos a articulação da extrema direita dentro dos quartéis, que ganhou espaço principalmente após a ditadura militar. O professor Daniel Aarão Reis Filho afirma que a tendência de extrema direita entre os militares “é muito forte”. “Nada nos diz que esta tendência foi neutralizada.” 

“Houve um esforço geral para transformar as Forças Armadas brasileiras, que eram plurais, em verdadeiros monólitos. As escolas militares continuam a intoxicar-se com a Guerra Fria, com teorias anticomunistas que continuam a alimentar que os militares são os donos da civilidade e os salvadores da humanidade”, os guardiões da República. Criaram um  sistema educacional extremamente unificado e monolítico, sem pluralismo e sem culto à legalidade. Esse é um dos legados da ditadura extremamente prejudicial à democracia”, afirma o professor da UFF. 

Capitalismo 

Outro legado que o professor elenca é o processo de desigualdades sociais e regionais. “A ditadura empurrou  o capitalismo brasileiro  para um patamar superior. Ao contrário da ditadura argentina, que empurrou para baixo o capitalismo argentino, aqui no Brasil o capitalismo deu um salto, mas à custa da desigualdade social.” 

Ao longo da ditadura houve uma aproximação entre a burguesia industrial e agrária, somada à participação do capital estrangeiro na economia, seguida da  dependência econômica  dos países hegemônicos. Neste cenário, o Estado agiu para garantir as reivindicações e os lucros das elites em detrimento dos direitos da classe trabalhadora, aumentando a desigualdade económica.

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Repressão policial aos trabalhadores que se manifestaram no ABC São Paulo durante a greve de 1979 / Arquivo Público do Estado de São Paulo

As perdas para a classe trabalhadora foram percebidas na diminuição dos salários; na perda de terras dos trabalhadores rurais devido ao aumento dos latifúndios; e repressão. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o  salário mínimo caiu  cerca de 40% entre 1964 e 1974, passando de R$ 2.142 para R$ 1.247, corrigido pela inflação e pelas diferentes moedas que o Brasil teve ao longo do ano. anos, ao longo do século. décadas. 

Para o professor da UFF, desde então o Brasil não conseguiu “reverter radicalmente o curso das desigualdades sociais”.

“O capitalismo brasileiro continua fundamentalmente no padrão do modelo criado pela ditadura, na hegemonia do capital financeiro, que continua absorvendo nossas riquezas através dos interesses da  dívida pública. Metade do orçamento brasileiro vai para o pagamento de juros. “Sobre a dívida pública. Há um processo de hegemonia do chamado mercado, fundamentalmente especulativo, que não se destaca pelos investimentos produtivos, e essa hegemonia foi estabelecida durante a ditadura”, afirma.

Segurança Pública 

Entre outros legados, o professor cita a questão da segurança. “Sempre tivemos uma tradição aqui no Brasil de que a polícia, em vez de proteger os cidadãos, os reprime. Este esquema, que remonta a antes da ditadura, foi fortemente fortalecido durante ela e mantido posteriormente. Há  autonomia da Polícia Militar, a criação desses batalhões de operações de choque, o famigerado BOPES [Batalhão de Operações Especiais de Polícia], que continuam barbarizando as populações mais pobres”, afirma.

Na mesma linha, Rodrigo Lentz, advogado, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisas, afirma que a segurança pública no país revela “a manutenção do terrorismo de Estado, em cooperação entre o Estado Ministério, Judiciário e Forças de Segurança, num amplo processo de criação de um  crime de terror  na periferia brasileira.”

Este processo implica que “a Polícia Militar atua de forma totalmente ilegal e viola sistematicamente os direitos humanos de um determinado grupo social, onde a democracia não chegou do ponto de vista das liberdades democráticas e das garantias individuais”.

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María de Belém Souto, no funeral do filho, o estudante Edson Luís, assassinado pela ditadura militar / Arquivo Nacional/Correio da Manhã

A pesquisadora sustenta que  registros de torturas, execuções sumárias, detenções arbitrárias ou falsificação de situações criminais como atos de legítima defesa têm legitimidade quando há execução pelo próprio Estado. “Tudo isso é um registro da nossa República. A tortura como mecanismo institucional, sobretudo, foi implementada durante a ditadura do Estado Novo, no governo Vargas.” 

“A política de extermínio como política de segurança pública começou na década de 1950, quando Amaury Kruel era chefe do Departamento de Polícia da Capital Federal. Eram práticas que já existiam antes, foram mantidas durante a ditadura e hoje”, afirma. 

Lentz ainda relaciona essa história violenta e autoritária com o que acontece  hoje na Baixada Santista  com a Operação Escudo, que matou 45 pessoas em 36 dias, entre 7 de fevereiro e 14 de março. “Há uma legitimação social, uma produção de consenso, que leva a sociedade a legitimar este tipo de práticas”, afirma.

O próprio governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicano), declarou que  “não se importa” com as acusações de letalidade policial que foram feitas perante as Nações Unidas. Em 2023, a primeira fase da Operação Escudo matou 28 pessoas entre 28 de julho e 5 de setembro, em resposta à morte de um policial da Rota. A segunda fase da operação matou uma pessoa a cada 19,2 horas.

Democracia de baixa intensidade 

Diante desta situação permeada por legados autoritários, é necessário questionar se o regime político brasileiro se constitui como uma democracia. “Nenhuma sociedade sai ilesa de 20 anos de regime autoritário, considerando toda a formação histórica brasileira. Algumas coisas estruturam o governo, o estado e a sociedade”, diz Lentz.

O pesquisador sustenta que o Brasil está “longe” da  ideia de democracia  no sentido etimológico da palavra, como governo do povo. “Está muito longe do que vivemos nas democracias liberais pluralistas, onde o Brasil se enquadra melhor, que são democracias governadas por elites, com competição eleitoral, com sistema de Estado sujeito a regras eleitorais majoritárias e com garantias de algumas liberdades individuais de forma seletiva”.

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Civil detido por militares em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, em 1º de abril de 1964 / Arquivo Nacional/Correio da Manhã

A ideia de “democracia de baixa intensidade”, criada pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, parece se adequar ao caso brasileiro, segundo o pesquisador. “A democracia de baixa intensidade é caracterizada, sobretudo, pela baixa participação social. É uma democracia representativa, mas não tem participação social e por isso tem baixa legitimidade”, afirma. “Quanto menor for a  participação social  nas instituições e na tomada de decisões do Estado, menor será o alcance das políticas desta democracia entre a sua população.” 

O investigador destaca ainda que esta situação gera uma espécie de “desencanto social e legitimação de soluções e soluções autoritárias”, que exige urgentemente uma mudança estrutural. “Não diria que vivemos num regime autoritário, mas também vivemos numa democracia muito precária e selectiva. Esta é uma das razões pelas quais hoje está permanentemente ameaçada pela  extrema direita.” 

Pesquisa Datafolha de dezembro do ano passado mostrou que aumentou o número de pessoas que dizem que não importa se o país é uma democracia ou uma ditadura. Em outubro de 2022, o percentual era de 11% entre os entrevistados. No ano passado, aumentou para 15%. O número de entrevistados que consideram um regime ditatorial aceitável em determinadas circunstâncias também aumentou: de 5% para 7%. 

Edição: Matheus Alves de Almeida

Resumen Latino Americano

A Revisão da História: Terá Existido Fascismo em Portugal?

26.03.24 | Manuel

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 Fascismo? Estado Novo? Terceira Via? Ou será que o Regime, vigente em Portugal desde 1933-74, foi simplesmente democrático, e o conceito fascista é incompatível, indissociável, e não passa de uma esquizofrenia colectiva?

A questão "será que houve fascismo em Portugal?" está muito em voga no meio universitário, nomeadamente, na Universidade de Coimbra.

Dispensando os argumentos retóricos, os ilustres doutores, chegam à seguinte conclusão: em primeiro lugar, o regime vigente em Portugal desde, sensivelmente, 1933 a 1974, denomina-se Estado Novo ou Terceira Via (relativamente ao capitalismo e ao comunismo).

Relativamente ao conceito “Fascismo”, a relutância na sua utilização é evidente. Por conseguinte, atrevo-me a afirmar que, unanimemente, atribui-se a denominação exclusivamente ao caso italiano. Ouvindo alegações do tipo: os autores que enfrentam directamente o assunto são unânimes em afirmar que a denominação fascista não se aplica ao caso português, apenas devemos considerar o fascismo italiano como tal; outros, como o Fernando Rosas, não abordam directamente o problema; por fim, não existe uma posição consistente, clara, de um número de historiadores que afirmem e sustentem o contrário.

Porém, a polémica na utilização do conceito é-me incompreensível. Se considerámos que em Portugal houve Feudalismo, Renascimento, Humanismo (estes dois últimos, muito incipientes, relativamente ao caso italiano) …, não compreendo a não aceitação do conceito, no caso português (ou talvez compreenda, tendo em consideração de que se trata de um período «quente», onde muitos envolvidos estão vivos, daí a necessidade de branquear a história para limpar o bom nome das famílias e salvaguardar as actuais posições profissionais, sociais e políticas dos mesmos).

Eu, enquanto cidadã, até compreendo a posição daqueles historiadores, que são da opinião (e, obviamente, constroem grandes teses corroboradas e bem sustentadas sobre a respectiva posição) da não existência de fascismo em Portugal. Não admira, vivendo actualmente o hipotético fim do refluxo da Revolução dos Cravos, há uma extrema necessidade de limpar o bom nome dos novos democratas reciclados: um Adriano Moreira – “ um pilar na democracia portuguesa”; um Veiga Simão, aquele que foi ministro da Educação e mandou os gorilas para as universidades, nas quais os alunos faziam os exames com G3 apontadas à cabeça, em momentos acesos de luta estudantil; um Pinto Balsemão ou um Sá Carneiro (estes provenientes do hall de entrada do fascismo) enfim um inúmero número de personalidades, nomeadamente a nata da sociedade portuguesa (já para não falar de muitos anónimos, hoje em dia, estimados democratas, encaixados por vezes num PS, que foram PIDES e Bufos, alguns actualmente professores universitários, por favor não vale a pena nomear nomes porque pode ferir algumas susceptibilidades).

Eu entendo perfeitamente a opinião dos historiadores que abordam frontalmente o assunto. Mas, há um facto muito importante, e esse não pode ser escamoteado, é a Memória de todos aqueles que viveram durante o regime, memórias traumáticas, de guerra, de fome, de miséria, de pobreza muito generalizada entre o povo, de falta de Liberdade, de um enorme analfabetismo, de uma arbitrariedade judicial gigantesca…E, enquanto os cidadãos, que pertenceram à realidade histórica, continuarem vivos e as suas histórias passarem na oralidade, é extremamente difícil contornarem e deturparem a história. Peço desculpa, mas este assunto ainda é muito sentido e difícil para todos aqueles que viveram durante a ditadura.

Enquanto aluna de história, interpreto esta teoria com alguma tristeza, porque entendo-a como um puro revisionismo, uma tentativa clara e aberta de branquear a História. Agora questiono-me, onde é que está a tal objectividade? O distanciamento do sujeito com o objecto de análise? A transparência, o não ocultar os acontecimentos históricos? Uma tentativa e procura de uma história total, sem omissão dos factos, das vivências da população portuguesa da época em questão?

E, sabem o que é que mais me entristece? É só ouvir nas aulas os programas políticos, as constituições, toda a ideologia que envolve o Estado Novo e nunca, mas nunca ouvir o impacto que todas as medidas, promulgadas pelo o regime, tiveram na vida dos cidadãos. Ás vezes, até parece que o Estado Novo foi o paraíso, sinónimo de bem-estar e qualidade de vida para todos os portugueses.

Não querendo fazer uma abordagem histórica e científica do assunto, entendo que o regime foi de cariz fascista.

Como qualquer sistema político, há adaptações à realidade socioeconómica de cada país. Vejamos bem. Actualmente, os países europeus, como uma Alemanha, uma França, uma Inglaterra, têm regimes democráticos. No entanto, o primeiro é parlamentarista, o segundo é semi-presidencialista e a Inglaterra é uma monarquia (constitucional e parlamentarista) e os dois primeiros são repúblicas. Se alegarmos que o fascismo só existiu na Itália, por conseguinte podemos ser falaciosos e dizer que não existe nenhum país que viva em Democracia, pois ela surgiu na Grécia Antiga, com uma estrutura institucional própria e uma «ideologia» peculiar (muito distinta das actuais).

Se analisarmos a base ideológica do fascismo (apesar do conceito “ideológico” não ser o mais correcto, porque tal regime é conduzido para a praxis , esta limita-se a um pequeno número de princípios que dizem respeito à acção, como um factor de mobilização de massas), podemos verificar algumas semelhanças:

A necessidade de um Império – no caso português, não houve a necessidade de conquistar porque havia um vasto Império, não houve conquista mas, numa altura de descolonização, já há muito iniciada pelos países europeus, nós resistimos belicamente pela permanência do mesmo - «Portugal vai do Minho a Timor»; a função histórica de possuir e colonizar os domínios ultramarinos e de civilizar as «populações indígenas» (superioridade da raça branca);

A não existência de partidos políticos, a sua existência era fictícia (partido único), basta lembrarmos as eleições de 1958, culminando com a perseguição e assassinato do General Humberto Delgado;

A organização totalitária do Estado e da Sociedade, a procura de controlar tudo e perseguir aqueles que almejavam liberdade de expressão e condições de trabalho minimamente humanas;

A mística da Nação, do chefe carismático: «Tudo pela Nação, nada fora da Nação, nada contra a Nação»;

As tendências autoritárias antiparlamentares e anti-socialistas - a recusa do liberalismo democrático, cito apenas duas expressões do artigo 8º do Título II, os «direitos e garantias individuais dos cidadãos portugueses», nomeadamente as «liberdades fundamentais», embora sujeitas à regulamentação de «leis especiais»;

«Um Estado com uma doutrina totalitária», visando a conquista e vinculação a uma moral dominante, através de uma forte orientação ideológica do ensino e de um enquadramento ideológico da juventude (quer na Mocidade Portuguesa, quer na Legião portuguesa), da família, do trabalho (FNAT) e da cultura, no quadro da organização corporativa;

Nacionalista, corporativo e autoritário, o Estado Novo instituiu mecanismos de repressão, nomeadamente a censura à imprensa, à rádio, ao cinema, ao teatro, à literatura, e sobretudo, uma polícia política PIDE-DGS; o recurso sistemático à coacção, à tortura, à prisão preventiva, à violação da correspondência e ás escutas telefónicas, bem como à prisão por tempo indefinido, de opositores ao regime, procuravam impedir as ideias subversivas, nomeadamente as comunistas;

A criação de prisões, como o Tarrafal, Peniche, para torturar os presos, na sua maioria, considerados perniciosos para o regime, cuja ideologia era diferente do fascismo;

A existência do Secretariado de Propaganda Nacional, para doutrinar a população, na sua maioria analfabeta, sem consciência política.

A emergência de um regime fascista não pode ser encarada como um fenómeno puramente italiano, e, sobretudo, como uma “ideologia” nascente na década de 20, do século passado. Temos de ter em consideração as teorias filosóficas da Modernidade, que conduzem para um Super-homem, para um Estado totalitário; a acção de grandes Homens, como condutores da História; a emergência dos nacionalismos do séc. XIX, com as consequências psicológicas colectivas, geográficas, políticas, económicas e sociais da 1ª Guerra Mundial; no caso português, a experiência “sanguinolenta” e de instabilidade da 1ª República, o estado deficitário das finanças; as influências literárias que tiveram um Mourras e um Émile Demolins na formação intelectual de Salazar (protótipo de um intelectual, conservador e católico da época).

Por muito que se esforcem os revisionistas da história, o fascismo existiu em Portugal dêem-lhe o nome que quiserem.

Coimbra, 21 Janeiro 2005

Marlene Matos

Em www.osbarbraos.org

Onde param os arquivos de fronteira da PIDE?

22.03.24 | Manuel

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 Um jornal de referência do sistema questionava, há alguns dias, onde se encontrariam os ficheiros de fronteira da PIDE, acusando o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) pelo desconhecimento do seu paradeiro. Estes arquivos não deixam de ter importância na medida em que registam todo o movimento nas fronteiras portuguesas, quer na metrópole quer nas antigas colónias, durante todo o tempo da ditadura fascista, e que deveriam estar à guarda da Torre do Tombo.

Mais tarde o SEF veio justificar-se dizendo que tem microfilmados os arquivos da PIDE desde 1966. E antes dessa data, onde estão? Contudo, aquele organismo, que substituiu a Guarda Fiscal no controlo das fronteiras a partir de 1986, não esclarece sobre a documentação anterior a 1966 e que estará reunida em mais de 200 caixas, volume demasiadamente grande para se poder extraviar assim tão facilmente.

Esta história do paradeiro dos arquivos da PIDE fazem-nos lembrar uma outra história recente, e um pouco semelhante a esta e que depressa caiu no esquecimento do público, que foi a da lista de “contactos” da Legião Portuguesa que se encontrava na posse da Maçonaria. Os partidos reagiram mal à divulgação do facto pela simples razão de esses “contactos” serem bufos da PIDE, muitos detendo um estatuto social e ainda bem colocados na administração pública e até em partidos do poder. Não foi por acaso que o livro de Nuno Vasco, “Vigiados e Perseguidos”, que arrolava o nome dos pides, teve uma tiragem modesta e as sobras foram entretanto destruídas.

Nos últimos anos, trabalhavam para a polícia política do fascismo cerca de 15 mil informadores que, por razões ideológicas, a troco de dinheiro ou simplesmente por inimizade pessoal ou vingança, denunciavam colegas de trabalho, vizinhos, amigos. E muitos desses bufos tinham geralmente estatuto social elevado, condição indispensável para serem úteis na vigilância dos movimentos oposicionistas dos anos 60 e 70, que tiveram a universidade como palco privilegiado.

Ora, os ficheiros, que agora ninguém conhece o seu paradeiro, englobam o período da Segunda Guerra Mundial, contendo informações importantes sobre o movimento de refugiados pelo nosso país durante aquele período, nomeadamente, o movimento de refugiados judeus que passaram por Portugal a caminho das Américas e que Salazar não desejava que por cá ficassem. Quem terá colaborado com a PIDE na denúncia e no escorraçar dos judeus? Eis, muito provavelmente, a razão, ou pelo menos uma delas, pelo misterioso “desaparecimento” dos ficheiros?

Toda a gente sabe que alguns partidos não viram com bons olhos – e contra isso se opuseram – a divulgação da identidade dos bufos da PIDE que, segundo algumas fontes, deveriam ascender a mais de 50 mil, contando com os bufos que não eram remunerados, porque era incómodo, poderia estragar a reputação de muitos bons democratas de undécima hora e desejavam, também, utilizá-los em proveito próprio, nem que fosse para a chantagem contra adversários. Os partidos que tomaram o poder após o 25 de Abril são os principais responsáveis por esta história mal contada dos ficheiros da polícia política de Salazar e, na globalidade, pelo branqueamento do regime que prendeu, torturou e matou, mantendo o povo português na miséria e na ignorância, durante quase meio século.

Imagem: Agostinho Tienza e Pereira de Carvalho (à direita), o considerado “cérebro” da PIDE, responsável pelos serviços de informação daquela polícia que ele próprio reorganizou na década de sessenta. Foto de José Tavares, Março de 1981, mostrando a entrada dos dois pides no tribunal Militar de Santa Clara, largo da Feira da Ladra em Lisboa, durante o longo e absolvente julgamento de Humberto Delgado.

Fonte: Público, 04 maio 2007

Artigo escrito em “Os Bárbaros”, 07 de Maio 2007

A guerra civil em França (1818-1883)

18.03.24 | Manuel

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Karl Marx

A Comuna teve de reconhecer, desde o primeiro momento, que a classe operária ao chegar ao poder não pode continuar governando com a velha máquina do Estado; que para não perder de novo a sua dominação recém-conquistada, a classe operária deve, de um lado, abandonar toda a velha máquina repressiva até então utilizada contra ela e, de outro, prevenir-se contra os seus próprios mandatários e funcionários, declarando-os demissíveis, a qualquer tempo e sem exceção. Em que consistia a particularidade característica do Estado até então? Originariamente, por meio da simples divisão do trabalho, a sociedade criou os órgãos especiais destinados a defender os seus interesses comuns. Mas, com o tempo, esses órgãos, a cuja frente figurava o poder estatal, converteram-se, à medida que defendiam os seus próprios interesses específicos, de servidores da sociedade em seus senhores. Isso pode ser visto, por exemplo, não só nas monarquias hereditárias, mas também nas repúblicas democráticas. Não há nenhum país em que os “políticos” formem um setor mais poderoso e mais desligado da nação do que a América do Norte.

Aí, cada um dos dois grandes partidos que se alternam no governo é, por sua vez, governado por pessoas que fazem da política um negócio, que especulam com as cadeiras de deputados nas assembléias legislativas da União e dos diferentes Estados federados, ou que vivem da agitação em favor de seu partido e são retribuídos com cargos quando eles triunfam. É sabido que os norte-americanos se esforçam, há trinta anos, para libertar-se desse jugo, que chegou a ser insuportável, e que, apesar de tudo, se afundam cada vez mais nesse pântano de corrupção. E é precisamente na América do Norte onde melhor podemos ver como avança essa independização do Estado em face da sociedade, da qual originariamente devia ser um simples instrumento. Não existe aqui dinastia, nem nobreza, sem exército permanente — com exceção de alguns soldados que montam guarda contra os índios —, nem burocracia com cargos permanentes ou direitos de aposentadoria. E, entretanto, encontramo-nos na América do Norte com duas grandes quadrilhas de especuladores políticos que alternadamente se apossam do poder estatal e o exploram pelos meios e para os fins mais corruptos; e a nação é impotente diante desses dois grandes consórcios de políticos, seus pretensos servidores mas que, em realidade, a dominam e a saqueiam.

Contra essa transformação do Estado e dos órgãos estatais de servidores da sociedade em seus senhores, inevitável em todos os Estados anteriores, empregou a Comuna dois remédios infalíveis. Em primeiro lugar, preencheu todos os cargos administrativos, judiciais e do magistério através de eleições, mediante o sufrágio universal, concedendo aos eleitores o direito de revogar a qualquer momento o mandato concedido.

Em segundo lugar, todos os funcionários, graduados ou modestos, eram retribuídos como os demais trabalhadores. O salário mais alto pago pela Comuna era de 6 mil francos. Punha-se desse modo uma barreira eficaz ao arrivismo e à caça aos altos empregos, e isso sem falar nos mandatos imperativos dos delegados aos corpos representativos, que a Comuna igualmente introduziu.

No capítulo terceiro de A Guerra Civil descreve-se detalhadamente esse trabalho orientado no sentido de abolir violentamente o velho poder estatal e substitui-lo por outro, novo e verdadeiramente democrático. Contudo, é indispensável examinar aqui brevemente alguns dos aspectos dessa substituição por ser precisamente a Alemanha um país em que a fé supersticiosa no Estado se transplantou do campo filosófico para a consciência comum da burguesia e mesmo de numerosos operários. Segundo a concepção filosófica, o Estado é a “realização da Idéia” ou seja, traduzido em linguagem filosófica, o reino de Deus sobre a terra, o terreno em que se tornam ou devem tomar-se realidade a eterna verdade e a eterna justiça. Surge daí uma veneração supersticiosa do Estado e de tudo o que com ele se relaciona, veneração supersticiosa que se vai implantando na consciência com tanto maior facilidade quando as pessoas se habituam, desde a infância, a pensar que os assuntos e interesses comuns a toda a sociedade não podem ser regulados nem defendidos senão como tem sido feito até então, isto é, por meio do Estado e de seus bem pagos funcionários. E já se crê ter sido dado um passo enormemente audaz ao libertar-se da fé na monarquia hereditária e manifestar entusiasmo pela República democrática. Em realidade, o Estado não é mais do que uma máquina para a opressão de uma classe por outra, tanto na República democrática como sob a monarquia; e, no melhor dos casos, um mal que se transmite hereditariamente ao proletariado triunfante em sua luta pela dominação de classe. Como fez a Comuna, o proletariado vitorioso não pode deixar de amputar imediatamente, na medida do possível, os aspectos mais nocivos desse mal, até que uma futura geração, formada em circunstâncias sociais novas e livres, possa desfazer-se de todo desse velho traste do Estado.

Ultimamente, as palavras “ditadura do proletariado” voltaram a despertar sagrado terror ao filisteu social-democrata. Pois bem, senhores, quereis saber que face tem essa ditadura? Olhai para a Comuna de Paris: eis aí a ditadura do proletariado!

Ver texto completo

Imagem: Comícios populares na Comuna de Paris in Illustration Française, 1871, p. 280

Encobrimento de extensos crimes de guerra: 56º aniversário do massacre de My Lai

15.03.24 | Manuel

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Por Gary G. Kohls

Este artigo de Gary Kohls foi publicado pela primeira vez em 15 de março de 2008 para comemorar o 40º aniversário de My Lai  

Esta semana, no auge do genocídio Israel-EUA, comemoramos o 56º aniversário do Massacre de My Lai, em 15 de março de 1968. 

Desde a Segunda Guerra Mundial, o ataque a civis inocentes tornou-se o esteio das atrocidades dos EUA. Lembre-se do General Curtis Lemay: 

“Depois de destruir as 78 cidades da Coreia do Norte e milhares de suas aldeias, e matar um número incontável de seus civis, o [General] LeMay observou:

“Durante um período de cerca de três anos, matamos – o quê – vinte por cento da população.” 

Acredita-se agora que a população a norte do Paralelo 38 imposto perdeu quase um terço da sua população de 8 a 9 milhões de pessoas durante a guerra “quente” de 37 meses, 1950 – 1953, talvez uma percentagem sem precedentes de mortalidade sofrida por uma nação. devido à beligerância de outro.” (Brian Wilson)

Sem excepção, todas as guerras EUA-NATO tiveram como alvo civis, em derrogação do Direito Internacional. É o que você chama de “Responsabilidade de Proteger” (R2P) …

Michel Chossudovsky. Global Research, 10 de Março, 2024

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O Massacre de My Lai - Encobrimento de extensos crimes de guerra

por Dr.Gary G. Kohls

Esta semana, há cinquenta e seis anos, em 16 de março de 1968, uma companhia de soldados de combate do Exército dos EUA da Divisão América invadiu o vilarejo sul-vietnamita de My Lai, prendeu mais de 500 residentes desarmados e não combatentes, todas mulheres, crianças, bebês e alguns velhos, e os executou a sangue frio, ao estilo nazista. Nenhuma arma foi encontrada na aldeia e toda a operação durou apenas 4 horas.

Embora tenha havido uma tentativa séria de encobrir esta operação (que envolveu um jovem major do Exército dos EUA chamado Colin Powell), aqueles que orquestraram ou participaram nesta atrocidade “business-as-usual” na zona de guerra não negaram os detalhes do massacre quando o caso foi a julgamento, vários anos depois. Mas a história chegou aos meios de comunicação ocidentais, graças a algumas testemunhas oculares corajosas, cujas consciências ainda estavam intactas. Um julgamento conjugal do Exército acabou sendo realizado contra um punhado de soldados, incluindo o tenente William Calley e o comandante da Companhia C, Ernest Medina.

De acordo com muitos dos soldados da Companhia C, Medina ordenou a morte de “todos os seres vivos em My Lai”, incluindo, obviamente, não-combatentes inocentes – homens, mulheres, crianças e até animais de quinta. O tenente Calley foi acusado do assassinato de 109 civis. Na sua declaração de defesa, ele afirmou que tinha sido ensinado a odiar todos os vietnamitas, até mesmo as crianças, que, segundo lhe disseram, “eram muito boas a plantar minas”.

A ocorrência de um massacre foi confirmada por muitos soldados de Medina e registada por fotógrafos, mas o Exército ainda tentou encobri-lo. Os casos foram julgados em tribunais militares com júris de oficiais do Exército, que eventualmente retiraram as acusações contra todos os réus (exceto Calley) ou os absolveram. Medina e todos os outros que estavam entre os soldados assassinos naquele dia foram libertados, e apenas Calley foi condenado pelos assassinatos de “pelo menos 20 civis”. Ele foi condenado à prisão perpétua por seu crime de guerra, mas, sob pressão de americanos patrióticos pró-guerra, o presidente Nixon o perdoou semanas após o veredicto.

O julgamento despertou muito interesse porque ocorreu durante o crescente clamor de milhões de americanos contra a infame guerra não declarada que foi reconhecida por muitos observadores como uma “atrocidade esmagadora”. Os americanos éticos estavam fartos da matança. No entanto, 79% dos entrevistados opuseram-se veementemente à condenação de Calley, alguns grupos de veteranos até expressaram a opinião de que em vez de condenação, ele e os seus camaradas deveriam ter recebido medalhas de honra por matarem “Comunistas”.

Tal como as atrocidades dos campos de extermínio da Segunda Guerra Mundial, as realidades de My Lai merecem ser revisitadas para que isso aconteça “nunca mais”. A Guerra do Vietnã foi uma época dolorosa para os americanos conscienciosos por causa das inúmeras questões morais que cercaram o massacre em uma guerra que matou inutilmente 58.000 soldados americanos, causou a morte espiritual de milhões de pessoas, matou 3 milhões de vietnamitas (a maioria civis) e traumatizou psicologicamente incontáveis outros em ambos os lados do conflito.

É claro que a Guerra do Vietname foi mil vezes pior para as pessoas inocentes daquela terra condenada do que para os soldados. O povo vietnamita foi vítima de um exército de jovens brutais de um país estrangeiro que foram ensinados que os “pequenos povos amarelos” eram subumanos lamentáveis ​​e mereciam ser mortos – com alguns soldados preferindo infligir a tortura primeiro. “Matar ou morrer” é uma realidade que constitui procedimento operacional padrão para unidades militares de combate de todas as nações, de todas as épocas e de todas as ideologias.

Veteranos do Vietname dizem-me que houve dezenas, talvez centenas, de “massacres do tipo My Lai” durante aquela guerra. Não é de surpreender que o Pentágono se recuse a reconhecer essa verdade. Os assassinatos em estilo de execução de “potenciais” simpatizantes do Viet Cong (isto é, qualquer pessoa que não fosse um apoiante militar dos EUA) eram comuns. Muitas unidades de combate “não fizeram prisioneiros” (um eufemismo para assassinar cativos, em vez de terem de seguir as incómodas Convenções de Genebra, que exigem tratamento humano para os prisioneiros de guerra). A única coisa incomum sobre o Massacre de My Lai foi que ele acabou sendo descoberto. A tentativa de encobrimento do Pentágono falhou, mas a justiça ainda não foi feita.

Muito poucos soldados ou os seus comandantes foram alguma vez punidos pelos muitos crimes de guerra que ocorreram durante essa guerra porque os responsáveis ​​sabiam que matar (e torturar) civis inocentes durante o tempo de guerra é simplesmente a norma – desculpada como “dano colateral”. ” Afinal de contas, como proclamou mais tarde o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, de forma infame, “coisas acontecem”.

A tortura foi agradável para alguns – por algum tempo (veja-se Auschwitz ontem e Abu Graib e a Baía de Guantánamo hoje). E as guerras são lucrativas para muitos – e ainda o são (veja-se a família Krupp da infâmia da era nazi e os Halliburton, os mercenários da Blackwater, e outros hoje).

Toda a questão da justificação da guerra, com as suas atrocidades inerentes , nunca parece ser examinada minuciosamente numa atmosfera de abertura e honestidade histórica. A plena compreensão das realidades da guerra e das suas consequências espirituais, psicológicas e económicas para as vítimas raramente é tentada. Se nós, que não somos soldados, alguma vez experimentássemos verdadeiramente os horrores do combate, o esforço para abolir a guerra seria subitamente uma prioridade máxima (talvez até para a actual colheita de fomentadores da guerra “Chicken Hawk” na Administração Bush).

Se realmente soubéssemos as horríveis realidades da guerra (ou mesmo entendêssemos a imoralidade de gastar biliões de dólares na preparação para a guerra enquanto centenas de milhões de pessoas estão desabrigadas e famintas), recusaríamos cooperar com as coisas que contribuem para a guerra. Mas isso não seria bom para os aproveitadores da guerra. Portanto, esses “comerciantes da morte” devem esconder as verdades horríveis e, em vez disso, tentar fazer com que a guerra pareça patriótica e honrosa, com slogans como “Seja tudo o que puder ser”. Ou podem tentar convencer as mães de soldados condenados, mortos ou moribundos, que em breve ficarão sem filhos, de que os seus filhos morreram a lutar por Deus, pela Pátria e pela Honra, em vez do domínio das reservas de petróleo do Médio Oriente.

Vamos encarar. O sistema militar permanente dos EUA tem levado a América à falência em mais de 500 mil milhões de dólares, ano após ano – mesmo em tempos de chamada “paz”. O legado belicista do Pentágono ainda está connosco, especialmente entre os “patriotas”, incluindo o candidato presidencial do Partido Republicano, John McCain, que queria “detonar os gooks” no Vietname. Uma multidão de decisores políticos não eleitos desse tipo ainda estão no comando da política externa dos EUA hoje, e têm solidificado o seu poder para continuar o militarismo ilegítimo, inacessível e insustentável da América com os enormes lucros obtidos com as mortes, gritos, sangue , coragem e incapacidades permanentes daqueles soldados de capuz que foram informados de que estavam a “salvar o mundo para a democracia”, quando na verdade estavam a tornar o mundo seguro para o capitalismo explorador e lucros obscenos para poucos. E os políticos entrincheirados em ambos os principais partidos políticos, que muitas vezes são cachorrinhos pagos pelos aproveitadores da guerra, não querem que o comboio da alegria descarrile.

As coisas não mudaram muito, mesmo desde a mentalidade da Segunda Guerra Mundial, que convenientemente ignorou o mal monstruoso que foi perpetrado contra dezenas de milhares de civis inocentes e desarmados em Nagasaki, em 9 de agosto de 1945, um crime de guerra tão hediondo que as consequências psicológicas, imunes distúrbios de deficiência e cancros resultantes desse holocausto nuclear ainda são vividos num sofrimento inimaginável seis décadas depois.

As coisas não mudaram realmente quando se testemunha a mentalidade política que permite as 500.000 mortes de civis iraquianos inocentes no rescaldo da primeira Guerra do Golfo ou as 1.000.000 mortes de civis no actual fiasco no Iraque.

Portanto, parece que os nossos líderes militares e políticos não aprenderam nada desde My Lai. As pessoas sentadas ao seu lado no trabalho são, como a maioria dos americanos inconscientes, quase totalmente ignorantes das realidades infernais da zona de guerra, por isso podem continuar a ser cegamente patrióticas e indiferentes à situação dos “outros” que sofrem tanto. na guerra. Eles podem pensar que algumas pessoas são menos que humanas e, portanto, se necessário, podem ser mortas de forma justificada “pelo Volk, Fuhrer und Vaterland”.

Enquanto a maioria dos cidadãos americanos continuar a glorificar a guerra e o militarismo e a ignorar ou denegrir os pacificadores; desde que o público americano apoie o actual espírito de nacionalismo e de capitalismo global implacável; e enquanto a liderança política da América permanecer prudentemente silenciosa (e, portanto, consentindo com a violência homicida da guerra) não seremos capazes de efectuar uma mudança longe da influência dos fomentadores da guerra e dos aproveitadores da guerra sem consciência. Os profetas e os pacificadores nunca são valorizados nas nações militarizadas, especialmente em tempos de guerra; na verdade, são sempre marginalizados, humilhados e até presos como traidores. E uma das razões é que não há lucros a obter na pacificação, ao passo que há biliões a ganhar no maior negócio em curso: a preparação para a guerra, a execução da guerra e os esforços altamente lucrativos de “reconstrução” ( economia do tipo “explodir/construir”), ignorando ao mesmo tempo os danos colaterais “inconvenientes” mas inevitáveis ​​à criação e às suas criaturas.

Enquanto continuarmos a ser liderados por fazedores de guerra sem remorso e impiedosos e pelos seus ricos amigos de negócios e enquanto as crianças éticas em Washington, DC continuarem a ser corrompidas pelos grandes subornos de dinheiro, não há hipótese de a América alguma vez obter a verdadeira paz.

E a menos que a América pare a carnificina, se arrependa totalmente e ofereça compensação pelos danos que causou, certamente chegará a sua vez de ser destinatário da violência retaliatória, e ela virá das vítimas estrangeiras e nacionais que os líderes da nossa nação trataram tão vergonhosamente. último meio século.

Março de 2008 – Gary G. Kohls, MD, Duluth, MN

FONTE

O Roubo das Joias do Museu Alberto Sampaio

11.03.24 | Manuel

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“Em 16 de Novembro de 1975, um comando do denominado Movimento de Libertação de Portugal (MDLP), utilizando a violência, roubou do museu a coroa de Nossa Senhora da Oliveira – padroeira de Portugal, desde D. Afonso Henriques até D. João IV –, bem como outras valiosíssimas peças do tesouro da Real e Insigne Colegiada”.

Era deste modo que o “Público” (1992, “Museus de Portugal” IX) se referia ao roubo perpetrado pela extrema-direita das jóias do Museu Alberto Sampaio, em Guimarães. Jóias de valor incalculável. Para além da coroa em oiro e pedras preciosas, do século XVIII, foram roubadas: uma meada em oiro, com 32 metros de comprimento, um grilhão de oiro, um peitoral de prata doirada, todos do século XVIII, e um cordão de oiro e uma cruz indiana, também de oiro, ambos do século XVII.

Os autores materiais do roubo foram um ex-fuzileiro, primeiro-tenente José Maria da Silva Horta, desertor após o falhanço do golpe de11 de Março de 1975, ajudado por Maria Alice da Silva Marques, secretária de um dirigente do Partido do Progresso, apoiados, por sua vez, por um outro casal, do qual apenas se sabe que o homem era também oficial da Força Aérea e pertencente à extrema-direita.

O roubo foi perpetrado utilizando-se a violência, o guarda do museu, Fernando Cunha, foi atacado à coronhada, manietado e anestesiado, sendo ameaçado de morte caso resistisse. O bando deslocou-se para Chaves, contou com o apoio de Joaquim Ferreira Torres, irmão do actual presidente de Marco de Canavezes e mais tarde assassinado, e depois refugiou-se em Espanha, onde as jóias terão sido vendidas ao desbarato. O dinheiro terá sido utilizado nas despesas do MDLP.

Nunca mais se soube do paradeiro do ex-tenente Silva Horta, coreu o rumor de que estaria em Espanha e que mais tarde teria ido para o Brasil, com entradas clandestinas no país. Quanto à companheira, Maria Alice, esta ainda foi detida, conseguindo fugir facilmente do Hospital Miguel Bombarda, onde estava internada sob prisão. Ambos foram julgados e condenados à revelia, em Janeiro de 1987 - doze anos depois! – a vinte e quinze anos de prisão, respectivamente, e ao pagamento de um milhão de contos.

As jóias jamais foram recuperadas e as penas não foram cumpridas. As investigações foram atrasadas propositadamente, na intenção de “deixar arrastar tudo até que o desinteresse e o esquecimento desgastem, irremediavelmente o processo… como se não houvesse responsabilidades para ninguém”, palavras de um autarca vimaranense, transcritas pelo “Público”.

Tempo de comemoração do cinquentenário da “revolução dos cravos” é tempo de avivar a memória histórica e perceber como a democracia (ou seja, os nossos impolutos democratas) convive tão bem com a extrema-direita, a antiga que foi reciclada e a nova que acaba de obter folgada vitória nas eleições legislativas, e salientar que um dos participantes da rede bombista de então é um “digno representante da Nação” na dita “casa da democracia". Talvez a desculpabilização dos crimes de uns justifique a impunidade dos crimes que agora se cometem.

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A greve geral de 14 de Novembro de 2012 e a repressão policial

07.03.24 | Manuel

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Artigo publicado logo após a repressão da manifestação contra a política de austeridade imposta pelo governo da coligação PSD/CDS-PP, realizada às portas da Assembleia da República em 14 de Novembro de 2012, resultando em sete feridos e 48 detidos, que não deixa de ser interessante reler em vésperas de mais outras eleições, antecipadas, para o Parlamento.

A fase seguinte: “"fortalecer o poder político”

Desde há algum tempo que figuras representativas da classe dominante, de políticos na retaguarda ou em poder autárquico a banqueiros voluntariosos, vêm repetidamente reclamar a “suspensão” da democracia, para reposição da ordem nas contas públicas e… no populacho. A democracia “musculada”, que tem sido sempre a democracia parlamentar burguesa quando se vê confrontada com o protesto popular um pouco mais violento, ou um fascismo mais suave, sem a intervenção directa dos militares, é a reivindicação de parte substancial das nossas elites, que tem como chefe e símbolo máximo o presidente da república, o pacóvio de Boliqueime, sendo exactamente através de figuras provincianas de fraco perfil intelectual e moral que os bonapartismos ou fascismos (no sentido lato) se vão instalando.

A repressão exercida sobre os manifestantes à frente do convento de S. Bento, no dia da greve geral, 14 de Novembro que ficará para a história como data de viragem, pretendeu enviar dois avisos: a partir de agora ou o povo aceita as medidas de austeridade e pode manifestar-se se ordeiramente e de preferência sob o controlo da CGTP (tão acarinhada pelo ministro das polícias); ou então a repressão pura e dura veio para ficar, se for preciso acaba-se com a “democracia” e vem aí a “ditadura”, única forma de fazer valer o respeitinho pela ordem instituída. Esta demonstração de força está na proporção inversa da força e confiança das nossas elites e… das próprias forças repressivas.

Quando um Rui Rio diz que é preciso "fortalecer o poder político" que é "fraco e desacreditado", sendo acompanhado na pretensão por uma presidente do PS, Maria de Belém Roseira, que defende que o país deve evoluir "de um Estado social para um Estado de direito democrático", não está a fazer outra coisa senão a pedir um estado fascista, centrado num governo forte que não hesite em usar a repressão em caso de discordância ou rebelião das massas trabalhadoras e da sociedade em geral contra as políticas que não visam senão repor a taxa de lucro dos capitalistas e dos banqueiros em particular, para além de fazer aplicar à risca as imposições do memorando da troika e de todas as outras provenientes do centro Bruxelas/Berlim. Nesta questão de suspensão, ou melhor, de supressão da democracia, PSD e PS estão de acordo, não sendo motivo de surpresa a concordância do senhor Seguro, putativo chefe da oposição, com a repressão policial sobre os manifestantes, neste dia de greve geral nacional.

Deve-se salientar outro facto que não tem sido dada a importância devida, a repressão assanhada deste corpo de elite policial foi feita não só para intimidar mas porque era dia de greve geral, e as greves gerais intimidam os anafados banqueiros e demais burgueses porque mostram que os operários podem paralisar por completo a economia capitalista e provar que afinal os donos da economia, quem tudo produz, são os trabalhadores e não os capitalistas, colocando à luz do dia que a burguesia é uma classe parasitária, inútil e necessariamente descartável. Mais greves gerais se irão realizar, porque necessárias para derrubar este governo, que poderá ser acompanhado pelo pacóvio de Boliqueime já que este não quer cumprir com os seus deveres formais de presidente da República Portuguesa, sendo o primeiro a não respeitar a Constituição, documento que jurou defender.

Toda a gente se lembra do regozijo manifestado por algumas opinantes de esquerda (ver a blogosfera tipo 5dias ou xatoo que distingue PSP do corpo de intervenção) em relação às recentes manifestações de polícias e militares, que juntaram algumas dezenas de milhar de manifestantes descontentes com as medidas de austeridade que também a eles afectam. Perante a acção repressiva de dia 14 de Novembro, os mesmos opinantes justificam-na em parte com a medida anunciada na véspera de aumento de 10% para estas forças, em promoções, atualização do suplemento remuneratório e subsídio de fardamento, em eventualidade de estragarem a farda no acto de espancar o cidadão, estando já inscrita para o MAI, no OE-2013, a verba de 2.140 milhões de euros, um acréscimo de 12,3% em relação a 2012.

Esquecem os opinantes da esquerda que para além do soldo e dos bons tratos aos cães de guarda, gente mercenária, existe uma mentalidade, uma ideologia e uma obediência cega bem reveladas pela fidelidade destas forças policiais, e estamos a referir-nos à GNR e à PSP no seu todo, aos diversos regimes que se sucederam em Portugal em todo o século XX. A GNR foi criada, a partir de guardas municipais, herdadas da monarquia, pela I República e foi através desta força que o estado burguês, representado pelo governo de Lisboa, conseguiu impor a ordem e dar uma unidade a todo o território nacional. A PSP que se sucedeu à polícia cívica foi o instrumento para enfrentar os motins dos operários nos centros urbanos, principalmente na capital, ainda antes do regime salazarista e foi utilizada por este na repressão política, tendo sido a primeira polícia a assassinar durante a ditadura, ainda antes que a antecessora da Pide.

Quando aconteceu o 25 de Abril, nos primeiros dias não se viam polícias na rua pela simples razão de que tinham medo do povo e o povo tinha perdido o medo e o respeito às polícias. Portanto, daqui pouco ou nada (de bom) se pode esperar, para além de alguma operação de charme democrático por parte de dirigentes sindicais destas forças policiais; na hora da verdade, não hesitarão a arremeter, tais bestas desenfreadas e acéfalas, contra o povo em luta na rua ou na fábrica. E é para intervir, ainda com maior grau de brutalidade, na fábrica e na empresa, contra os trabalhadores onde farão greve, que a bófia se treinou no dia da greve geral.

Quando os patrões dos portos (Associação dos Agentes de Navegação de Portugal) pedem ao governo que ponha os militares a substituir os estivadores grevistas, não os move apenas o desejo de ver o trabalho feito mas para garantir que, caso seja necessário, a tropa, já empunhando a G3, esteja pronta a intervir. E será entre os militares que poderá, e haverá com certeza, divisão; uma parte significativa poderá colocar-se nas fileiras do povo sofredor e revoltado pela origem de classe, muitos dos militares que se manifestaram, no passado dia sábado, dia 10 de Novembro, eram sargentos ou oficiais de baixa patente, na sua maioria, e não oficiais de patente mais elevada ou oriundos da Academia Militar.

A fractura que possa a vir existir num quadro de revolta aberta e geral será entre estes dois sectores das forças militares, à semelhança do que aconteceu em diversos episódios insurrecionais durante a monarquia e a I Republica; jamais as forças militares irão, em bloco, tomar a facção do povo em revolução. E é desta divisão que as elites dominantes nacionais, e em particular este governo fascistóide, têm medo, daí o convite por parte do ministro aos militares que se sentem descontentes que saiam. Mas antes destes, não só o ministro dos polícias e o ministro das tropas, como todo o governo, devem ser atirados borda fora e, de preferência, em mar largo.

Os incidentes entre a polícia e os estivadores em que esta dispara com shotgun, alegando que respondera a provocação e arremessamento de pedras, para além da cobardia evidente, já prenunciavam o que iria acontecer dois dias depois. Provoca-se os trabalhadores, monta-se a encenação para surgir como vítima e, através dos media corporativos e jornalistas assoldados, criar no seio da opinião pública, pelo menos daquela parte mais conformista e mais temerosa a agitação social, a indignação contra os ditos “profissionais” da contestação que, segundo os actuais governantes e seus serventes nos media, são estrangeiros ou ao serviço do estrangeiro, seguindo a mesma cartilha de contra-propaganda dos fascistas seus antecessores e, em alguns casos, antepassados.

O papel de partido que quer o retorno do fascismo desempenhado pelo PSD percebe-se pelo aperto que os capitalistas estão a passar nestes tempos de depressão económica, ou seja, crise crónica e profunda do capitalismo, mas igualmente se percebe que foi este partido, fundado no final de 1974, que albergou a maior parte dos dirigentes fascistas que não fugiram para o Brasil e que entenderam continuar no activo, como se entende se olharmos para algumas figuras de proa que são filhos ou descendentes directos de antigos dirigentes da ANP e da Mocidade Portuguesa, de oficiais sediciosos no 28 de Maio, ou seja, de velhos fascistas, parece que o factor genético e educação familiar se encontram bem presentes: quem sai aos seus, não degenera.

A forma, e tudo o mais que envolveu a repressão, como foram detidos os cerca de 120 cidadãos, de todas as idades (repare-se bem, não apenas os tais jovens barbudos, com brincos e mal vestidos), alguns dos quais manifestantes que integraram o desfile da CGTP, sem acusação, sem estarem em flagrante delito, bastou estarem nas imediações, de imediato derrubados no chão e algemados, sendo-lhes negado contacto com familiares ou advogados, respondendo os agentes policias que desconheciam o paradeiro dos detidos e recusando os contactos, aparecendo sem distintivos de identificação e exibindo a mais chocante arrogância, certos da impunidade, e escudando-se no cumprimento de “ordens superiores”, mas sem nunca as identificar, faz lembrar o velho e já conhecido estilo das ditadura, não da Europa dos anos 30 do século passado, mas das ditaduras dos países da América Latina.

A partir de agora, e como já denunciáramos em artigo anterior, alguns dias antes das arremetidas bestiárias de 14 de novembro, passar-se-á ao tiro de bala real e, ao contrário do que se possa pensar, será a prova insofismável da fraqueza deste governo fascista como da classe que lhe paga os honorários. A burguesia é forte em termos táticos, daí todo o cuidado em cada batalha ou confronto pontual, mas fraca em termos de estratégia, está condenada pela história; condenada não por q1ualquer espécie de determinismo, mas por necessidade de sobrevivência da própria humanidade. E essa fraqueza será evidente quando a grande massa dos desempregados, dos trabalhadores cujos salários não dão para o mínimo da sua subsistência, dos jovens sem futuro, dos idosos condenados à morte prematura pela míngua das suas pensões de reforma se juntarem, numa só vaga, e descerem à rua. Então, não haverá polícia nem tropa que valha à burguesia.

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17 de Novembro 2012

O Império Mongol da Eurásia de 1206 a 1405: o maior estado continental da história mundial

04.03.24 | Manuel

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por Dr. Vladislav B. Sotirović

A história lembra os mongóis como um povo nômada pastoral da Ásia Central que causou uma impressão significativa na história do mundo. Em essência, a ocupação territorial mongol teve um alcance e alcance nunca igualados, estendendo-se da Europa Central à Península Coreana e do centro da Sibéria à Ásia Menor e ao Golfo Pérsico.

Os mongóis até tentaram invasões militares marítimas do Japão (em 1273 a 1274 e 1281) e de Java (1292 a 1293). A invasão mongol durante dois séculos (do início do século XIII ao início do século XV) foi, de facto, o último mas ao mesmo tempo o mais violento ataque às tribos pastoris, sendo os seus efeitos consideráveis ​​para a história mundial da época. 

Como consequência directa da invasão militar mongol, a organização político-social de uma maior parte da Ásia, seguida do Leste e de parte da Europa Central, foi alterada. Alguns grupos humanos foram exterminados, alguns foram removidos e dispersos, e algumas regiões sofreram tremendas mudanças nas características étnicas. Seguiu-se o fato de que tanto a distribuição como a influência das mais numerosas religiões do mundo mudaram tremendamente.

Além disso, o comércio e outras ligações de tráfego entre a Europa e a Ásia ficaram interrompidos durante mais tempo, uma vez que viajar não era seguro.

No entanto, do ponto de vista étnico, o resultado principal da invasão mongol na Ásia e na Europa foi a ampla dispersão das tribos de origem turca na região da Ásia Ocidental.

Era preciso dizer que a terra natal mongol era, de fato, árida e, portanto, não sustentava uma grande população. Os mongóis, na verdade, não eram um povo numeroso, razão pela qual seu líder e unificador mais proeminente, Genghis Khan (nome verdadeiro Temujin, 1162/7 a 1227) aumentou seus exércitos de tribos turcas leais.

O nome/título Genghis Khan significa “governante de todos”.

Consequentemente, logo o povo turco superou em número os mongóis nativos, e a língua turca se espalhou pela Ásia com os exércitos mongóis.

Naturalmente, a minoria de falantes mongóis foi absorvida pela massa turca e a língua mongol sobreviveu apenas na pátria mongol original – a Mongólia.

Os turcos, mesmo antes da conquista mongol, eram proeminentes com o seu sultanato seljúcida de Rum na Ásia Menor, mas ao desmembrar este sultanato, os mongóis abriram caminho para a criação e existência do maior dos impérios turcos – o Otomano. 

Durante as invasões militares mongóis na Ásia e na Europa, enfrentaram três religiões e os seus produtos culturais associados: o Islão (tanto sunitas como xiitas), o budismo e o cristianismo (tanto católico como ortodoxo).

No entanto, a atitude mongol em relação aos três era, na prática, diferente. Os mongóis, na verdade, professavam um xamanismo tradicional que estava consubstanciado na Lei de Genghis Khan ( Yasa ). No entanto, sentiram a poderosa atração das novas religiões pela ocupação das terras ao redor da Mongólia que, de facto, têm sido associadas a níveis de civilização mais elevados em comparação com os mongóis.

O Islão inicialmente foi desfavorável: Bagdad, como centro administrativo islâmico, foi capturada e saqueada em 1258 e o califa islâmico foi morto.

No entanto, o destino histórico foi que o Islão ocupasse lentamente as almas dos conquistadores mongóis/turcos e um poderoso renascimento começasse . Na verdade, este renascimento esteve directamente ligado ao colapso da religião cristã na Ásia em geral. Antes da invasão mongol/turca, o cristianismo na Ásia (Ocidental) parecia muito próspero, pois o cristianismo estava presente em toda a Ásia, mas principalmente nas suas porções ocidentais. 

O Budismo, assim como o Islão, emergiu da experiência mongol/turca mais forte do que entrou nela. O budismo teve pouco sucesso no oeste do Monte Altai, no entanto, nas porções orientais do continente asiático, a dinastia mongol deu ao budismo um lugar superior dentro da sociedade da China (tanto no Império Chin quanto no Império Sung). 

O início da vida de Temujin (mais tarde Genghis Khan) está coberto por nuvens de lendas devido à falta de fontes históricas relevantes. Na verdade, as tribos de língua mongol viveram durante séculos, geralmente no território da atual Mongólia.

No entanto, eles precisam de uma pessoa extraordinária que unisse política e nacionalmente todas as tribos mongóis e, além disso, as transformasse no maior império terrestre da história mundial. Temujin, nascido em 1162 ou 1167, era filho de um líder tribal mongol.

Até 1206 ele uniu todas as tribos mongóis e estabeleceu uma única Mongólia unificada. Após a unificação da Mongólia, sua primeira tarefa política foi subjugar outras tribos vizinhas não-mongóis e em 1211 invadir o Império Chin do norte da China, que foi finalmente conquistado em 1234 (após sua morte), muitos anos após a quebra da Grande China. Parede.

O Império Chin do sul da China foi totalmente destruído. Pequim (Khanbalik) foi tomada pelos mongóis em 1215.

No entanto, Temujin virou seu exército para o oeste no ataque militar ao Império Kara-Khitai (um estado entre o Mar de Aral e os Uigures).

O próximo a ser atacado foi o Império do Xá Khwarizm (das terras entre o Mar de Aral e o Mar Cáspio até o Oceano Índico). Esse se tornou o primeiro estado islâmico a ser conquistado e saqueado barbaramente pelos mongóis. Os mongóis não enfrentaram nenhuma resistência amarga dos povos da Ásia Central e rapidamente alcançaram os Montes Cáucaso. Em 1221 (sul) e 1223 (norte).

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As políticas tribais unidas por Temüjin para fundar o Império Mongol (licenciado sob CC BY-SA 4.0)

Temujin morreu em 1227, deixando seu império estendido do Pacífico ao Mar Negro. No entanto, as suas conquistas militares foram prolongadas pelos seus sucessores. No entanto, antes de morrer, ele estabeleceu uma regra para sua sucessão ao trono do Império Mongol. Por esta disposição, Temujin dividiu todo o império entre seus quatro filhos/parentes.

Portanto, Batu (neto de Temujin) organizou uma invasão militar mongol na Europa Oriental e Central.

Consequentemente, os principados do Norte da Rússia foram ocupados numa rápida ação de inverno ( Blitzkrieg ) de 1237/1238.

A capital da Rus' de Kiev – Kiev, foi tomada em 1240 (e arrasada), encerrando, consequentemente, o primeiro estado independente dos eslavos orientais.

Os mongóis de Batu em 1240 iniciaram uma ação militar bidirecional na Polônia e na Hungria. Durante o ataque, o rio Oder foi ultrapassado em Racibórz, na Polônia, e o exército de Batu rapidamente varreu o vale do rio para o norte.

A cidade de Breslau em alemão ou Wrocław em polonês foi contornada, mas em 9 de abril de 1241 o exército combinado alemão/polonês foi fortemente derrotado em Liegnitz/Legnica, na fronteira com o Sacro Império Romano. Apenas alguns dias depois, outro exército mongol derrotou o exército húngaro em Mohi, no norte da Hungria. No entanto, a Europa foi salva de novos ataques militares mongóis bem-sucedidos apenas pela morte do Grande Khan Ogedei (dezembro de 1241), à medida que surgiram disputas pelo trono entre os sucessores e, portanto, Batu liderou seu exército europeu de volta ao baixo rio Volga (que era uma antiga base militar mongol) durante o inverno de 1242/1243. Kublai Khan, neto de Genghis Khan, conseguiu completar a ocupação da China.

A Europa cristã foi salva dos ataques militares mongóis devido à morte de Ogedei em 1241, a morte do Grande Khan Möngke em 1259 salvou os territórios e povos islâmicos na Ásia. O Grande Khan Mongol Möngke decidiu estender as fronteiras do império mongol para o leste e oeste, mas em princípio contra o Império Chinês de Sung, bem como contra os Assassinos e o Califado Islâmico até o Egito. Sozinho, Möngke assumiu o comando da guerra contra a China. A campanha militar ocidental ficou a cargo de seu irmão mais novo, Hülegü. A Ordem dos Assassinos foi conquistada e Bagdá caiu em 1258.

Após a morte de Möngke em 1259, ocorreu um conflito armado entre grupos rivais que fez com que Hülegü concentrasse suas forças principais na Trans-Cáucaso, deixando apenas forças fracas no Oriente Médio. No entanto, tal desenvolvimento logo se tornou conhecido pela autoridade egípcia do Império/Sultanato Mameluco (existente de 1250 a 1517). Em outras palavras, o sultão mameluco aproveitou a oportunidade para atacar o exército mongol na Palestina (de inimigos pagãos da fé). Foi uma famosa batalha perto de Nazaré, em Ain Jalut, em 3 de setembro de 1260, na qual o exército mameluco, mais bem armado e mais numeroso, derrotou decisivamente os mongóis. Esta batalha, de facto, tornou-se um ponto de viragem na época, uma vez que o avanço mongol no Ocidente nunca mais foi renovado de forma séria. Mais importante ainda, as lendas sobre sua invencibilidade no campo de batalha desapareceram para sempre. 

A sucessão foi decidida pela primeira vez por um conflito armado. Kublai teve sucesso na luta pelo trono. A autoridade direta dos sucessores dos Grandes Khans estava na porção oriental do império.

No entanto, os territórios ocidentais dos canatos de Chagatai (do Monte Altai ao rio Amu Darya), Il-Khan (Pérsia) e da Horda Dourada (do rio Yenisei até atrás do rio Dnieper) gradualmente tornaram-se estados independentes. . Kublai, governando o Império do Grande Khan, que se estende do rio Amur até o Monte Himalaia, envolveu-se na luta obstinada com o Império Sung do sul da China até 1279 e em esforços malsucedidos para conquistar o Japão em 1281 (devido ao terrível mar- tempestade).

No entanto, era óbvio que um território tão vasto do Império Mongol Eurasiático não poderia ser administrado por apenas um governante.

Na Pérsia e na China, as dinastias dominantes mongóis chegaram ao fim em menos de um século.

Em ambos os canatos de Chagatai e da Horda Dourada, a sociedade era de menor nível de urbanização, enquanto a população era parcialmente nômade. Como consequência directa, nestes territórios o domínio mongol durou mais tempo: por exemplo, nas terras da ex-Rússia de Kiev, durou mais de dois séculos. No entanto, a época de Tamerlão (Timur, 1336 a 1405) marcou o fim da era de conquistas mongóis.   

Deve ser especialmente sublinhado que a aparição mongol no topo da cena mundial, de 1206 a 1405, foi ao mesmo tempo muito repentina, mas também extremamente devastadora.

Vários antigos estados (reinos e impérios) desapareceram devido à conquista mongol, destruição, pilhagem e extermínio dos cidadãos. Surgiu, no entanto, a questão: qual foi a razão do seu sucesso militar rápido e bem-sucedido na Eurásia?

A resposta é resultado da estratégia militar superior da época, uma cavalaria excelente e muito móvel, resistência física, disciplina, bem como forma coordenada de ações militares. A equitação da cavalaria mongol foi a mais eficaz da história militar.

Geralmente não é um fato muito conhecido que os mongóis tinham uma instituição militar que podemos chamar hoje de estado-maior moderno. No entanto, por outro lado, os exércitos adversários, quer na Ásia, quer (especialmente na) Europa Oriental, têm sido, na maioria dos casos, descoordenados, volumosos e, portanto, pouco manobráveis ​​no campo de batalha.

Provavelmente, a invasão militar e a rápida ocupação da Rus' de Kiev em 1240 foram o melhor exemplo das táticas e métodos mongóis. Como resultado, a maior parte da Rus' de Kiev ficou ocupada apenas por vários meses durante a campanha de inverno, quando a cavalaria mongol atravessava os rios congelados com grande velocidade. Historicamente, essa foi a única invasão militar de inverno bem-sucedida na Rússia. 

Na verdade, os mongóis não fizeram quaisquer inovações em relação às antigas tradições de viver como nómadas das estepes da Ásia Central. Simplesmente, os mongóis usaram os métodos e a estratégia dos primeiros exércitos de cavalaria dos nômades das estepes. No entanto, sob o comando de vários líderes militares e políticos (começando com Temujin e terminando com Tamerlan), estes foram levados ao topo da eficiência militar, produzindo o mais terrível instrumento de guerra da época. 

No entanto, no que diz respeito à história do Império Mongol de 1206 a 1405, os feitos militares são mais estudados e conhecidos, enquanto, por outro lado, o legado social ou cultural é muito difícil de descobrir e acompanhar devido à falta de fontes relevantes.

O domínio mongol foi comparativamente curto e eles não conseguiram estabelecer uma civilização distinta e duradoura.

Em 1368, os mongóis foram expulsos da China e em 1372 um exército chinês queimou Karakorum.

As conquistas mongóis, na verdade, são entendidas como o fim de uma época. Historicamente, é bem sabido que os moradores das cidades e os camponeses têm estado constantemente em perigo devido aos ataques tanto dos ferozes cavaleiros das estepes como dos montanheses das montanhas. No entanto, durante a época do Império Mongol, tanto a pólvora quanto as armas de fogo foram inventadas, o que significava que a batalha não seria mais decidida pela resistência e mão de obra. A Rússia e a China sofreram muito com a agressão nómada por parte dos povos das estepes, razão pela qual durante os séculos seguintes após o Império Mongol, ambas as nações executaram firmemente a política de pacificação dos pastores das estepes selvagens e belicistas. 

O Império Mongol antes de 1259 foi o maior império terrestre da história que foi estabelecido pelos implacáveis ​​e capazes exércitos de cavalaria de Temujin e seus sucessores diretos .

O império era composto por tribos nômades vagamente relacionadas que viviam em cabanas de feltro ( yurts ) e subsistiam com carne e leite de égua fermentado (koumiss).

O império se estendia da Península Coreana e Java até a Polônia e das terras dos Tungus ao Golfo Pérsico e à Ásia Menor. Os exércitos mongóis eram especialistas em guerra de cerco, aprendendo com os chineses.

O Império Bizantino (Império Romano Oriental), bem como a Europa Ocidental, foram salvos de novas invasões mongóis apenas pela morte de Ogedei em dezembro de 1241, assim como sua guarda avançada alcançou o litoral do Adriático (Dalmácia), enquanto o Japão não foi invadido apenas devido ao kamikaze – vento sagrado que destruiu a marinha de Kublai Khan. 

Timur/Tamerlão ou Tamburlaine, nascido Timur Lenk, (no poder de 1369 a 1405) foi o último grande conquistador mongol governando seu império a partir de Samarcanda. Ele liderou um exército combinado por mongóis e várias tribos turcas e conquistou uma vasta terra que incluía a Pérsia, o norte da Índia e a Síria no Oriente Médio. Timur derrotou o exército otomano na batalha de 1402 perto de Ancara (Angorá), mas morreu durante uma invasão da China. No entanto, paradoxalmente, ele destruiu o que restava do Império Mongol (Canato da Horda Dourada e Canato Chagatai). 

O Canato Chagatai terminou com a morte de Timur, enquanto o Canato da Horda Dourada, que ficou reduzido em território e enfraquecido em poder devido aos seus ataques, sobreviveu até 1480, quando o poder dos tártaros foi quebrado por Ivan III (o Grande, 1462). −1505).

A palavra horda é derivada do mongol ordo (acampamento). A palavra dourada lembra o esplêndido acampamento central do cã Batu. Ele, como neto de Genghis Khan, invadiu a Rus' de Kiev em 1238 com o exército composto por mongóis-Kipchaks. Batu queimou Moscou e em 1240 ocupou Kiev – a capital do estado. A Horda Dourada existiu de 1242 a 1480, governada pelos tártaros do Canato Mongol dos Kipchaks Ocidentais. O exército de Batu rapidamente varreu a Europa Oriental (incluindo os Bálcãs) e após esta campanha militar, Batu fundou seu acampamento em Sarai, no Baixo Rio Volga. A destruição mongol de Kiev levou à ascensão de Moscou, onde com o passar do tempo começou a resistência à Horda Dourada. No entanto, Timur derrotou a Horda Dourada em 1391, o que enfraqueceu tremendamente a Horda e o seu poder militar. Consequentemente, surgiram canatos independentes na Crimeia e em Kazan. 

Finalmente, como última herança política mongol, Timur foi um ancestral da dinastia Mogul na Índia. 

Imagem: A morte do líder mongol Möngke (1259) pôs fim à unidade política de curta duração dos mongóis e ao seu enorme império.

Fonte

A propósito da interrupção voluntária da gravidez

01.03.24 | Manuel

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Em referendo, realizado no dia 11 de Fevereiro de 2007, venceu a despenalização da interrupção voluntária da gravidez com uma diferença de cerca de 700 mil votos. Os partidos mais à direita do espectro partidário, as mentes mais retrógradas, incluindo o clero católico, tiveram de engolir em seco e reconhecer a derrota, mas não se consideraram vencidas. Agora, com a possibilidade de vitória da AD nas próximas legislativas do dia 10 de Março, estas mesmas forças obscuras prometem outro referendo sobre a IVG será realizado. A crónica que escrevemos em 2007 após a vitória do “sim” foi a que se segue:

A vitória do SIM, a derrota da Igreja Católica e as habilidades do Sócrates

Nós, talvez, tenhamos sido os únicos que opinaram publicamente que neste referendo estava em jogo não só os direitos da mulher mas igualmente, ou mais ainda, a influência da Igreja Católica no seio da sociedade portuguesa. Como que a confirmar o que dizíamos, dois dias depois do conhecimento do resultado do referendo, os sociólogos e politólogos de serviço vieram dizer à praça pública que a derrota do “não” representa uma “perda brutal”, uma “machadada muito forte” para a Igreja e que a sociedade, nestes últimos dez anos, experimentou uma forte “laicização” e uma “privatização dos comportamentos familiares”.

A vitória do SIM é a vitória de metade do género humano, em particular, do género feminino e reprodutor. A mulher deu um pequeno passo, mas que acaba por ser um ganho importante, na sua luta pela libertação da tutela da sociedade patriarcal, e ainda clerical em Portugal; a mulher terá que se afirmar como ser livre e sujeito da sua emancipação, capaz de decidir em consciência sem o controlo de quem quer seja, seja ele da Igreja ou do Estado.

A mulher não é um recurso, produtor de outros recursos para mão-de-obra para o capital ou de “operários” para o Estado pintado de socialista como aconteceu na ex-URSS. Os humanos modernos, desde os seus ancestrais mais remotos, que controlam a natalidade, quer por abstinência sexual durante a amamentação da mulher, quer pelo coito interrompido, prática inserida nas normas religiosas em algumas sociedades, bem como os hábitos alimentares do jejum ou de não se ingerir determinados tipos de alimentos. Malthus não descobriu nada de especial, nem as suas conclusões são descabidas, embora custem a ser admitidas por religiões ou por radicais da extrema-esquerda política à a cata de seguidores, porque os humanos, bem como muitas espécies de vertebrados, adaptam a sua taxa de sucesso reprodutivo consoante os recursos disponíveis no seu habitat.

A vitória do SIM é assumida pelo PS, em particular pelo seu secretário, como uma vitória do partido que surge agora como partido de “progresso” e de “modernidade”, dando-lhe um novo fôlego para lançar sobre os trabalhadores portugueses mais medidas “reformistas” que lhes irão apertar a carteira, e restringir, se houver força para tal, as liberdades individuais. Sócrates não esperou que a poeira da vitória assentasse para anunciar que as alterações das carreiras da Função Pública iriam ser concretizadas este ano, com a progressão baseada no famigerado “mérito” (ou melhor, na subserviência ao chefe e ao sistema), que significa na prática, como foi feito com a carreira docente, uma diminuição nos gastos com o pessoal, porque pouco funcionários atingirão o topo da carreira, e eventualmente com o aumento da precariedade e dos despedimentos. As ditas “reformas” para a modernização da administração pública são o mote para “reformas” mais gravosas para o sector privado da economia, e é neste sentido que a OCDE vem, mais uma vez, insistir que Portugal tem que aumentar a “flexibilização dos despedimentos”, com a aprovação cautelosa dos chefes das confederações patronais.

A derrota do “não” vem confirmar o que há muito fora já denunciado, a Igreja Católica presentemente possui uma importância que não corresponde à sua influência real na sociedade, e que essa importância existe, contrariamente ao que acontecia no tempo do salazarismo, pela cobardia dos partidos do poder que temem beliscá-la nos seus privilégios e contam com a sua colaboração para o aumento dos votos.

O PSD revela bem este comportamento, deixou liberdade de voto aos seus militantes, porque se não o fizesse, seria desautorizado por militantes e dirigentes influentes que iriam, como foram, votar SIM, e o seu chefe para não desagradar à hierarquia religiosa, veio dizer que votaria “não”; esta duplicidade revela a contradição do partido que é por excelência o partido da burguesia nacional, incluindo alguns sectores mais conservadores e católicos.

O CDS continua agarrado aos valores que lhe valeram ser apontado, logo a seguir ao 25 de Abril, como o partido herdeiro do fascismo; ao que parce, não aprendeu com a reciclagem oportuna e inteligente do seu ex-chefe, fundador e figura de referência, Freitas do Amaral, que se tivesse candidatado nas últimas eleições presidenciais teria de certeza o apoio do BE e do MRPP e até do PCP.

A derrota do “não” mostrou também que a percentagem dos cerca de 17% do eleitorado que votou contra o SIM são exacta e milimetricamente a percentagem da população portuguesa que, em consciência ou por preconceito, pode ser considerada como católica convicta e praticante, mais ou menos os cerca de 15% dos putativos “católicos portugueses” que vão regularmente à missa; os restantes portugueses são laicos, não vão na conversa obscurantista e manipulatória da Igreja, cujo clero ainda pensa que vive no tempo da Idade Média ou do Antigo Regime.

Os padres Tarcísio Alves, os diáconos de Soutelo Mourisco, bem como organizações tipo Cruzada Internacional do Rosário de Fátima (em panfleto distribuído no próprio dia do referendo, lança a maldição sobre o país e os católicos portugueses no caso da vitória do SIM) dizem o que a hierarquia não ousa dizer; as ideias e intenções desta gente retrógrada são as mesmas do cardeal patriarca de Lisboa e da Conferência Episcopal portuguesa, que, por razões de falso decoro e respeito pela democracia, vão calando, pensando contudo que a sociedade e o Estado ainda se devem reger pelo Código do Direito Canónico, manual de referência do próprio Salazar. Ainda não perceberam que os tempos são outros.

A derrota do “não” não vai impedir que muitos comerciantes da saúde, que por coincidência até são médicos, dificultem por diversos meios, incluindo uma oportunista “objecção de consciência”, as mulheres trabalhadoras de serem assistidas no SNS, obrigando-as a continuar a recorrer ao aborto clandestino ou, em última análise, à clínica privada onde muitos desses “objectores de consciência trabalham em prejuízo dos serviços públicos de saúde onde também são funcionários. Daí toda a razão de ser da publicação da lista dos médicos objectores de consciência (mas em cumprir com as suas obrigações de funcionários públicos no SNS) por parte do ministério da Saúde, ficar-se-á assim a saber quem é que no SNS engana o povo e assalta os dinheiros públicos, com razão mais que sobeja para despedimento com justa causa, já que estamos em tempo de contenção de gastos na Função Pública.

O direito da mulher em ser assistida em instituição do Estado para a interrupção da gravidez deve ser feita em termos de completo respeito pela sua dignidade e direitos de cidadania, em completa gratuitidade, porque qualquer cidadão trabalhador, ou que paga impostos, tem direito à saúde (direito universal), cujo tempo de gravidez irá ser alargado por força da especificidade de cada caso concreto; e se na verdade se pretende criar condições para um aumento da taxa de natalidade em Portugal, como o PS de Leiria veio agora com muito esperteza saloia reivindicar, seja então instituído o abono de família de montante igual ao salário mínimo nacional por cada filho nascido de mãe solteira ou com baixos recursos económicos.

Todo o dinheiro que for canalizado para as organizações caritativas da Igreja para o pretenso apoio à mulher é dinheiro mal gasto, que servirá somente para dar força a uma instituição parasitária e deslocada no tempo, a Igreja Católica que procure dinheiro nos seus seguidores ou venda o seu imenso património imobiliário e, já agora, pague impostos como qualquer cidadão trabalhador. O resultado do referendo do dia 11 é indicador suficientemente forte de que é tempo de se acabar com os privilégios e benesses da uma igreja obscurantista, avessa ao progresso, e responsável em grande parte pelo atraso económico e cultural dos portugueses.

Imagem: do conjunto de quadros ‘Pastéis do Aborto’ de Paula Rego, 2000.

14 de Fevereiro 2007

Em “Osbarbaros.org”