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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

“Os pés decepados das crianças ainda estavam nos sapatos.”

27.04.24 | Manuel

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A revolta dos sipaios indianos e o ataque palestino do Hamas - uma comparação

No verão de 1857, eclodiu uma revolta na Índia governada pelos britânicos, cuja crueldade causou horror e repulsa em todo o mundo, e que continua a ter repercussões até hoje. Os acontecimentos daquela época serão brevemente apresentados aqui. A base para isso é o artigo “Indian Uprising: The British Trauma of the Kanpur Massacre” de Berthold Seewald.[1]

Provocados pelo boato de que os cartuchos de seus novos rifles Enfield continham gordura de vacas e porcos, sipaios hindus e muçulmanos da Companhia das Índias Orientais inicialmente se levantaram contra seus oficiais britânicos e suboficiais em Meerut. O pano de fundo era que os invólucros dos cartuchos tinham que ser abertos com os dentes antes do carregamento, de modo que os soldados corriam o risco de ingerir involuntariamente vestígios de gordura. No que diz respeito às vacas, isto era insuportável para os hindus por razões religiosas, e para os muçulmanos a gordura de porco representava um obstáculo intransponível. Mas estas imposições foram apenas uma razão para a rebelião. As causas foram a contínua opressão, humilhação e desrespeito da população nativa por parte dos governantes coloniais ingleses.

As tropas indianas mantidas pelo poder colonial inglês eram chamadas de sipaios. O “Grande Motim”, como também é conhecido o levante, engolfou a guarnição em Kanpur (no atual estado indiano de Uttar Pradesh) no início de junho de 1857, sob o comando do comandante inglês Wheeler. A situação chegou ao auge em junho. Sob a liderança do imperador mogol Nana Sahib, as tropas indianas juntaram-se à rebelião.

A maioria dos 3.000 sipaios recusou a ordem. 300 soldados europeus, 80 soldados indianos e várias centenas de civis, incluindo 400 mulheres e crianças, retiraram-se então para o núcleo fortificado da guarnição. A falta de água, a fome, as doenças, o fedor dos cadáveres e o estresse mental logo minaram a vontade de resistir dos sitiados. Quando finalmente ficou claro que não havia esperança de alívio - os insurgentes haviam cortado as linhas telegráficas - Wheeler e seus oficiais decidiram aceitar a oferta de Nana Sahib: retirada gratuita após a rendição.

Em 27 de junho de 1857, os britânicos deixaram as ruínas e marcharam até o Ganges, onde deveriam receber os barcos com os quais queriam seguir para Allahabad. Eles foram autorizados a levar consigo armas e munições, mas isso não os ajudou muito. Os barcos foram incendiados e afundados, os homens foram mortos e 125 mulheres e crianças foram amontoadas em um abrigo para mulheres. Juntamente com outros refugiados, cerca de 200 pessoas acamparam ali em condições terríveis. A disenteria e a cólera dizimaram os prisioneiros. Quando as tropas britânicas avançaram sobre Kanpur, Nana Sahib usou os presos como reféns para negociações. Como as tropas inglesas sob o comando do general Henry Havelock provaram ser superiores e avançavam, a liderança rebelde decidiu matar os prisioneiros antes que os britânicos chegassem à cidade. Em 15 de julho, os poucos homens que restavam foram assassinados. No entanto, os sipaios recusaram-se a matar as 65 mulheres e crianças que sobreviveram à provação até então. Assim, foram contratados açougueiros no bazar da cidade. Diz-se que demoraram uma hora para completar o horrível trabalho com suas facas de açougueiro. As vítimas não foram apenas mortas, mas literalmente desmembradas. Seus restos mortais foram então jogados em um poço. Alguns sobreviventes também foram atirados e morreram sob o peso dos mutilados.

Quando os britânicos entraram na cidade em 17 de julho de 1857, eles encontraram - se você seguir os rumores - sapatos infantis com os pés ainda calçados. Mãos ensanguentadas e pegadas nas paredes testemunhavam o desespero das vítimas. “No pátio, o sangue, as tranças e os vestidos das pobres senhoras tinham cinco centímetros de altura, tudo foi encontrado”, escreveu a horrorizada Rainha Vitória em seu diário na distante Londres, depois de ler os jornais.

Retaliação excessiva

Não foi apenas na Grã-Bretanha, em toda a Europa e no resto do chamado mundo ocidental e “civilizado” houve grande horror com o que tinha acontecido. E assim Karl Marx também viu razão para descrever e comentar os acontecimentos em vários artigos. Em 16 de setembro de 1857, sua reportagem de jornal “The Indian Revolt” apareceu no New York Daily Tribune. [2] Marx não negou de forma alguma os atos cometidos pelos sipaios, mas imediatamente os comparou à violência que é regularmente exercida aos "aplausos da respeitável Inglaterra" quando serve apenas para proteger os próprios interesses, sejam eles exercido pelos próprios ingleses ou por outros povos, seja na Europa ou nas colónias, o interesse de classe é sempre decisivo. Marx escreveu: “Os atos de violência cometidos pelos sipaios revoltados na Índia são de fato terríveis, hediondos, indescritíveis – como os que só se esperaria encontrar em guerras de insurreição, guerras de tribos e raças e, acima de tudo, guerras de religião, numa palavra, a violência que costumava encontrar a aprovação da respeitável Inglaterra quando perpetrada pelos homens da Vendée contra os "Blues", pelos guerrilheiros espanhóis contra os infiéis franceses, pelos sérvios contra os seus vizinhos alemães e húngaros, pelos os croatas, os insurgentes vienenses, a Garde mobile de Cavaignac ou o Povo de Dezembro de Bonaparte sobre os filhos e filhas da França proletária." [3]

Marx volta-se então para a causa da violência: “Por mais vergonhosas que possam ser as ações dos sipaios, elas são apenas, de forma concentrada, o reflexo das próprias ações da Inglaterra na Índia, não apenas na época da fundação de seu país oriental, império, mas mesmo durante os últimos dez anos de um reinado de longa data. Para caracterizar esta regra, basta notar que a tortura fazia parte orgânica da sua política financeira. Existe algo chamado retribuição na história humana; e é uma regra de retribuição histórica que as suas armas sejam forjadas não pelos oprimidos, mas pelos próprios opressores." [4] A última frase referia-se ao facto de terem sido tropas treinadas e equipadas pelos ingleses que cometeram estes actos. A Grã-Bretanha criou os sipaios em primeiro lugar.

O artigo mostra a superioridade do argumento de Marx. Ele não se limitou à habitual indignação preconceituosa pelos feitos cometidos pelos insurgentes, mas comparou-os ao terror quotidiano dos opressores, que não é menos cruel. Ele classificou os eventos historicamente e assim os tornou explicáveis.

Os acontecimentos indianos de 1857 foram avaliados de forma diferente, até mesmo contraditória, pelas organizações de paz na Inglaterra e nos EUA. Domenico Losurdo aborda isso em seu livro “Não-violência. A Counterstory” explica: “O clima predominante no Ocidente também influenciou a Sociedade Americana para a Paz. A maioria argumentou o seguinte: Mesmo que o domínio britânico na Índia fosse ilegítimo, os governos ainda tinham o dever de manter e respeitar a ordem. Por outras palavras, os insurgentes estão errados se recorrerem à violência e violarem as normas legais vigentes. Em última análise, eles são bandidos e criminosos. Portanto, não se trata de uma guerra, mas de um confronto entre criminosos comuns e forças policiais." Losurdo tira a conclusão: O "princípio geral da não-violência" centra "a sua crítica na rebelião violenta dos oprimidos, sem crítica dos (brutais) opressores ao praticar uma forma de violência para restaurar a ordem (…).”

A reação dos amigos da paz do outro lado do Atlântico é diferente: “A sociedade irmã, a London Peace Society, que foi fundada na Inglaterra, não se identifica com a atitude da American Peace Society e - distanciando-se dela - fala sobre o conflito na Índia sem hesitação e, portanto, condenou a violência do governo inglês. A condenação centra-se agora principalmente (Losurdo cita a professora norte-americana de estudos religiosos, Valerie H. Ziegler, do seu livro “The Advocates of Peace in Antebellum America”, AW) na “excessiva sede de poder e ambição” da potência colonial, na “agressão descarada”, na sua pretensão de “governar a Índia com a espada” e na “humilhação de 150 milhões de pessoas”. A atitude que Marx assume em relação à ‘catástrofe’ não é muito diferente.”

É Marx quem salienta que não se deve esquecer que “enquanto as atrocidades dos ingleses são apresentadas como prova de poder militar e são contadas de forma simples e rápida, sem nos determos em detalhes hediondos, a violência dos nativos, por mais horrível que seja, é deliberadamente exagerada." [7] De acordo com Berthold Seewald, o repórter do Times William Russell, que visitou Kanpur alguns meses depois, também reconheceu que a mídia baseou-se principalmente em cartas escritas "por mestres habilidosos neste tipo de culinária com tantos apimentados horrores como a imaginação nunca concebeu.” [8º]

As atrocidades efectivamente cometidas, e mais ainda as que foram inventadas, foram utilizadas como justificação para todas as medidas retaliatórias da potência colonial inglesa, por mais infames que fossem: “Se o horror que os britânicos viram no terreno já era suficiente para provocar uma retaliação brutal, então foi o caso da onda de indignação nacional da Europa par se livrarem de todas as inibições. Os sipaios que tiveram o azar de serem capturados tiveram que lamber o chão da casa das mulheres com a língua antes de serem enforcados. Anteriormente, os muçulmanos eram costurados em torresmos de porco e os hindus eram forçados a comer carne bovina. Aldeias inteiras foram arrasadas e os prisioneiros foram amarrados à boca dos canhões antes de serem disparados.”

Estes métodos bestiais de retaliação foram cometidos com uma motivação especial: “A gravidade especial do massacre de Kanpur foi o facto de ter sido cometido por um povo subjugado - por homens de pele escura que ousaram derramar o sangue dos seus senhores, de senhoras e senhores e dos seus  filhos indefesos.” Foi assim que o correspondente de guerra britânico William Howard Russell explicou o “crime notável” que ocorreu no verão de 1857, no auge da rebelião indiana. Teria um impacto duradouro na maneira como os britânicos viam seus súditos. O massacre de Kanpur continuou a ter impacto mesmo depois de a revolta ter sido reprimida. Tornou-se a justificativa frequentemente citada para o trauma do “perigo sempre oculto para a mulher branca, proveniente do desejo desenfreado do nativo selvagem, que, mesmo entre os índios da classe alta, estava, na melhor das hipóteses, adormecido sob uma fina camada de suposta identidade europeia”, educação e costumes, como formulou o historiador Peter Wende. Tais clichés colonialistas e racistas persistiram até aos dias de hoje. [10]

O massacre do Hamas

Em 7 de outubro de 2023, combatentes da ala militar da organização palestina Hamas ultrapassaram a cerca fortemente fortificada da fronteira entre a Faixa de Gaza e Israel, atacando assentamentos ali e um festival da juventude que acontecia diretamente ao lado da cerca. Eles mataram cerca de 1.200 pessoas, israelenses e membros de outras nações. A avaliação de Marx das acções dos sipaios como "de facto terríveis, horríveis, indescritíveis" também se aplica à violência do Hamas. Além dos soldados, centenas de pessoas inocentes, homens, mulheres e crianças, foram mortas e famílias inteiras foram executadas em conjunto. Cerca de 230 reféns foram sequestrados.

Tal como naquela altura quase não se falava sobre as causas da violência que eclodiu na Índia, hoje há silêncio sobre o sofrimento, o desespero e a desesperança dos palestinianos na “prisão aberta” de Gaza. O que não é mencionado é que o povo palestiniano tem sido sujeito a uma política de opressão, expulsão e terror desde a fundação do Estado de Israel em 1947. A política e a mídia ocidentais ignoram isso em grande parte. Em vez disso, adoptam a visão de 1857 da Sociedade Americana para a Paz sobre a Revolta dos Sepoys, segundo a qual os combatentes do Hamas eram apenas "bandidos e criminosos", agora sumariamente rejeitados como "terroristas". Portanto, não se trata de uma guerra, apenas de um confronto entre criminosos comuns e forças policiais.

A vingança israelense

Assim, o governo israelita banaliza as “medidas anti-terrorismo” ao descrever a sua guerra na Faixa de Gaza. E num comentário no Frankfurter Allgemeine Zeitung, “a dizimação do bando terrorista” é exigida como um “pré-requisito para uma paz duradoura”. [11] Em Maio de 1917, Lenine escreveu no seu panfleto “Guerra e Paz” sobre estas questões coloniais, guerras, que na verdade não são guerras, deveria ser: “Tomemos a história das pequenas guerras (…), porque nestas guerras morreram poucos europeus, mas morreram centenas de milhares de pessoas dos povos que escravizaram, que do seu ponto de vista nem sequer são vistos como povos (algum asiático, africano - são estes povos?); Com estes povos travaram-se guerras do seguinte tipo: não tinham armas e foram assassinados com metralhadoras." E acrescentou sarcasticamente: "São guerras? Na verdade, estas não são guerras; elas podem ser esquecidas.”

Tal como a vingança dos ingleses em 1857 foi excessiva e extremamente cruel, a retaliação de Israel hoje também excede qualquer proporcionalidade e é justamente condenada como genocídio na sua destrutividade: “Mais de 40.000 mortos, incluindo 36.330 civis, 14.861 crianças e 9.273 mulheres 'Euro-Med Human Rights Monitor' após 160 dias de guerra contra Gaza. 74.400 feridos, dois milhões de deslocados, 112.000 completamente destruídos, 256.100 edifícios residenciais gravemente danificados, 2.131 empresas destruídas, 634 mesquitas destruídas, três igrejas destruídas, 200 locais de património cultural destruídos, 175 escritórios de comunicação social destruídos ou gravemente danificados e 134 jornalistas mortos na linha de dever." [13]

Mas enquanto cada pequeno detalhe do destino dos israelitas mortos e feridos é relatado repetidamente em detalhe, e um movimento de solidariedade global tem sido organizado para os reféns raptados, as vítimas palestinianas, que chegam a dezenas de milhares, permanecem sem rosto e, portanto, anônimo. Os bombardeamentos indiscriminados do exército israelita, por si só, significam que apenas alguns jornalistas se atrevem a ir à Faixa de Gaza e, por isso, há cada vez menos notícias e imagens do sofrimento dos palestinianos. Tal como as atrocidades dos britânicos na Índia, as dos israelitas são hoje - como escreveu Marx - "apresentadas como prova de poder militar e contadas de forma simples e rápida (...), sem insistir em detalhes hediondos".

Acontece assim que existem paralelos impressionantes entre a revolta indiana de 1857 e o ataque do Hamas em 2023. As reacções excessivas a isto – na altura por parte dos ingleses, hoje por parte dos israelitas – também são semelhantes. E isso é tudo menos acidental, pois o colonialismo ainda existe. Sendo uma democracia de “raça superior”, Israel oprime os palestinianos.

Em 1947, 90 anos após a revolta dos sipaios, a Índia conquistou a sua independência e conseguiu libertar-se do jugo colonial. Os palestinos esperam pelo seu Estado há 76 anos. Mas o dia da liberdade chegará para eles também.

Notas:

[1] Berthold Seewald, Revolta Indiana: O Trauma Britânico do Massacre de Kanpur, em: História Mundial de 22 de janeiro de 2022

[2] Karl Marx, A Revolta Indiana, em Marx-Engels-Werke (MEW), Volume 12 pp.

[3] Karl Marx, A Revolta Indiana, ibid, p.

[4] Ibid.

[5] Ibid.

[6] Ibid.

[7] Ibid.

[8] Berthold Seewald, Revolta Indiana: O Trauma Britânico do Massacre de Kanpur, ibid.

[9] Ibid.

[10] Ibid.

[11] O alvo em Gaza, em: FAZ de 10 de abril de 2024

[12] Lenin, Guerra e Paz, Obras de Lenin, Volume 24, Berlim 1959, p.

[13] Horror sem fim, em: Nosso tempo de 22 de março de 2024

Imagem: O massacre de Kanpur em um relato contemporâneo, jenikirbyhistory

 “Atrocidades e retaliação: o massacre do Hamas e a guerra de Israel no espelho da história” 

Como era a luta contra o fascismo antes do 25 de Abril de 1974?

24.04.24 | Manuel

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Com esta cronologia sobre os acontecimentos que marcaram os últimos anos do regime fascista, visamos mostrar que, quando se dá o golpe de 25 de Abril de 1974, o regime já se encontrava completamente minado pela luta revolucionária dos operários e da juventude e que essa intervenção antecipada no tempo apenas visou impedir que o poder caísse na rua e o povo tomasse conta da situação.

Os partidos trazidos para o poder pelo MFA, e o próprio, pretendiam que o povo ficasse pacificamente em casa ou nos locais de trabalho, deixando os novos senhores a governar à sua vontade. Não foi isso que aconteceu, os operários vieram para a rua, ocuparam as empresas, reclamaram o poder político, embora não tivessem uma consciência perfeitamente clara disso. Se a revolução falhou, um balanço se impõe e as devidas ilações devem ser retiradas.

- 1969. Inauguração do novo edifício das Matemáticas da Universidade de Coimbra. Presença do fascista Tomás contestada. 17 de Abril e os acontecimentos precipitam-se. Repressão pela polícia de choque. Greve às aulas. Ocupação policial das instalações universitárias. O regime é abertamente contestado, nas assembleias magnas, nas paredes, no Estádio Nacional, onde a Académica disputa a final da Taça, vêem-se as palavras de ordem: “Ensino para Todos”, “Universidade Livre”. É a Crise Académica de 69.

- 19 de Fevereiro de 1971 - A luta contra a guerra colonial. Surgem os CLAC's (Comités de Luta Anti-Colonial). No dia anterior, algumas dezenas de soldados, com 17 meses de serviço militar, recusam-se a embarcar para a Guiné.

- 1971, ANO DE IMPORTANTES LUTAS OPERÁRIAS – Greves: Firestone (Alcochete); Lisboa e Sacavém (impedimento de saída dos soldados em alguns quartéis); Cabo Ruivo (fábrica Barros Henriques); Ovar (Rabor); manifestação dos “caixeiros” frente a S. Bento reprimida pela polícias com dezenas de feridos – pressionados pelo acelerar vertiginosos do custo de vida, os trabalhadores lutam pelo aumento geral dos salários e contra os despedimentos.

- Luta estudantil: Coimbra (prisão de 30 estudantes e encerramento da AA-C); Lisboa (dirigentes associativos presos e instalações de diversas faculdades invadidas pela PSP) – luta-se contra a repressão e contra a guerra colonial, luta-se contra a reforma fascista do ensino conduzida pelos “liberais” e “tecnocratas” com o ministro Veiga Simão à frente.

- 1º de Maio de 1971: uma grande jornada de luta contra a repressão fascista, pela liberdade e democracia; contra a exploração capitalista na fábrica e no campo; contra a guerra colonial e o imperialismo.

- 21 de Maio: Nas oficinas dos TLP, operários insurgem-se contra a tentativa da administração da empresa de os transferir para instalações para fora de Lisboa (Venda Nova).

- Luta nas escolas, 25 de Maio: greve geral e boicote às aulas dos estudantes de Ciências (Lisboa) como resposta à repressão exercida pela polícia, Pide e legião no prosseguimento de uma campanha de agitação de rua levada a cabo pelos estudantes.

- Repressão nos quartéis: Escola Prática de Cavalaria em Santarém; Escola Prática de Infantaria em Mafra; RI 7 de Leiria.

- 4 de Junho de 1971 : 4 milicianos (cadetes) morrem afogados na instrução em Mafra.

- Luta nas OGMA: Nascem os Comités Operários (CO). O C.O. (Do comunicado nº.2 do C.O.) mostra como está intimamente ligada a luta contra a repressão na fábrica e a luta contra a guerra colonial - o P”C”P promove piqueniques com a administração e encarregados ,- precisamente numa das fábricas mais estratégicas para o regime.

- “RESISTÊNCIA” (Órgão da RPAC): “Guerra à guerra!” – “deve ser a palavra de ordem de todos os núcleos de resistência anti-colonial e de todos os militares revolucionários...

- “Tráfico de carne humana” - 29 de Julho de 1971, o sr. Jacques W. Tihé, obscuro funcionário do governo francês, desce em Lisboa trazendo na pasta “novos” acordos sobre a emigração.

- Dec.-Lei nº 520 (24 de Novembro de 1971) – Rapazote, ministro do Interior, prepara o desencadear da repressão fascista sobre o movimento cooperativista.

- Dezembro de 1971 – Cimeira nos Açores: Nixon, Pompidou encontram-se nos Açores para discutir a melhor maneira de dividir entre si as presas, são recebidos pelo lacaio Marcelo.

1972 - A LUTA CONTRA O REGIME FASCISTA INTENSIFICA-SE nas diversas frentes, as lutas e as greves aumentam em número e em intensidade.

- 25 de Fevereiro de 1972: Jornada de Luta Contra a Guerra Colonial-imperialista . Desde o princípio do ano intensamente convocada pelos CLAC's e pelo Movimento Popular Anti-Colonial (MPA-C), através de publicações e de inscrições. Na madrugada do dia 25, a Praça do Chile em Lisboa é ocupada pela polícia de choque, pides, legionários e outros bufos à paisana; perante este aparato, cerca de um milhar de pessoas concentra-se nas imediações mas não conseguem arrancar em manifestação, mas não se desiste, uma nova concentração arranca na Estefânia dirigindo-se até ao Saldanha, percorre algumas artérias, dispersa-se por fim na Avenida da República, pelo caminho montras de bancos e do “Pão de Açúcar” são destruídas e a repressão não a consegue deter.

- Porto, 15 de Abril: alguns milhares de manifestantes protestam contra a carestia de vida, o aumento dos transportes, das rendas de casa. A polícia reprime.

- Coimbra, 13 de Maio: os estudantes contestam e boicotam as reaccionárias celebrações da “Queima das Fitas”.

- Lisboa, 11, 16 e 17 de Maio: Estudantes, cooperativistas e trabalhadores manifestam-se contra a guerra colonial, a polícia invade o IST e o ISCEF – em ambas as intervenções a polícia sofre alguns feridos.

- 1º de Maio de 1972 : dia de luta e de revolta. Convoca-se o 1º de Maio dia de greve. Cerca de 50% do Orçamento é dedicado à defesa, a GNR reprime os protestos de trabalhadores na Lisnave (Cacilhas), Siderurgia Nacional (Seixal), CUF (Barreiro) e CPE (Carregado) – a camarilha marcelista procede à militarização da sociedade portuguesa; em Campolide, no Lumiar, Olivais e Aeroporto, barracas são destruídas pela polícia durante a noite e os trabalhadores do Hospitais Civis de Lisboa são colocados sob controlo militar.

- Farsa da “eleição” presidencial, em 25 de Julho de 1972: o caquético e imbecil Tomás é, outra vez, o único candidato.

- Greve na fábrica Hipólito e lutas na MAGUE, na Previdente em Alhandra, Progresso em Alcântara, Nitratos em Alverca, CUF e NOALI no Cartaxo e dos operários vidreiros na Marinha Grande.

- Nova Lei de Imprensa é publicada pelo governo marcelista - Lei que abrange tudo o que é escrito e publicado, livros, revistas, jornais, e as pessoas e empresas que os escrevem e publicam.

- 12 de Outubro de 1972: É assassinato pela Pide o estudante de direito, Ribeiro Santos - greve e manifestações estudantis. O 12 de Outubro marca o princípio do fim irreversível do fascismo, daqui para a frente nada fica na mesma. A situação fica incontrolável, primeiro nas escolas, depois nas fábricas.

- 24 a 27 de Dezembro, luta nas prisões - greve de fome do nacionalista moçambicano Domingos Arouca e do Presidente Honorário do MPLA, Joaquim Pinto de Andrade.

- A Manifestação do Rato, 30 e 31 de Dezembro de 1972 – Cerca de três centenas de manifestantes concentraram-se na Igreja do Rato, em Lisboa, para protestarem contra a odiosa guerra colonial, onde foram aprovadas moções de apoio à luta de libertação nacional dos povos de Angola, Moçambique e Guiné, mantendo uma greve de fome até à investida da Pide que, com a bênção do Patriarcado, invadiu a Igreja e prendeu um grande número de manifestantes.

- 1973 COMEÇA COM GREVES: Luta dos operários da Fábrica de Papel da Abelheira, da Gialgo no Porto, e da fábrica “Cerâmica do Centro” em Leiria: cerca de 1 000 operários ficam desempregados devido ao encerramento destas unidades industriais.

- Amílcar Cabral, fundador e secretário-geral do PAIGC, é assassinado de forma cobarde e traiçoeira pela Pide, 20 de Janeiro de 1973.

- Praça do Chile, Lisboa, 9 de Fevereiro, 1973 - uma vigorosa campanha de agitação e propaganda denunciado este novo crime do colonialismo português culmina como uma concentração de mais de 2000 mil pessoas que, resistindo com firmeza às agressões policiais, consegue romper em manifestação pela Rua Morais Soares acima, levando à frente um cartaz que dizia “VIVA AMILCAR CABRAL”.

- Prosseguindo as Jornadas Anti-colonialistas , nova Jornada de Luta do Povo Português contra o Colonialismo , convocado pelo MPAC, agora no Largo de Alcântara, em Lisboa, 21 de Fevereiro – cerca de 3 mil pessoas concentram-se e destas cerca de um milhar vêm a constituir um cortejo que chegou a percorrer alguns quilómetros pelas ruas da cidade, desfraldando bandeiras vermelhas ao som de “Guerra do Povo à guerra colonial”, “Vinguemos Amílcar Cabral” e “Amílcar Cabral-Ribeiro Santos, o mesmo combate!”

- 1973, 1º de Maio Dia de Luta e Greve – Alguns milhares de trabalhadores, estudantes e soldados descem à rua, Rossio, Restauradores e Praça da Figueira, respondendo à palavra de ordem de: o 1º de Maio é Vermelho! Cerca das 19h20m, o centro da Praça do Rossio, encontra-se já ocupado pelo povo, os polícias encontram-se em dezenas de carros, jipes, carrinhas e alguns blindados, com o famigerado capitão Maltês à frente.

- Nas vésperas , milhares de comunicados, tarjetas, selos e de inscrições murais tinham levado às massas populares as consignas do 1º de Maio: em Lisboa, nos arredores, desde Cascais a Vila Franca de Xira; em diversos pontos da Margem Sul, Cova da Piedade: em Santarém, Leiria e no Porto. Entre os dias 28 de Abril e 2 de Maio, a Pide, a GNR, legionários e polícias à paisana, e a Polícia Militar com cães em rusgas e operações stop, assaltam e revistam inúmeras casas e prendem “preventivamente” várias dezenas de pessoas, nomeadamente em Lisboa e na Margem Sul, e com as prisões efectuadas no 1º de Maio, Caxias viu-se com mais de cerca de 600 presos.

- Várias lutas que, desde os princípios de Março, antecipam a jornada do 1º de Maio: os operários rurais de Alpiarça lançam-se em greve contra os latifundiários, por aumentos de salários, o que não acontecia há mais de 10 anos; estalam movimentos de protesto em bairros pobres e populares da capital, Musgueira, Chelas, Moscavide, Liberdade, Poço do Bispo, Buraca e nos arredores, Quinta das Covas, Casal do Marco, Tires, S. João de Rana.

- Paralisação parcial dos trabalhadores dos Correios, 14 de Março, contra o congelamento dos salários, com concentração no Terreiro do Paço.

- Fins de Março e princípio de Abril, uma importante luta estudantil a escala nacional desencadeia-se, com uma nova característica, a luta é levada para junto do povo e dos operários: manifestando-se contra a militarização fascista da Universidade, centenas de estudantes descem ao Rossio, vão à Picheleira e a Chelas e na Estrada de Benfica, entre a Circular e o Largo, 19 horas, dia 3 de Abril, ostentando bandeiras vermelhas e cartazes com slogans revolucionários, distribuem propaganda às pessoas que passam, apedrejam os bancos, e palavras de ordem são inscritas nas paredes, muros e... nos autocarros da Carris e da “Eduardo Jorge”. Também em Março, importante luta reivindicativa por parte dos enfermeiros dos Hospitais Civis.

- Dia 30 de Abril, 12h30m, Venda Nova, Amadora, vários milhares de trabalhadores metalúrgicos, principalmente da Sorefame, concentram-se na rua, palavras de ordem são gritadas, aparecem algumas bandeiras vermelhas e inscrições surgem nas paredes: “Todos ao Rossio às 19.30!”, “O 1º de Maio é Vermelho!” e “O 1º de Maio é dia de luta na rua e de greve!”

- Dia 1 de Maio de 1973 – Greve na Sorefame e na Cometna, no dia 2 estala a greve na Celcat. Ao meio-dia, numa corajosa e exemplar atitude, algumas centenas de estudantes concentram-se no interior do cemitério da Ajuda e junto à tumba de Ribeiro Santos. Uma bandeira vermelha é deixada na campa.

- “Médice fora de Portugal!”: Visita do Presidente do Brasil a Portugal, a instâncias de Marcelo Caetano. O MPAC denuncia, através de tarjetas profusamente distribuídas, o carácter altamente colonialista desta visita.

- Primeira semana de Junho de 1973, digressão pelo país da companhia de bailado israelita Batsheva Dance Company, subsidiada pelo banqueiro Rotchild, dentro das comemorações da vitória sionista sobre o povo palestiniano, o Egipto e Síria em 5 de Junho de 1967.

- Comemoração do sexto centenário da Aliança Luso-Britânica: “600 anos de afrontas e vexames ao povo português” .

- 10 de Junho, Dia da Raça - “…dia de confraternização e da cultura nacional, é uma data com grandes tradições progressivas e patrióticas” (Avante nº 317, ano 31, série V) ou “Incluímos nas jornadas anti-imperialistas a festa reaccionária do 10 de Junho...” (Do Luta Popular: “Abaixo o chauvinismo! Viva o Internacionalismo!”).

- Espanha, 1 e 2 de Maio, 1973, centenas de milhares de trabalhadores e de anti-fascistas manifestam-se contra a repressão em várias cidades, em Madrid um esbirro da polícia secreta franquista é morto pelo povo espanhol – em Lisboa apela-se à solidariedade com a gloriosa luta dos povos de Espanha.

- Corre sangue na TAP – Dia 12 de Julho de 1973, balas assassinas da polícia abatem cobardemente um operário da TAP, cujo corpo é de imediato sequestrado pela polícia para impedir a sua identificação, e dois outros operários são gravemente feridos: o operário Fernandes da Oficina de Motores e o operário Amaral do Equipamento. Os trabalhadores da TAP lutam pelo aumento imediato dos salários e pela satisfação de outras reivindicações

- Luta pela semana das 40 horas dos operários da indústria electrónica, surgem novas formas de organização dos operários – os Comités Operários – como direcção de luta.

- Salário igual para as operárias , assim como salário igual para todos os operários da indústria electrónica qualquer que seja a empresa onde trabalham, aumento de salários , supressão das horas extraordinárias e supressão dos prémios e multas .´

- Fábricas em luta: Automática (Lisboa e Corroios), Standard (Cascais), Control Data e Signetics (Setúbal), Grundig (Braga), General Instruments Limited (Arruda dos Vinhos), Bruno Janz e Philips (Lisboa).

- Farsa eleitoral do dia 25 de Outubro. Perante o isolamento da camarilha marcelista e à fraca aderência do povo à farsa eleitoral, o P”C”P, instalado na C”D”E, é obrigado a fazer um volte-face da sua política, não comparecendo no último acto da farsa com que zelosamente tinha colaborado.

- Diversas manifestações operárias e populares pelo país fora e na capital. No Porto, no Fundão, na Marinha Grande, Vila Franca de Xira, Alenquer, Torres Vedras, Arruda dos Vinhos.

- Coimbra, 24 de Outubro, à noite, Teatro Avenida, as pessoas presentes numa sessão de propaganda do “Movimento Democrático” foram reprimidas pela polícia que apagou a luz e carregou à bastonada. Surgem comunicados do MRPP com o título: “Começou a farsa eleitoral. Boicotemos activamente as eleições fascistas-revisionistas. O povo vota na rua!”

- 1973, Dia 13 de Novembro - Os estudantes da faculdade de Direito de Lisboa entram em greve pela expulsão dos gorilas da Faculdade.

- Dia 19 de Novembro - O Instituto Superior Técnico é fechado pelo governo fascista-marcelista para, segundo as palavras do director fascista Sales Luís, “tomar um conjunto de medidas impopulares” na tentativa vã de pôr cobro a uma luta tenaz dos estudantes, iniciada no mês de Maio e que teve vários desenvolvimentos ao longo do ano e que acaba por sair vitoriosa.

- A partir do dia 21, a camarilha marcelista, impotente em dobrar os estudantes, ocupa militarmente toda a Cidade Universitária, com centenas de polícias armados de metralhadoras, bastões e granadas lacrimogéneas. A luta extravasa para outras escolas de Lisboa, Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), onde os estudantes decretam greve até 3 de Dezembro, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e de Empresa (ISCTE) e Instituto Superior de Economia (ISE).

- Coimbra, dia 21 de Novembro, 1973, visita do fascista ministro dos Negócios Estrangeiros do governo franquista, Lopez Rodó, que vem fazer o seu doutoramento “Honoris Causa” – 12 horas, mais de oitocentos estudantes concentram-se junto à Faculdade de Letras, enquanto gritam palavras de ordem: “Rodó assassino fora de Portugal!”, “Viva a justa luta dos Povos de Espanha!” e “Abaixo a Guerra Colonial!”, são carregados pela polícia de choque que impede a entrada pela Porta Férrea. Depois da dispersão, os estudantes concentram-se na Cantina onde se realiza um meeting e são aprovados várias moções de apoio à luta dos povos das colónias e de Espanha e de condenação à aliança reaccionária entre as burguesias dos dois países, assim como de apoio à luta dos estudantes do Técnico e de Direito de Lisboa.

- “Kissinger Fora de Portugal!”, 17 de Dezembro de 1973 – Surgem comunicados onde se “conclama o povo português a transformar a humilhação que é a presença em Portugal do enviado imperial Kissinger, numa jornada de luta popular e patriótica contra o imperialismo, o colonialismo e a camarilha ianque-marcelista...” - Grupos de manifestantes concentram-se na Praça Marquês de Pombal defronte do forte dispositivo militar que defende a embaixada ianque; 18h30m, a zona do Marquês e da Rua Castilho é percorrida por manifestantes que apedrejam as instalações de empresas imperialista Mobil, Ibéria, Ford e Selecções Reader Digest.

- Cipriano Martos, operário da construção civil, revolucionário espanhol e militante do PCE (m-I) torturado e assassinado pela Guarda Civil franquista em Tarragona.

- Greves e lutas populares em final de 1973 e princípio de 74: DYRUP (Sacavém) por aumento de salário e contra as horas extraordinárias, ROBBIALLAC (Bobadela) aumento de salários e ocupação da fábrica como resposta à tentativa de black-out patronal, MONDET (Montijo), Eduardo Jorge (Lisboa), SOREFAME (Venda Nova), COMETNA (Venda Nova), todas em greve por aumento geral de salários, SACOR (Leça da Palmeira) em greve de solidariedade contra os despedimentos, IMA (Setúbal) em greve de cera durante duas semanas, FÁBRICA DOS GALEGOS (Beira Baixa) em greve por aumento do salário, FIAÇÃO DO CÁVADO (Braga), os 1 200 operários em luta contra os despedimentos colectivos.

- Manifestações anti-colonialistas convocadas pelo MPAC para o dia 21 de Fevereiro, em Lisboa, Porto e Coimbra.

- Lisboa – Dezenas de milhares de populares enfrentam heroicamente a repressão policial e lançam-se ao contra-ataque, a polícia é repelida (como é obrigado a referir o jornal Expresso, em primeira página) com matracas e barras de ferro. A manifestação faz-se.

- 1º. DE MAIO - Convoca-se o 1º. de Maio Vermelho, por toda a zona da capital e zona industrial, e em algumas das principais cidades do país, aparecem milhares de tarjetas e de comunicados bem como centenas de inscrições nas paredes, os mentores do golpe em preparação, atendendo ao que acontecera no dia 21 de Fevereiro, e com medo de que o regime caia na rua, antecipam-no para o dia 25 de Abril.

(Jornais consultados: “Avante”, “Luta Popular”, “Expresso” e “Diário de Lisboa”).

Origem

William Shakespeare: 23 de abril de 1564 - 460º aniversário

23.04.24 | Manuel

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William Shakespeare e a Nova Ordem Mundial antes e agora: “O inferno está vazio e todos os demónios estão aqui”

“para desmascarar a falsidade e trazer a verdade à luz”.

Aniversário de Shakespeare: 23 de abril. 1564. 460 anos atrás. 

William Shakespeare, nascido em 23 de abril de 1564 (não confirmado), batizado em 26 de abril de 1564, morreu em 23 de abril de 1616. É também o aniversário de seu falecimento. Seu legado viverá para sempre. 

Hoje celebramos o 460º aniversário do nascimento de William Shakespeare. que nos ensinou a nunca nos desesperarmos em nossa decisão de buscar a verdade e enfrentar a mentira. 

“desmascarar a falsidade e trazer a verdade à luz”.

Sinais dos nossos tempos: os criminosos de guerra em altos cargos são celebrados como mensageiros da paz:

“E assim eu visto minha vilania nua, … E pareço um santo, quando quase sempre faço o papel do diabo.” (Shakespeare, nas palavras do rei Ricardo III)

Aqueles comprometidos com a “segurança por meios militares” assumiram o comando do Prémio Nobel da Paz…

“Sem lei são aqueles que fazem da sua vontade a sua lei”.

A Mentira se torna a Verdade.

As realidades estão viradas de cabeça para baixo.

A guerra se torna paz.

As “guerras humanitárias” são travadas com os sistemas de armas mais avançados para resgatar aqueles que sofrem a opressão.

“A comunidade internacional” é o repositório da “Verdade”, que não pode mais ser contestada. A inquisição americana prevalece.

É imposto um consenso político não vinculativo.

Aqueles que ousam opor-se à “Paz” e à “Responsabilidade de Proteger” (R2P) da OTAN são rotulados de terroristas.

Os bandidos estão à espreita

Terroristas malvados com kalashnikovs estão a ameaçar a segurança dos Estados Unidos da América e do seu arsenal de triliões de dólares de armas nucleares “pacificadoras”, que, de acordo com pareceres científicos de especialistas contratados pelo Pentágono, são “inofensivas para a população civil circundante”. “(Opa, as kalashnikovs foram inventadas por um russo. Por que eles não estão na lista negra do boicote à Rússia).

Prevalece uma dicotomia entre o bem e o mal: um “Choque de Civilizações”.

O Ocidente tem uma “Missão”: “Devemos lutar contra o mal em todas as suas formas como meio de preservar o modo de vida ocidental”. Os perpetradores da guerra são apresentados como vítimas.

Quebrar a Mentira significa quebrar um projecto criminoso de destruição global, no qual a busca pelo lucro é a força dominante.

Quando a mentira se torna verdade, não há como voltar atrás

Esta agenda militar orientada para o lucro destrói os valores humanos e transforma as pessoas em zombies inconscientes.

Vamos inverter a maré

Nas palavras de Shakespeare a respeito dos arquitetos da Nova Ordem Mundial: 

"O inferno está vazio e todos os demônios estão aqui."  

A nossa tarefa indelével é enviar os “demônios” do nosso tempo (Netanyahu, Biden, von Der Leyen, Scholz, Macron, et al), bem como os autoproclamados arquitetos da “guerra humanitária” e do “mercado livre”, para baixo para onde eles pertencem por direito. 

“Alguém pode sorrir, sorrir e ser um vilão!”

Desafie os criminosos de guerra “sorridentes” em altos cargos e os poderosos grupos de lobby corporativo que os apoiam. incluindo Klaus Schwab, Bill Gates, Albert Bourla, et al. 

Quebre a Inquisição Americana.

Minar a cruzada militar EUA-OTAN-Israel. 

Fechar as fábricas de armas e as bases militares.

Os membros das forças armadas devem desobedecer às ordens e recusar-se a participar numa guerra criminosa.

Traga as tropas para casa.

Feliz aniversário, querido William.

Por Michel Chossudovsky

Origem 

Fernando Oneto fala da sua experiência como preso político

20.04.24 | Manuel

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 Fernando Oneto, membro da «Luar», várias vezes preso pela PIDE/DGS, conta-nos, a nosso pedido, as suas experiências como preso político, durante o tempo em que esteve no Aljube e em Caxias (Entrevista conduzida por Raul Paulo e publicada in “Podium”, 09/1975).

Começou por dizer-nos:

FO - Enquanto estive preso, fui maltratado como todas as pessoas que eram presas. No entanto, o que me custou mais a suportar foi a tortura do sono. Esta tortura foi-me aplicada, de uma vez, durante oito dias e nove noites. Depois, fui espancado três noites seguidas e aplicaram-me mais tortura do sono.

POLÍCIA TECNICAMENTE MUITO MÁ, GOZAVA DE VANTAGEM EXTRAORDINARIA

FO - A tortura do sono foi estudada sob todos os ângulos e já toda a gente sabe qual é a consequência directa no indivíduo que sofre a tortura do sono. Não dormindo, as pessoas não eliminam as toxinas; portanto, estão a ser envenenadas, lentamente, através deste processo. Qualquer indivíduo, ao fim de quatro dias sem dormir, começava a ter alucinações; ao fim de cinco dias, começava a falar sozinho; ao fim de seis dias, começava a entrar num estado de pré-loucura; e ao fim de sete dias, assinava aquilo que eles queriam e dizia coisas que normalmente não diria, etc.

- Aconteceu-lhe alguma vez ficar com alucinações?

FO - Pois com certeza que fiquei, como os outros... Eu via «cow-boys» durante a noite, pessoas a cavalgar e bichos no chão. Mas já está feito o estudo das reacções das pessoas à torturo do sono. Hoje em dia, isso é já suficientemente estudado. É curioso que, antes do 25 de Abril, li num jornal português que um indivíduo, se estivesse sem dormir dez ou doze dias, morria. Na ex-PIDE, estiveram indivíduos muito mais tempo sem dormir e não morreram. O caso máximo que eu conheço são dezoito dias, e refere-se a um militante do Partido Comunista, que não falou nem morreu, e esteve dezoito dias e dezoito noites sem dormir.

- Pode uma pessoa ficar psicológica e mentalmente afectada para a vida, com a tortura do sono?

FO - Pode e fica., de facto. Os médicos têm declarado que as pessoas ficam a sofrer, mais ou menos, afecções psíquicas. Eu, quando estava preso, dava gritos extraordinários, de noite.

Fernando Oneto vira-se para sua mulher e diz-lhe:

FO - Eram os gritos que o Matos falava.

Volta-se novamente para a reportagem de PODIUM e continua:

FO - As vezes ainda tenho pesadelos e dou gritos; mas isso são coisas que ficam gravadas no subconsciente e, em situações não controláveis de sono, vêm ao de cima. De resto, quanto a mim, não tenho qualquer tipo de mazela psíquica.

O QUE ERA A NOSSA EX-POLÍCIA POLÍTICA

A ex-PIDE/DGS tinha, no seu efectivo, 1 director-geral, l subdirector, 1 inspector, inspector-superior, 7 directores de serviço, 15 inspectores-adjuntos, 46 inspectores, 41 sub-inspectores, 159 chefes de brigada, 523 agentes de 1ª classe, 817 agentes de 2ª classe, 46 agentes motoristas, 9 chefes rádiomontadores, 33 radiotelegrafistas de 1ª classe, 68 radiotelegrafistas de 2ª classe, 5 fotógrafos mensuradores, 1 ajudante mensurador, 10 chefes de secção, 1 tesoureira, 20 primeiros-oficiais, 36 segundos-oficiais, 63 terceiros-oficiais, 89 escriturários de 3ª classe, 72 guardas prisionais, 12 guardas prisionais femininos, 181 escriturários-dactilógrafos de 2ª classe, 3 contínuos de 1ª classe, 4 ajudantes de motorista, 7 contínuos de 2ª classe, 7 serventes e mais 7 mulheres pertencentes a um quadro especial feminino. Eram, ao todo, mais de 2300 pessoas a pertencer à máquina repressiva que tanto mal-estar provocou nos portugueses.

Aqui, não se contam os informadores, que se calculam em mais de 20.000.

 

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 Aspecto do museu da Escola Técnica da PIDE em que se vê um cartaz do movimento estudantil contra a repressão fascista (Foto "DL")

- O que pensa sobre a ex-PIDE/DGS?

FO - Há uma quantidade de mitos sobre esta polícia que é preciso os pessoas definirem. A ex-PIDE era uma polícia política que gozava de uma vantagem extraordinária: a faculdade legal de poder dispor do preso durante seis meses sem intervenção estranha à mesma polícia. Uma pessoa era presa e estava, pois, seis meses ao dispor da polícia política, sem assistência de advogado, sem qualquer regalia. Isso, no mundo moderno, só se conhece exemplo igual na Africa do Sul. Na própria vizinha Espanha, a pessoa só pode estar presa, sem culpa formada, durante setenta e duas horas, findos as quais tem de ser entregue a um juiz. Mos em Portugal estava seis meses. A polícia, em Portugal, tinha tempo suficiente para fazer tudo o que quisesse. Cá, o problema do polícia política era muita simples: como a ex-PIDE beneficiava de uma situação legal verdadeiramente excepcional, e ainda porque a polícia, tecnicamente, era muito má, tinha gente de muito má qualidade, à excepção de quatro ou cinco agentes, a polícia não fazia investigação porque não precisava de a fazer. Quer dizer, a polícia, ao contrário de todas as polícias do mundo que investigam e depois prendem, o de cá prendia e investigava em cima do preso. Como? Torturando!

Era tudo muito simples. A polícia suspeitava de uma determinada organização ou de determinado cérebro de uma organização; conseguia detectar esse indivíduo e depois torturava-o até dizer o nome. Depois de dizer o nome, essa pessoa ficava presa... E faziam a mesma coisa com outra pessoa, e outra e outra...

Este era o sistema normal daquela polícia, a qual era extremamente simples a fazer investigações, sem qualquer vigilância judicial ou política. Quer dizer, dispunha do indivíduo a seu bel-prazer. Claro que uma pessoa podia ser presa, em Portugal, por diversos motivos: se fosse por assinar uma carta ao Presidente da República ou ao Presidente do Conselho, a policia, nesse caso, fazia um brilharete, porque chamava lá a pessoa que ficava detida durante um ou dois dias. Tratavam-na muito bem e depois punham-na na rua. Essas pessoas diziam que a polícia era uma coisa formidável! Se as pessoas eram combatentes antifascistas das diversas organizações, dos quais o P.C. foi o que mais duramente sofreu, a PIDE tinha um objectivo: prender a pessoa, que normalmente não falava. Como não falava, esta polícia tinha de ter um sistema que era o de destruir a pessoa. Sempre que fui preso, ninguém me perguntou nada. A pessoa era submetida à tortura do sono e outras torturas, como no tempo do Aljube, em que as pessoas eram metidas em celas de quatro palmos por oito, repito, quatro palmos por oito, sem luz natural.

Eu, só duma vez, estive três meses e meio numa cela dessas. Ninguém faz uma pequena ideia do que é estar preso numa cela com quatro palmos por oito, com quatro paredes e uma tábua que descia e fazia de cama. Ora, tal como eu já disse, a polícia, antes de averiguar o que queria averiguar, tratava de destruir o indivíduo em função da sua resistência. Se ele começasse a falar, não era preciso fazer muita coisa; se não falasse, pois sofria toda aquela gama de torturas, até falar. A tortura do sono foi o processo de tortura que mais dividendos pagou à polícia. No entanto, havia indivíduos que resistiam a ela e não resistiam aos tratamentos, por exemplo, pois da tortura do sono passavam logo para os tratamentos já que era exactamente o necessário para que eles falassem.

Havia outros que resistiam à tortura do sono e aos tratamentos, mas não resistiam ao buraco do Aljube, porque, parecendo à primeira vista não ser uma coisa muito importante, o certo é que dava cabo das pessoas. Havia indivíduos que resistiam a tudo isso, e não havia mais nada a fazer. A polícia política tinha que se aguentar, porque as pessoas não falavam mesmo. Simplesmente, ela dispunha de meios de pressão sobre os presos como raras vezes, em qualquer parte do mundo e em qualquer época da história, alguma organização policial teve sobre um preso, porque era perfeitamente incontrolável. Ninguém podia fazer nada em relação ao preso que estava na PIDE. Só ao fim de seis meses é que podia aparecer um advogado, mas, provavelmente, ao fim desse tempo, só eles tinham sabido, ou não, o que queriam. Isso dependia de várias circunstâncias, uma das quais era a resistência do próprio preso à tortura. Resumindo: a PIDE, que nós, agora, já, temos completamente desmantelada, era isto: prendia a pessoa sob a forma de um indivíduo cheio de força e de moral, e, antes de colher qualquer informação, tratava de destruir esse indivíduo, especialmente sob o ponto de vista de resistência psíquica.

- Acha que aprendeu qualquer coisa sobre a vida durante o tempo em que esteve preso?

FO - Da vida não se aprende nada nas prisões, mas cá fora. Claro que é uma aprendizagem, é uma experiência, mas que não fazia falta a ninguém. Conheço homens que andaram na luta e que nunca foram presos. Isto também é uma coisa que importava desmistificar um pouco. Refiro-me à ideia de considerar o preso político como o máximo da resistência neste país. É verdade que o militante político era conhecido através das prisões que tinha, mas conheço muita gente que fez coisas extraordinárias e que, ainda por cima, nunca foram presos. Esses é que são de louvar. Porque a prisão não fazia falta. Em termos de conspiração, era péssimo, porque o tipo que era preso, imediatamente era detectado, identificado e ficava fichado para o resto da vida. Quer dizer, ficava referenciado, o que dificultava sempre as operações futuras. Mas, evidentemente, nas prisões aprende-se muito, principalmente nos aspectos da solidariedade.

- No que respeita à sua família, acha que ficou afectada com a luta política empenhada pelo seu chefe, que foi preso várias vezes?

FO - Pergunte-lhes.

- Mas pensa que poderiam ter uma vida mais feliz e melhor, em todos os aspectos?

FO - Isso, com certeza. Mas a vida muito melhor que podiam ter, não é uma consequência das prisões, mas de uma opção que eu fiz, a determinada altura, enfim, de uma luta política, com as consequentes responsabilidades. Naturalmente, um indivíduo que entra na luta política e é preso; é solto e volta a ser preso; que depois foge e se exila, tem uma vida, do ponto de vista social e profissional, de grande instabilidade. Portanto, não pode fazer aquilo que se chama uma carreira. Nessa medida, as famílias são, evidentemente, afectadas, porque as pessoas, não tendo a possibilidade de ter uma actividade profissional regular e constante, pois são prejudicadas em relação aos outros que não eram presos e que podiam fazer a sua vida normal. Mas eu julgo que, com o 25 de Abril, as pessoas já se esqueceram do que passaram e do que sofreram.

- A propósito do 25 de Abril. O que é que sentiu quando soube da revolução?

FO -Estava em Paris e ouvi pela rádio, às sete da tarde (hora a que liguei o aparelho), portanto, já com a revolução vitoriosa, e só lhe digo que ia «morrendo da cura». Eu estava a ver que me apagava.

- Soube logo que a revolução era contra o fascismo?

FO - Sim, Aliás, já esperava.

- Já esperava, porquê?

FO - Em primeiro lugar, porque tinha conhecimento da existência, do movimento dos capitães. Em segundo lugar, porque, depois do 16 de Março, não havia dúvida nenhuma de que, mais tarde ou mais cedo, a coisa tinha que detonar em termos de vitória. Em terceiro lugar, porque efectivamente o noticiário da rádio era perfeitamente elucidativo: tinha havido a revolução, o Marcelo estava preso, o Tomás também, o general Spínola, como representante do Movimento das Forças Armadas, formaria a Junta Militar. Por isso, não tive a mais pequena dúvida de que a revolução era a nossa revolução.

- Na sua opinião, o 16 de Março teria sido a isca lançada pelo M.F.A. e que foi mordida pelo regime anterior?

FO - Uma isca não foi. Foi, isso sim, uma acção que correu mal. O M.F.A. era irreversível. Podia até haver dois ou três 16 de Março, que o Movimento acabava por triunfar na mesma. Da história do 16 de Março, não estou bem esclarecido, mas penso que foi uma bomba que detonou fora do tempo, num conjunto de uma salva de artilharia. O detonar dessa bomba foi um acidente. No dia 25 de Abril é que detonou a salva toda. Com estas impressões de Fernando Oneto sobre a PIDE, ficou-nos a certeza de um esclarecimento oportuno. Pensamos voltar com ele, para nos falar acerca da LUAR, organização revolucionária fundada por Palma Inácio.

Raul Paulo

  1. da R. -Como é do conhecimento público, os Pides que se encontram na Penitenciária de Lisboa fizeram um motim, não obstante as invulgares condições de excepção em que se encontram a pagar os seus crimes.

Entrevista publicada in “Podium”, 09/1975)

A lista dos bufos

16.04.24 | Manuel

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Permanece controverso o conteúdo do dossier em poder da Maçonaria. Lista de agentes e informadores da PIDE, lista de informadores da Legião ou mera lista de endereços de personalidades do Estado

Novo, são as várias versões que por ai circulam. Unânime mesmo só o silêncio sepulcral com que a nossa classe política acolheu a bombástica revelação do grão-mestre António Arnaut. Unânime e surpreendente, diremos nós, tendo em conta que decorrem as comemorações de mais um aniversário do 25 de Abril.

O problema não é certamente os agentes da PIDE. Em 1975, o Ministério da Administração Interna (MAI) editou uma relação completa dos funcionários da PIDE/DGS, mais tarde reeditada pela Bertrand, com a obra de Nuno Vasco, Vigiados e Perseguidos. Mesmo sabendo que a publicação do MAI teve uma tiragem limitada (e que as sobras foram destruídas!), não acreditamos que, durante estes 31 anos, algum membro da antiga policia politica tenha conseguido ocupar lugares de destaque em instituições ou empresas públicas portuguesas.

O risco de denúncia era demasiado grande, quer para o pide, quer para o empregador. Além disso, a generalidade dos funcionários da PIDE tinha habilitações literárias bastante modestas. Mas então porquê falar em ameaça à paz social, a propósito da hipotética divulgação deste dossier? Temos a impressão que, acima de tudo, se temia que fosse levantada uma ponta do véu que continua a encobrir o grande tema-tabu da nossa democracia; o vasto e odioso exército de informadores, os bufos. É que, se os pides foram denunciados, presos e até julgados, embora com muita discrição, o novo regime passou uma esponja sobre o papel dos bufos, Talvez porque tenham sido muito mais numerosos que os pides - refere Nuno Vasco, que, nos últimos 12 anos do fascismo, actuou um total de 15 mil informadores que, por razões ideológicas, a troco de dinheiro ou simplesmente por inimizade pessoal ou vingança, denunciavam colegas de trabalho, vizinhos, amigos. Talvez porque, contrariamente aos pides, os bufos tinham geralmente estatuto social elevado, condição indispensável para serem úteis na vigilância dos movimentos oposicionistas dos anos 60 e 70, que tiveram a universidade como palco privilegiado.

Será que a grande preocupação dos nossos "democratas" é a preservação do bom nome de alguns desses bufos? Achamos que não, o problema poderá ser outro, a revelação do papel que os bufos continuaram a desempenhar nas estruturas do regime inaugurado com o 25 de Abril.

Vêm-nos à memória os escândalos que estalaram na ex-RDA, após a queda do muro, quando a abertura dos arquivos da Stasi obrigou à demissão de alguns dos dirigentes políticos reciclados para a Alemanha reunificada. Ocorrem-nos também as denúncias de Alfredo Caldeira, um antigo membro da Comissão de Extinção da PIDE/DGS e Legião, que na citada obra de Nuno Vasco falava da oposição de alguns partidos políticos à divulgação dos nomes dos bufos e da tentativa de os reutilizar, logo a seguir ao 25 de Abril.

É um segredo de polichinelo que os arquivos da PIDE foram devassados por todo o tipo de gente nos dias que se seguiram à revolução. Sendo assim, haverá alguém ingénuo ao ponto de acreditar que não existam listas com os nomes de informadores, na posse das mais variadas forças políticas ou instituições, e não apenas da Maçonaria? E, no entanto, alguém se recorda de algum - ao menos, um - desses 15 mil bufos ter sido alguma vez denunciado publicamente por aqueles que conhecem a sua identidade? Apetece perguntar então: que preciosos serviços terá o prestado esses indivíduos (muitos deles, estamos em crer, altamente colocados nos escalões do poder) aos seus novos patrões, para que estes se tenham mostrado tão reconhecidos, a ponto de terem zelosamente protegido o seu bom nome durante mais de 30 anos?

Finalmente, caro leitor, não lhe parece que as óbvias respostas a estas óbvias perguntas não são razão suficiente para pôr em causa a paz social? Dificilmente algum partido, instituição ou individuo vai alguma vez admitir na sua posse ou ter utilizado - com o intuito de fazer chantagem - listas com informadores da PIDE, Não apenas porque isso é punido por lei, mas pelo medo de levantar o tapete para debaixo do qual foi varrido o lixo acumulado em três décadas de democracia. Mas uma democracia só se consolida com a verdade, nunca com encobrimentos.

É por nunca se terem ajustado as contas com o passado que continuamos a ver aquelas personagens cinzentas que nunca abrem a boca, mas tudo escutam, para depois poderem relatar (ou será delatar) aos ouvidos do chefe. Os dignos herdeiros de gerações e gerações de bufos portugueses...

Ana Paula da Silva Correia e José Rodrigues Ribeiro

(“Público”, 30/04/05)

Imagem de destaque: Caricatura de José Vilhena.

MALAS-ARTES, LETRAS BRUXAS

12.04.24 | Manuel

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José Cardoso Pires

Foi no Outono à noite, tinha eu vinte anos. As árvores da Avenida da Liberdade desfolhavam-se na ventania e logo ali no Cinema São Jorge, no Tivoli e no Politeama, grupos de jovens lançaram sobre a plateia uma chuva de outras folhas a outros ventos. Mal as luzes do intervalo quebraram a escuridão das salas, centenas de cidadãos estremunhados viram surgir no espaço bandos de mensagens voadoras que adejaram, até lhes caírem aos pés, com brados de revolta contra a ditadura do Dinossauro Salazar.

Foi um golpe de surpresa e de medo. Os moscardos da Polícia Política desataram a zumbir por todos os cantos e em menos de nada davam entrada no purgatório da PIDE da Rua António Maria Cardoso alguns dos panfletários em causa, entre os quais este aqui que se subscreve.

Mas eis que, dezenas de anos sobre isto, revejo na televisão o genial “Sentimento”, de Visconti, a abrir com uma sala de ópera invadida por nuvens de panfletos revolucionários sobre um fundo da “La Traviata”. E diante do ecrã recordo a noite salazarenta dos cinemas de Lisboa em alvoroço.

Sei que não foi na história vivida que Visconti recolheu esse apontamento mas na ficção dum escritor oitocentista, Camillo Boito, por isso digo para mim que, afinal, naquela aventura da minha juventude, tínhamos repetido não a experiência real doutros rebeldes, mas a imaginação duma escrita nunca lida por Nós.

Diz-se que a Natureza imita a Arte. Ou que a realidade copia o imaginado, o que vem a dar no mesmo. Imagina-se, confabula-se, e, sem que alguém se aperceba, está-se a antecipar o real. Mais, eu penso que a melhor narrativa de ficção é feita de hipóteses do homem e não de confirmações, e que, quanto mais inventiva, mais contribui para concretizar o mundo.

Aconteceu-me isso Há dois anos, quando, de regresso dos estados Unidos, peguei com a mão de Deus num apóstolo do Diabo que tinha visto a orar na praça pública em Filadélfia e fui pô-lo à entrada do World Trade Center, de Nova Iorque. Refi-lo, inventei-o. Chamei-lhe, por conta própria, Golden Menphisto e mandei-o declamar excomunhões fundamentalistas contra o imperialismo ocidental que o pobre-diabo nunca sonhara em todas as suas cruzadas. Depois passei-o à prosa em modelo de crónica livre, pus-lhe à cabeça o título de "O Diabo em Nova Iorque".

Meses depois, no mesmo PÚBLICO onde o tinha exposto a ameaçar o World Trade Center com um arsenal de profecias macabras, deparo com a notícia a todas as colunas do célebre atentado ao mesmo World Trade Center pelos terroristas do fundamentalismo islâmico. Como toda a gente, quase ceguei de indignação, mas lá muito no fundo, por entre os destroços, ainda me pareceu vislumbrar o Diabo que eu tinha trazido de Filadélfia para minha recreação.

Abordo estes acasos de quem escreve e, quase sem querer, vou mais longe. Londres, 1968. Num quarto de South Kensington invento uma morte excelente para o Salazar que então vivia em absoluto e prometia. Publiquei-a, está em livro ilustrado por João Abel Manta. É a fábula dum Dinossauro patriarcal que cai do trono abaixo e acaba sufocado pelas mentiras com que montou as suas máscaras.

A outra, a morte real do Ditador, veio depois e, se formos a ver bem, coincide com a da fábula por artes de bruxaria. Começa com o precalço doméstico da queda duma cadeira e acaba em mentira final com o Excelentíssimo, já à beira de defunto e sem coroa nem poder, a dar uma falsa entrevista, rodeado de ministros a fingir.

Por estas e por outras é que eu penso que a melhor narrativa de ficção é feita de hipóteses do homem e não e confirmações, e que, quanto mais inventiva, mais contribui para concretizar o mundo.

Por isso, recordo Júlio Verne como inventor de Cousteau e dos astronautas do nosso deslumbramento; leio o Drácula como uma personagem premonitória dos canibais que de tempos a tempos surgem nas páginas de crime da civilização contemporânea; leio e escrevo à procura de felicidade e também o mundo me aparece às vezes em momentos felizes para grande espanto meu.

E os escritores? Não se inventarão a eles mesmos para escrever?

(Publicado em “Público Magazine”, 25/06/1995)

 

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Entrada da tropa na sede da PIDE na António Maria Cardoso após rendição dos agentes aí acoitados (Foto "P")

Imagem de destaque: A chegada ao hosdpital de um dos feridos pelos disparos dos pides na António Maria Cardoso (Foto in "DL")

A actuação da PIDE/DGS na Guerra Colonial

08.04.24 | Manuel

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 A PIDE/DGS na Guerra Colonial*

Os métodos:

A Vigilância dos suspeitos

No mês de Maio de 1963, os movimentos do advogado angolano Diógenes Boavida eram acompanhados de muito perto. O polícia-vigilante escreve, no relatório referente a certo dia: «Chegou às 8,30 da manhã, saiu para o tribunal passados 18 minutos, voltou pelas 10,25 e saiu às 11,45». De tarde, «chegou às 15,30. Às 17,45 chegou X que ficou até tarde» . Na manhã do dia seguinte, «chegou às 10,45 e só saiu para almoçar». De tarde, «chegou às 15,45 e às 16,50 apareceu Y que ficou até tarde no gabinete».

Dias depois, o agente afirma ter sido vista uma bandeira no gabinete do Dr. Boavida, «de várias cores, em pano, tendo um medalhão com as letras MPLA. Esta bandeira foi metida numa das gavetas da sua secretária».

A Violação de correspondência

Nas colónias, as delegações da PIDE entregavam-se com afinco à violação da correspondência.

Em resultado dessa acção, por exemplo em Outubro de 1964, a polícia apreende uma carta de Iko Carreira, dirigente do MPLA, para o seu irmão, claro exemplo de subestimação da polícia pelos independentistas. Aí se declara que o esforço do MPLA se dirigia para a região de Cabinda e que existiam vários núcleos de resistência nos Dembos e em Nambuangongo. Afirma-se, ainda, que no MPLA estavam praticamente resolvidos os problemas raciais, embora fosse necessário continuar a desenvolver esforços no sentido de aproximar negros e mestiços.

A subdelegação de Nova Lisboa, acusada de não controlar toda a correspondência, como lhe exigiam, responde que isso se devia ao reduzido pessoal existente.

E em Cabo Verde, o inspector Santos Correia mostra-se alarmado pelo facto de o chefe da Estação Postal dos CTT de São Vicente, assim como dois distribuidores de 2ª classe, serem irmãos, respectivamente, de Aristides Pereira e de Pedro Pires, dirigentes do PAIGC. Qual o motivo de tanto alarme? Pois tão simplesmente o facto de aqueles elementos poderem verificar qual a correspondência fiscalizada pela PIDE/DGS.

A Identificação de pessoas

As muitas informações sobre a presença de argelinos e marroquinos nos movimentos de libertação levam a polícia a dar indicações facilitadoras da identificação dos muçulmanos em geral e dos argelinos em especial, para o caso de virem a ser detidos. Segundo a PIDE existiam pequenos hábitos e curiosas regras sociais, pormenores particulares e peculiares aos muçulmanos, argelinos e berberes. Entre os indícios apresentados referem-se: o limitarem o uso da mão esquerda, evitando comer com ela; o descalçarem primeiro o sapato do pé esquerdo, mas calçarem primeiro o pé direito; o assoarem-se com a mão esquerda; o levantarem sempre qualquer bocado de papel encontrado no chão; o taparem sempre a boca quando bocejavam fazendo-o com a mão esquerda e com a palma da mão virada para cima; o nunca comerem ou beberem de pé...

A Busca e revista de pessoas

A Delegação de Angola distribui pelas subdelegações e postos uma circular secreta sobre a vigilância nas fronteiras, de modo a evitar a emigração clandestina de africanos, que depois fossem engrossar os efectivos dos movimentos independentistas. Exige-se, pois: a identificação rigorosa dos africanos nas fronteiras; o levantamento correcto de todos os caminhos gentílicos para a fronteira, vigiando-os sobretudo ao amanhecer; rigorosas buscas pessoais; o alargamento da rede dos informadores, com os quais os contactos deveriam ser rodeados de todas as cautelas; e, ainda, a criação de um ficheiro de suspeitos de fácil consulta.

Numa referência especial às buscas, a polícia sublinhava que os africanos subversivos tinham o hábito de esconder papéis no forro da braguilha e, também, na bainha das calças, dentro do forro, ao fundo da perna.

O Uso de calúnias e aproveitamento de vulnerabilidades

No mês de Abril de 1963, na secção de anúncios do jornal Diário de Notícias , 1ia-se:

«Capitalistas: Grupo importante, conhecidos e honrados capitalistas propõe financiar desenvolvimento MPLA, Lda, Argel, contra garantias totais de salvaguarda das suas propriedades naquela província ultramarina. Resposta a M. Vinhas, Rua Afonso Henriques, 20, Monte Estoril».

Tratar-se-ia de uma campanha de boatos e calúnias que, segundo o jornal Notícias , de Lourenço Marques, atingia profundamente o carácter de um homem de bem. Aliás, o industrial publica no Diário de Notícias uma carta em que nega qualquer contacto com o MPLA ou com elementos suspeitos de Leopoldville, embora reconheça ter almoçado com uma sua antiga empregada, acusada de simpatizante do MPLA.

Não custa a acreditar que a própria polícia fosse a autora da calúnia. Isso estava dentro dos seus métodos de acção. O que se comprova através da ficha utilizada pela Divisão de Escutas Telefónicas da PIDE (a 6ª Divisão), que manda recolher elementos respeitantes a dificuldades na família ou no emprego, notícias sobre bens apreciados ou sobre a aceitação de espórtulas, assim como informações que depois pudessem ser utilizadas como chantagem, para assustar ou deprimir.

Sublinhe-se, aliás, o facto de a polícia estar particularmente atenta às vulnerabilidades dos movimentos independentistas ou dos seus dirigentes, designadamente aos antagonismos étnicos, às diferenças culturais, divergências ideológicas ou às lutas pelo poder. Tal atenção ressalta a cada passo na informação recolhida.

As Provocações

Em Novembro de 1965, em Farim, a polícia terá lançado uma bomba durante uma festa, provocando a morte de uma centena de pessoas. Acusaram, depois, os Africanos. O Departamento do Governador-Geral da Guiné informou que, em 1 de Novembro de 1965, uma «explosão terrorista» tinha deixado a população negra «em estado de choque», notícia o New York Times .

«Queriam arranjar pretexto para fazer prisões », garante o guineense Pedro Pinto Pereira, um admirador de Salazar.

As Rusgas

As «rusgas» eram levas ou arrebanhamentos indiscriminados, executados pela PIDE/DGS, muitas vezes em coligação com núcleos do Exército com agentes da PSP. Os que tinham a desgraça de cair numa rusga passava pelo crivo de interrogatórios intermináveis.

Em 1961, as rusgas multiplicaram-se em Luanda. Em Abril, no muceque Calemba, são presos muitos africanos sem os documentos de identidade. E em Maio prossegue a limpeza dos muceques da periferia luandense. Noticia-se a prisão de alguém que aconselhava a escuta da Rádio Brazzaville. E em certa rusga anuncia-se, mesmo, a destruição de uma importante rede subversiva.

«Ultimamente tem-se notado a fuga de pessoal nativo à aproximação da patrulha, no Bairro Cazenga e imediações», assinala o Comando do Batalhão de Caçadores 1909, que atribui tais fugas ao «procedimento ultimamente adoptado de deslocar para Sul os indocumentados, vadios e suspeitos ». Isso não evita que as patrulhas desta unidade continuem aprender e a entregar à PIDE os africanos que fogem ou apenas dela se afastam.

As rusgas da PIDE atingem frequentemente um carácter de massas, como aconteceu, em 1966, na realizada no Calemba, com a detenção de duas mil pessoas. Ou nas realizadas em Dezembro de 1968, nos muceques Mora e Rangel, com a prisão de 441 e 489 africanos.

Por seu lado, em Moçambique, o padre Cesare Bertulli afirma que, nos arredores da cidade da Beira, mais de quarenta colaboradores seus no Centro de São Benedito da Manga e nos cursos de cristandade passaram pelos dissabores das «rusgas», tendo sido torturados.

A simples suspeita de culpa levava a prolongados interrogatórios e bárbaras torturas, que, em geral, conduziam a uma longa estada numa prisão ou num campo de concentração. Um dos métodos de actuação da PIDE/DGS é, pois, a tortura, que, pela importância assumida na repressão policial, bem merece uma análise mais

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 O interrogatório

Nos cursos da Escola Técnica da PIDE/DGS, entre os ensinamentos ministrados, estava o de que os interrogatórios se deviam iniciar o mais rapidamente possível, sendo cada indivíduo ouvido separadamente. Dizia-se, ainda, que os delinquentes de carácter político-social eram os mais difíceis de «trabalhar ».

Vejamos, então, o «trabalho» desenvolvido numa edificante cena de interrogatório, narrada por um antigo preso moçambicano.

Acena passa-se na sala de interrogatório da Vila Algarve, sede da PIDEIDGS, em Lourenço Marques. Sobre uma secretária estão poisadas fotografias de Salazar e de Mondlane, assim como um mapa de África, em que estão assinalados alguns países, designadamente Moçambique, a Rodésia e a Tanzânia. O inspector interroga:

-Sabes onde fica a Tanzânia?

O preso responde que sim, apontando no mapa.

-E sabes quem é lá o presidente?

-Sei sim. É Julius Nierere.

-O gajo sabe. Ó pá, diz lá agora! Quem são estes?

-São o Professor Dr. Eduardo Mondlane e o professor dr. António de Oliveira Salazar.

-Ena pá! O gajo sabe o nome dos dois. Diz lá agora. Destes dois, quem é que querias para presidente?

O preso, se fosse experiente e inteligente, devia responder de forma peremptória:

-Quero o Dr. Eduardo Mondlane. Acho que ele deve ser ele o futuro presidente da República de Moçambique.

Se o preso procurasse ocultar a verdade, dizendo querer Salazar, chamavam logo o torturador. E começavam os pontapés, as palmatoadas, as chicotadas, com os agentes todos a bater.

Nessa altura, o inspector perguntava:

-Fumas?

Aqui, se o preso dissesse que não fumava, acendiam um cigarro e esmagavam-no na cara e no cabelo do preso. Devia, pois, responder:

-Fumo sim. E também quero um café.

Confissão e tortura

Em Portugal, nos processos políticos, a confissão era a «rainha das provas». O Departamento Missionário das Igrejas Protestantes da Suíça, em carta a Marcello Caetano, afirma que todas as acusações feitas aos 42 membros da Igreja detidos pela polícia, em Moçambique, se baseavam em confissões obtidas sob coacção, em que «puras actividades religiosas foram consistentemente interpretadas como subversivas».

De modo que, para obter uma confissão, se recorria amiúde à tortura do preso, ainda que esta, nalguns casos, não levasse ao resultado desejado. Em Outubro de 1961, o já conhecido Francisco Lontrão refere-se assim a um preso africano:

«Não invocou inocência, não protestou nem pediu para o deixarem sair. Aceitou com fatalismo a situação e predispôs-se a morrer. Nestas circunstâncias [lamenta o polícia] não é possível investigar e obter confissões».

A experiência colonial, mesmo em países com tradições democráticas, contribuiu para o ressurgimento da tortura. As próprias circunstâncias em que as autoridades coloniais governavam conduziram ao abuso da autoridade. «As diferenças raciais, o etnocentrismo, a violência dos movimentos revolucionários e a impotência jurídica das populações colonizadas ajudaram a colorir e intensificar um problema cuja raiz estava nas invulgares circunstâncias e nos funcionários do Estado colonial».

Sabemos que, na própria Metrópole, a PIDE praticava a tortura. De modo (que a situação colonial teria de a levar a novos extremos de brutalidade e de crueldade. Contudo, os polícias têm muita dificuldade em admitir a prática da tortura. São José Lopes garante aos delegados da Cruz Vermelha Internacional que os maus tratos eram raros nas prisões da PIDE/DGS. Atira com as culpas para cima dos militares, ao dizer que a tortura era frequente no momento da captura dos guerrilheiros. De resto, este ponto de vista foi admitido pelos próprios militares. O tenente-coronel António Joaquim Ribeiro da Fonseca afirma não corresponder à verdade que conhece, a acusação de que a PIDE/DGS torturava os presos. «Mas alguns militares torturavam-nos, davam-lhes choques eléctricos e batiam-lhes violentamente quando os estavam a interrogar», acrescenta.

No melhor dos casos, responsáveis da PIDE/DGS, como o inspector-adjunto Óscar Cardoso, dizem que os presos levavam uns tabefes, um «calorzinho» [sic], justificando-o com o facto de a polícia não ser «propriamente uma organização de beneficência».

Os Métodos de tortura

Nas colónias, os polícias aplicam torturas já ensaiadas na Metrópole. Contudo, alargam a panóplia de métodos, numa clara manifestação de bestialidade e brutalidade. E «assim se chega às pauladas, ao cavalo-marinho, às palmatoadas, à tortura do sono, aos choques eléctricos, aos maus tratos nos órgãos genitais», destaca o padre Cesare Bertulli, que relata as confissões de um preso, o mestre-catequista Xavier Tomás, da missão de Marara, o qual conta: «o primeiro a bater foi o inspector; depois o Xico, depois dois europeus. Batiam com a vara, com a matraca, com o chicote, com a palmatória.

O angolano Hermínio Escórcio diz ter sido torturado durante seis dias, com pontapés, bofetadas e murros, com chicotadas, tendo sido privado do sono e obrigado a fazer a «estátua». E o também angolano Gabriel Leitão afirma que foi espancado com um cacete, chicoteado e obrigado a fazer a «estátua», tendo participado nos espancamentos o então chefe de brigada Francisco Lontrão e o próprio subdirector São José Lopes.

«A palmatória ficava cheia de sangue. Mas aquelas palmatoadas eram para ser dadas e, portanto, davam-nas», afirma o moçambicano Simione Chivite, que refere o facto de Chico Feio exigir que a palmatória fizesse barulho quando batia na mão do preso, pelo que, quando não se ouvia, a palmatoada não contava.

A Pedro Van Dunem bateram na cabeça e nos ombros com cassetetes de borracha, que não feriam mas faziam hematomas. Perdeu os sentidos. E esteve quase dois meses sem se poder pentear, porque a cabeça parecia mole.

A Manuel Chawanda, catequista da missão de Marare, vergastaram com um pau grosso e com um chicote até os braços lhe ficarem cobertos de sangue e um deles partido. E também a golpes de chicote transformaram as costas de Chaoboca Chithando, de sessenta anos, numa ferida aberta.

No relatório de Niall MacDermont, secretário-geral da Comissão Internacional de Juristas, afirma-se que alguns pastores protestantes de Moçambique tinham apanhado mais de uma centena de chicotadas de uma só vez, tendo demorado meses a recuperar.

Os missionários de Inhaminga, em Moçambique, num relatório correspondente ao período compreendido entre Agosto de 1973 e Março de 1974, afirmavam que o processo de interrogatórios se tornava cada vez mais refinado: em primeiro lugar, pelo uso de um aparelho com o qual davam choques eléctricos às vítimas nos sítios mais sensíveis do corpo, designadamente na cabeça, nos ouvidos e nos seios; em segundo lugar, pelos espancamentos com cintos, paus e matracas de borracha, até as pessoas caírem sem sentidos; em terceiro lugar, pelas pisadelas nas mãos e nos pés. Referem, ainda, que várias crianças, entre as quais Tembo Lole, de oito anos de idade, tinham sido presas e interrogadas por agentes da PIDE/DGS, que queriam saber se os pais davam comida aos guerrilheiros e se estes tinham estado em suas casas. Ora, diziam os missionários de Inhaminga, o método de extorquir confissões acusando os pais, através de choques eléctricos, fora também aplicado às crianças.

Segundo o padre Cesare Bertulli, a alguns presos aplicaram a tortura do sono, obrigando-os ainda afazer a «estátua», isto é, a permanecer de pé, com a luz dos candeeiros a bater-lhes nos olhos. Um dos presos terá sido torturado por várias vezes nos órgãos genitais. Os presos que passaram pela Vila Algarve, em Lourenço Marques, recordam-se perfeitamente de uma agente uma mulher branca enorme, com grandes seios e um enorme decote, em geral vestida de negro. Agarrava no sexo do preso interrogado e puxava, gritando que havia de falar, de denunciar os seus companheiros. Alguns presos nunca mais puderam ter filhos.

Um padre branco, o belga Politt, contava que muitas pessoas da sua missão tinham sido presas pela polícia e torturadas. Uma das torturas fora obrigar as pessoas a beberem um garrafão de cinco litros de água, depois do que saltavam em cima da barriga do preso. Outra das torturas praticadas fora amarrarem o preso a um poste, com os braços esticados. Depois, amarravam cada um dos pés e erguiam a vítima, de modo a obrigarem as pernas a afastarem-se o suficiente para ser mais fácil vergastar o preso com o chicote ou espancarem-no com um pau .

Num relatório da Cruz Vermelha Internacional sobre a visita de três delegados (entre os quais um médico) a prisões na Beira, em Nampula e em Quelimane, assinalam-se os seguintes métodos de tortura: cavalo-marinho, palmatória, «chamboco», bofetadas e murros, tortura da vara (com os punhos ligados entre si, o preso era forçado a ajoelhar-se e a apoiar-se num pau poisado no solo, com as mãos dobradas de tal modo que o peso do corpo assentava nas costas das mãos).

Os presos referem-se, ainda, a métodos de tortura psicológica. «Os gritos dos presos que estavam a ser torturados eram uma forma de nos afectar psicologicamente» , salienta Amaral Matos, que acrescenta: «Ouvíamos os gritos de dor dos companheiros e, depois, víamo-los todos cheios de sangue. Era terrível».

A análise destes e doutros casos permite apontar os seguintes métodos de tortura somática: espancamentos com bofetadas, murros e pontapés, cacetadas e coronhadas, palmatoadas nas mãos, açoites ou palmatoadas nas plantas dos pés («falanga») , saltos sobre o estômago dos presos, choques com electricidade, queimaduras com cigarros, submersão da cabeça do preso na água («submarino») , suspensão do preso pelos pulsos ou pelos pés, através de cordas accionadas por uma roldana, manutenção do preso de pé por longos períodos de tempo («estátua»), violações e agressões sexuais, privação de água, consumo de comida estragada ou salgada, tortura da vara.

Agora como métodos de tortura psicológica referem-se: a assistência ou a audição da tortura de outros presos, a privação do sono, as ameaças de variado tipo, a prisão em solitária, a incomunicabilidade, a colocação do preso sem roupas numa cela.

* “A PIDE/DGS na Guerra Colonial” de Dalila Cabrita Mateus, edição Terramar, 2004.

Imagens: As fotos são retiradas da revista "Notícias" (autor: Sérgio Granadeiro), a primeira representando um trabalhador chacinado pela UPA, no norte de Angola, a segunda um guerrilheiro morto pela tropa portuguesa.

A corrupção à beira-mar plantada

03.04.24 | Manuel

  

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Artigo escrito em Dezembro de 2011 sobre a corrupção em base de crónicas de Manuel António Pina sobre o tema. Estávamos em pleno governo PSD/CDS. Achamos que vem a propósito quando o actual primeiro-ministro Montenegro quer fazer do “combate à corrrupção” uma das prioridades do governo. Se a coisa não fosse paga por todos nós, povo português, seria no mínimo uma piada.

Portugal encontra-se na 32ª posição em 183 países e em 18ª na Europa, apenas à frente de Malta, Itália, Grécia e dos países do Leste, no Índice de Percepção da Corrupção divulgado hoje pela Transparência Internacional, graças à falta de resolução de megaprocessos envolvendo políticos e ex-políticos agora alcandorados nos conselhos de administração de empresas e bancos privados. E, mais recentemente, uma alma penada veio prometer vigilância apertada quanto a este assunto no que respeita às privatizações que irão acontecer dentro em breve, mas para este mal e para o paciente que dele padece não há remédio, a doença é genética e dois casos graves ilustram e comprovam o mal endémico:

«A má vontade da Justiça contra Américo Amorim não é de hoje. Já em 1991, o MP o acusara de abuso de confiança e desvios em subsídios de 2,5 milhões de euros do Fundo Social Europeu; felizmente Deus e a morosidade dos tribunais escrevem direito por linhas tortas e o processo acabou por prescrever. Depois foi a "Operação Furacão" e uma investigação por fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas tudo acabou de novo em bem e sem julgamento. (“Um trabalhador em apuros” de Manuel António Pina, in “JN”).

E do mesmo cronista: «Foi o que fez Paulo Portas em relação à notícia do DN de que se terão misteriosamente evaporado, no caminho entre a proposta inicial e o contrato, 189 milhões das contrapartidas oferecidas pela empresa fornecedora das viaturas "Pandur" para o Exército e Marinha, adquiridas quando Portas foi ministro da Defesa. Conta o DN que "nem a Comissão Permanente de Contrapartidas nem Paulo Portas quiseram esclarecer a questão". Foi boa ideia, a questão esclarecer-se-á a si mesma com um ou dois penáltis mal assinalados e o incêndio dumas cadeiras e, para a semana, já ninguém se lembrará dela (“A democracia, essa maçada”, in “JN”).

Percebem-se bem as razões que movem esta gente quando se diz preocupada com a corrupção endémica e que sempre foi uma marca dos diversos regimes que vigoraram no país nos últimos 200 anos, ou seja, quando capitalismo começou a tomar conta, ao mesmo tempo que o criava e consolidava, do Estado: monarquia constitucional, I República, fascismo-salazarismo e II República. A corrupção faz parte do genoma do capitalismo e transversal nos corpos dos regimes políticos que o enformam. A preocupação é a de que corrupção a mais, a que dá demasiado nas vistas, pode prejudicar o desenvolvimento económico e o investimento estrangeiro, é o que se depreende da notícia (Lusa):

«"A falta de resolução de megaprocessos que envolvem políticos e homens de negócios também não tem favorecido uma melhoria das percepções externas sobre o combate à corrupção", justificou Luís de Sousa, presidente da Transparência e Integridade, representação em Portugal da organização não governamental, ao frisar que "Portugal não tem conseguido desmarcar-se da má imagem do funcionamento do seu sector público".

Segundo refere o responsável, "tudo isto tem consequências para o clima de negócios do país" e Portugal "tornou-se menos atractivo para o investimento externo de qualidade e sustentável e mais exposto a investidores sem escrúpulos que procuram ambientes de negócios impregnados de práticas de corrupção, clientelismo e fraca fiscalização, possibilitando a lavagem de dinheiros com proveniência duvidosa"».

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Em Visão

Fontes: Artigos completos de Manuel António Pina, e não são precisas mais considerações:

Um trabalhador em apuros

Deixa-me sempre pesaroso (embora só agora tenha assistido a tal coisa) ver o Fisco exigir 750 mil euros de impostos a um pobre trabalhador, mesmo que esse trabalhador seja o homem mais rico de Portugal e um dos 200 mais ricos do Mundo. Ainda por cima, o Fisco assaca a Américo Amorim coisas feias como ter feito, sem licença, obras de engenharia criativa na contabilidade das suas empresas.

A má vontade da Justiça contra Américo Amorim não é de hoje. Já em 1991, o MP o acusara de abuso de confiança e desvios em subsídios de 2,5 milhões de euros do Fundo Social Europeu; felizmente Deus e a morosidade dos tribunais escrevem direito por linhas tortas e o processo acabou por prescrever. Depois foi a "Operação Furacão" e uma investigação por fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas tudo acabou de novo em bem e sem julgamento.

Agora as Finanças não compreendem os contratempos hormonais das empresas de Américo Amorim e recusam aceitar como despesas os seus gastos em tampões higiénicos e outras exigências da feminilidade como roupas, cabeleireiros ou massagens. Até as contas da mercearia e festas e viagens dos netos o Fisco acha impróprias de um grupo de empresa só pelo facto de os grupos de empresas não costumarem ter netos.

Um trabalhador consegue juntar um pequeno pé-de-meia de 3,6 mil milhões e o Estado quer reduzir-lho a pouco mais de 3,599 mil milhões. Muito ingrato é ser trabalhador em Portugal!

*

A Democracia, essa maçada

A liberdade de imprensa é uma maçada democrática. Outra é o "inalienável" direito à greve, como diria o ministro Miguel Macedo. De facto, a Democracia vem num "pack" constitucional que, se tem virtualidades, não tem menos inconveniências, sendo impossível adquiri-la sem adquirir também monos como esses.

Ora se, para os direitos à greve e à manifestação, há soluções clássicas, sintetizadas com admirável felicidade expressiva pelo director nacional da PSP: "Nós não andamos com bastões, nem com pistolas, nem com algemas, nem com escudos e etc. para mostrar que temos aquele equipamento" (esqueceu-se dos agentes provocadores infiltrados mas não podia lembrar-se de tudo, daí o "etc."), no que toca à liberdade de imprensa, quando a contra-informação não resolve o problema e falta "etc." apropriado, melhor é assobiar para o ar.

Foi o que fez Paulo Portas em relação à notícia do DN de que se terão misteriosamente evaporado, no caminho entre a proposta inicial e o contrato, 189 milhões das contrapartidas oferecidas pela empresa fornecedora das viaturas "Pandur" para o Exército e Marinha, adquiridas quando Portas foi ministro da Defesa. Conta o DN que "nem a Comissão Permanente de Contrapartidas nem Paulo Portas quiseram esclarecer a questão". Foi boa ideia, a questão esclarecer-se-á a si mesma com um ou dois penáltis mal assinalados e o incêndio dumas cadeiras e, para a semana, já ninguém se lembrará dela.

08 de Dezembro 2011