O 1º de Maio que foi no Pingo Doce
1º de Maio de 2012, quando a cadeia Pingo Doce/Jerónimo Martins decidiu fazer promoções com 50% de descontos. Manobra oportunista de mostrar que estaria a favor dos trabalhadores ou que os cidadãos aderem mais facilmente a uma boa pechincha do que a manifestações sobre os direitos do trabalho.
É interessante ver as opiniões e os comentários na imprensa escrita e na blogosfera sobre a operação feita pela cadeia Pingo Doce, cuja empresa proprietária tem a sede na Holanda para fugir aos impostos em Portugal, vendendo com 50% de desconto. Foi às compras quem quis e houve muitos portugueses e muitos trabalhadores assalariados que preferiram comemorar a data do 1º de Maio comprando por metade do preço alguns bens de consumo imediato, nem todos de dita “primeira necessidade”, mas que revelam um aspecto da alma do povo português: preocupar-se primeiro com o imediato e, acima de tudo, com a sobrevivência. É a natureza de pequeno proprietário, do proprietário ainda rural que não se sente seguro se não vê a arca cheia e a salgadeira a abarrotar, que vem ao de cimo quando os ventos das dificuldades generalizadas começam a soprar. Não perceber isto e vir com considerações sobre “humilhações dos trabalhadores”, “salários baixos” que obrigam aproveitar todas as promoções, etc., etc., é conversa da nossa esquerda bem pensante, incluindo alguma mais radical, que vive a anos-luz do povo que vive e trabalha neste país… e nem todo o povo é igual.
A manobra do Pingo Doce pode ter sido imoral, ilegítima, ilegal, etc., sujeita a procedimento criminal inclusive, mas que, acima de tudo, revela uma realidade: a burguesia não olha a meios para aumentar os seus lucros e passar a perna à concorrência. O Pingo Doce fez a campanha irresistível de desconto de 50% no dia que foi, porque era 1º de Maio, mas porque também sabia que neste dia nem todos os trabalhadores, e muito menos todo o povo não assalariado, vão em manifestações. Na véspera, militantes do BE andaram a distribuir propaganda para as pessoas não fazerem compras no 1º de Maio e os resultados foram nulos, como se pode constatar. Nesta terça-feira, abriu não apenas o Pingo Doce, como as outras duas grandes cadeias de venda a retalho, o Continente e o Jumbo, fizeram o mesmo… para (como nos disse funcionário dirigente de uma dessas cadeias) “fazer face à concorrência”, e ambas viram a casa cheia (no Jumbo, em Coimbra, havia mais gente do que em dias de semana e não fazia nenhuma promoção especial), porque o espírito consumista dominou muitos cidadãos, mais preocupados com a vida do dia-a-dia e ainda dominados por um ancestral medo arreigado no povo português, que é o de não morrer à fome.
Este 1º de Maio foi também um dia de consumismo, de glorificação da sociedade burguesa em que o individualismo impera, por várias razões e uma delas deve ser assacada aos sindicatos que temos, mormente às duas centrais sindicais que transformaram um dia que deveria ser de luta contra o capital em dia de “festa”. E, mais do que isso: uma das centrais, tentando colocar os trabalhadores no apoio aberto à política do governo, através da concertação social; a outra, dando apoio às políticas de conciliação dos partidos que a controlam, que nunca põem em causa a existência destes governos, responsáveis pelas políticas que fazem empobrecer rapidamente o povo português, e se recusam terminantemente a repudiar uma dívida ilegítima e odiosa, bem pelo contrário, como se pôde confirmar pela aprovação “sem votos contra” de uma moção a defender a renegociação da dita, ou seja, os trabalhadores devem continuar a ser esmagados por uma dívida, pela qual não responsáveis, por tempo indeterminado e com custos inimagináveis.
Como se pode continuar a não se exigir o derrube imediato deste governo fascista, sabendo-se que o patrão do Pingo Doce fez o que fez, embora hipocritamente tenha vindo dizer que nem sabia da promoção? Um explorador e esclavagista que beneficia de todo o apoio do governo e o do Presidente da República, tendo sido um dos seus maiores financiadores e apoiantes; ou melhor, é ele quem manda no governo, os ministros e secretários de estado mais não são que outros funcionários da Jerónimo Martins (que, só no primeiro trimestre deste ano, teve um lucro de 71 milhões de euros, mais 26% do que igual período do ano passado!). Realidade mais que confirmada, para quem ainda tivesse dúvidas, pelas reacções à posteriori que se ouviram da boca de um Cavaco PR, de um Coelho PM, de um ministro Álvaro, que acha natural porque estas coisas já se fazem em outros países, ou de uma ministra da Agricultura, que prefere as rezas como método mais eficaz para salvaguarda da nossa agricultura.
O alvo a abater é o governo fascista PSD/CDS, mas para essa luta ser mais compreensível e mais fácil temos que arredar os escolhos, e arredar os escolhos é apontar o dedo ao oportunismo da nossa esquerda moderada e bem instalada que acha, ao caso por intermédio da direcção da CGTP, que o capitalismo deve ser eterno, bem como a exploração sobre a massa dos assalariados. E esta é uma das razões que faz com que muitos trabalhadores prefiram ir às compras, em vez de participarem em manifestações que mais parecem romarias.
As razões pelas quais os centros comerciais e as grandes superfícies estiveram abertos em Portugal, ao contrário do que acontece em Espanha, onde tudo fecha neste dia, encontram-se na política de sindicatos que apenas sabem jogar à defesa (mais por cobardia e oportunismo do que por adversidade das condições), daí também a baixíssima taxa de sindicalização entre os trabalhadores portugueses, nomeadamente os deste sector do comércio.
E são as mesmas razões que levam a que um PCP nunca consiga capitalizar em votos o descontentamento de muitas centenas de milhares de trabalhadores, que tenta controlar nas manifestações que parecem mais desfiles domingueiros; ou a um BE perder os votos que perdeu nas últimas eleições; ou um PCTP/MRPP que, sendo o segundo partido mais antigo, nunca conseguiu eleger um deputado sequer. São as razões que levam muitas vezes ao aparecimento de demagogos salvadores da pátria.
Estas razões devem e são razões redobradas para se continuar a lutar até… ao fim do capitalismo.
06 de Maio 2012
Imagem: Banksy - Street-Art-Shop-till-you-drop