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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

O crepúsculo dos genocidas

30.04.25 | Manuel

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Por Gustavo Espinoza M

A última semana de abril de 1945 - há 80 anos - foi palco de acontecimentos decisivos na história do século XX. À medida que se aproximavam os últimos dias da Segunda Guerra Mundial, o mundo assistiu ao fim dos genocidas. Benito Mussolini e Adolf Hitler — em dias sucessivos — caíram derrotados em consequência da retumbante derrota dos seus exércitos e das forças operacionais que os mantiveram no comando e com as quais procuraram forjar aquilo a que o líder nazi chamou "um milénio de dominação castanha".

Benito Mussolini, como recordamos, assumiu o poder em Outubro de 1922 em consequência da “Marcha sobre Roma” realizada nessa ocasião. O rei de Itália, Victor Emmanuel, receoso da ascensão do fascismo e de cair nas graças das grandes corporações financeiras da Península, aceitou entregar a liderança do Estado a este líder, considerado por José Carlos Mariátegui como "volitivo e prolixo".

Nos anos seguintes, governou com a "Mão de Ferro" do fascismo, utilizando esquadrões de combate e óleo de rícino, para além de um notável apoio do lumpenproletariado, que se tornara uma força de choque. Prendeu opositores notáveis, como Antonio Gramsci, puniu impiedosamente Piero Gobetti, assassinou Giácomo Mateotti e forçou líderes proeminentes de vários partidos que se opunham à sua administração a fugir do país.

A sua derrota tornou-se clara, no entanto, no sábado, 24 de julho de 1943, quando foi obrigado a convocar uma reunião do Grande Conselho Fascista a pedido dos seus antigos camaradas, que se tornaram os seus críticos acérrimos. Os mais qualificados entre eles. Dino Grandi confrontou-o abertamente com a sua responsabilidade: “Impuseste uma ditadura historicamente imoral à Itália… a tua ditadura queria a guerra, e a tua ditadura perdeu. O líder que amávamos desapareceu.” Foi esta intervenção, e outras, que selaram o destino do "Duce" e o obrigaram a apresentar a sua demissão ao rei, confirmando a sua derrota.

Mussolini foi preso e levado para uma prisão especial em Gran Sazzo, mas de lá foi libertado pelos alemães, que o levaram para Berlim para outro encontro com Hitler, que o aguardava ansiosamente. O líder fascista regressou então ao norte do seu país e proclamou a "República Social Italiana", uma administração quase imaginária sustentada apenas pelo poderio militar do exército alemão de ocupação. O auge desta farsa ocorreu a 27 de abril de 1945. Esse foi o início do seu fim.

Mussolini viajava numa carrinha alemã com alguns colaboradores perto da aldeia de Dongo, perto do Lago Como, quando a caravana foi interceptada por um destacamento de guerrilha do Partido Comunista sob o comando do Comandante Pedro.

O resto é história conhecida. Coronel Valerio -Walter Audisio, mais tarde deputado comunista no Parlamento italiano-. assumiu o comando dos acontecimentos a 28 de abril e assumiu a responsabilidade pelo caso. Horas depois, o detido foi baleado ao lado de Clara Petacci, sua amante, em frente a um muro nos arredores da cidade.

Os seus corpos, juntamente com os de outros dignitários fascistas que caíram nas mesmas circunstâncias, foram exibidos à multidão em Piazola Loreta, no coração de Milão. Isto teve um significado simbólico, porque nessa mesma praça, uns dias antes, jovens antifascistas foram executados por milícias do regime. A 30 de abril, o mundo soube do fim ameaçador do ditador fascista.

Antes da sua morte, Hitler escreveu: "Julgando as coisas com frieza e deixando de lado todo o sentimentalismo, devo admitir que a minha amizade inabalável com a Itália e com o Duce faz parte da minha série de erros. É evidente que a aliança da Itália connosco foi mais útil aos nossos inimigos do que a nós próprios." Arrependimento tardio, certamente.

O destino de Adolf Hitler não foi substancialmente diferente. Já estava derrotado quando registou as suas primeiras divergências no seu Alto Comando. O general Erwin Rommel – “A Raposa do Deserto” – discordou dele sem esconder as suas diferenças e teve de se suicidar para não ser humilhado. O almirante Wilhelm Canaris, o prestigiado chefe dos serviços secretos alemães, também procurou outra opção governativa e acabou enforcado num campo de concentração a 9 de abril de 1945.

Mas foi pouco antes, a 20 de julho de 1944, que Claus Von Staunffeunberg organizou o ataque mais famoso na região de Rasenburg. No mesmo "Wolf's Lair" -Wolfsschanze- falhando a tentativa de acabar com a vida do tirano, mas deixando na cabeça de Hitler a ideia de que tinha os seus inimigos "dentro", e não apenas "à frente". E isso também foi decisivo no resultado.

Tudo isto aconteceu durante um período trágico na vida mundial. O regime nazi cometeu crimes hediondos e matou corajosos activistas sociais em muitos países, como Ernest Thaelmann, o líder dos comunistas alemães. Mas o mais abominável foi a criação dos "Campos de Concentração" onde foi implementada a "Solução Final", acabando com a vida de milhões de pessoas.

A gota de água para o líder nazi veio depois. A 16 de abril de 1945, as tropas soviéticas romperam todas as defesas de Berlim e iniciaram a batalha decisiva na capital do Reich. Entre os dias 24 e 28, os combates desenvolveram-se de forma vigorosa, mas também sangrenta. Cada rua e cada praça eram disputadas centímetro a centímetro, mas o avanço soviético era praticamente imparável.

Depois, cada edifício, cada casa. Na fase final, crianças de 15 anos ofereceram resistência armada, porque quase não havia soldados. E a 28 de Abril, as tropas soviéticas já se encontravam a 300 metros do bunker de Hitler - o "Fuhrerbunker" - onde este se tinha barricado com alguns dos seus homens.

O Alto Comando Hitleriano, no entanto, tinha fracassado. O Reichsmarschall Herman Goering partiu para a sua luxuosa residência em Carinhall, enquanto Himmler, o sinistro homem da Gestapo, procurava um acordo secreto e unilateral com os britânicos. Por sua vez, os americanos jogaram o seu próprio jogo, tentando "ganhar" colaboradores no círculo do adversário derrotado. Só o Exército Vermelho lutou até ao fim.

A 28 de abril, Hitler não aguentou mais e decidiu disparar sobre si próprio e sobre Eva Braun, que tinha deposto no dia anterior. Depois, os que permaneceram tentaram escapar, mas vários morreram e outros foram presos e pagaram pelos seus crimes.

Nos célebres Julgamentos de Nuremberga, Baldur Von Schirclh, o líder supremo da Juventude Hitleriana, diria: "O que aconteceu em Auschwitz foi o maior e mais diabólico assassinato em massa cometido na história do mundo. Sou culpado perante Deus e esta Nação por ter levado os jovens a seguir Hitler, que eu considerava infalível, mas que acabou por se revelar o assassino de milhões de pessoas."

Percebe-se então que a última semana de Abril marcou o fim dos genocidas e o início do fim do fascismo que hoje procura renascer a qualquer custo à sombra do Grande Capital, incentivado pelas Grandes Corporações, pela Oligarquia mundial e pelo Imperialismo.

Ao recordarmos o 80º aniversário da queda do fascismo na nossa época e prestarmos a devida homenagem à União Soviética, ao seu povo e ao seu glorioso Exército Vermelho, é essencial recordar as palavras do jornalista checo Julius Fucik: “Não temam nada, apenas o fascismo. Estejam atentos!”

Fonte

26 de Abril de 1937: a tragédia de Guernica

26.04.25 | Manuel

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 Escrito pelo 80º aniversário do bombardeamento de Guernica

Era uma segunda-feira, dia de mercado. Havia muita gente nas ruazinhas da cidade de Guernica, que tinha 7.000 habitantes. Às quatro e meia da tarde os sinos da igreja começaram a repicar, e cinco minutos depois apareceu o primeiro avião, que soltou seis bombas explosivas de 450 quilos, seguidas de uma chuva de granadas. Minutos depois surgiu outro aparelho.

O inferno durou quatro horas. Quarenta e dois aviões no total bombardearam e metralharam a cidade e seus arredores, onde os moradores haviam se refugiado. Toda a cidade ardeu. O incêndio tardou a se apagar. Balanço: 70% dos edifícios queimados e um número indeterminado de mortos, entre 800 e 1.600. Setenta anos depois, os historiadores ainda não se puseram de acordo sobre o número de vítimas daquele dia negro, que converteu Guernica em uma cidade mártir e uma cidade símbolo, gravada para sempre em nossa memória coletiva. Os aviões pertenciam à Legião Condor alemã e à Aviação Legionária italiana. A palavra chave era Operação Rügen.

Dois homens contribuíram de modo decisivo para converter Guernica em símbolo: George Steer e Pablo Picasso.

O primeiro era um jovem jornalista de 27 anos, nascido na África do Sul, correspondente de guerra do diário londrino The Times e firme partidário da causa republicana e basca. A Espanha não era seu primeiro teatro de guerra. Em 1935 tinha sido enviado especial à Etiópia, então chamada Abissínia, submetida a uma feroz agressão italiana ordenada por Mussolini — o ditador com manias de grandeza —, que, assim, a golpes de crimes de guerra, tornava realidade seus sonhos imperiais. Na Etiópia já havia bombardeado a população civil inerte. Na Etiópia, o Ocidente democrático já traíra um povo agredido pelo fascismo.

George Steer chegou a Guernica horas depois do bombardeio, e nessa mesma noite telegrafou sua reportagem sobre a cidade mártir, que foi publicada na manhã seguinte no The Times e no The New York Times, e foi reproduzida pela imprensa de muitos países. Esse artigo foi o que alertou ao mundo e provocou manifestações de protesto nas ruas de Londres e Nova Iorque, o que resultou em uma contra-ofensiva propagandística dos franquistas e seus aliados, a Alemanha nazi e a Itália fascista. Nesses países, a imprensa e o rádio gritavam contra as “hordas bolcheviques” que, segundo eles, haviam incendiado Guernica antes de evacuá-la. Suas mentiras foram rapidamente refutadas. O relato que a História guardou foi o de George Steer, a quem foi dedicada uma rua em Guernica, onde, em abril de 2006, foi inaugurado um busto do repórter.

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“A pintura não é feita para decorar as paredes, é um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo” (Pablo Picasso).

O outro, com 56 anos, era um pintor famoso, estabelecido na França. Apoiava a causa republicana frente à rebelião franquista. Descrito pelos Renseignements Généraux (a polícia política francesa) como “um anarquista suspeito sob o ponto de vista nacional” e “um pintor supostamente moderno” — por tais razões lhe foi negada a naturalização francesa em abril de 1940 — se posiciona, de imediato, para a tarefa. O resultado é uma pintura monumental de oito metros de largura por três e meio de altura, em preto e branco, que foi exposta no pavilhão espanhol da Exposição Universal. Como disse Picasso: “A pintura não é feita para decorar as casas. É um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo”.

Guernica é uma lição pendente. Os autores daquele crime de guerra, começando pelo chefe da Legião Condor, tenente-coronel Wolfram von Richthofen, foram aclamados como heróis na Alemanha nazi, e os que ainda vivem desfrutam de uma aprazível aposentadoria e concedem entrevistas com um descaramento inusitado. O bombardeio da cidade santa dos bascos foi uma experiência de campo para avaliar a capacidade da aviação alemã em destruir eficazmente uma cidade. Como afirmou Hermann Göring no julgamento de Nuremberg: “A guerra civil espanhola me ofereceu a oportunidade de provar minha jovem aviação, e permitiu aos meus homens ganhar experiência”.

Esse crime de guerra não foi o primeiro nem o último do século XX. Em 1915, Winston Churchill ordenou os primeiros bombardeios com armas químicas contra populações civis no Iraque. Depois de Guernica, houve outras cidades mártires como Coventry, Hamburgo, Dresden, Hiroshima e Nagasaki. Depois da Espanha, toda a Europa. Depois da Europa, Ásia, da Palestina à Coréia, do Vietname ao Camboja.

As Guernicas de hoje se chamam Gaza, Tel Afar, Faluja, Samarra e Najaf, assim como Grosny ou Kandahar. Os aviões que cospem as bombas mortíferas já não levam a cruz de ferro, mas as insígnias dos países “democráticos”. O lugar dos “inimigos vermelhos de Deus” contra os quais diziam lutar Franco, Hitler e Mussolini para salvar o Ocidente, é ocupado hoje pelos “islamitas” e o “eixo do mal”, que, segundo Bush, autêntico Hitler de nossos dias, vai de Havana a Pyongyang, passando por Caracas, Beirute, Damasco, Cartum e Teerã. E a “comunidade internacional”, ontem paralisada diante do martírio da Etiópia e da Espanha, hoje em dia, frente ao martírio da Palestina, Iraque e Afeganistão, está pior que paralisada, é cúmplice das centenas de Guernicas que se repetem ante nossos olhos cansados, dia após dia.

*

A tragédia de Guernica

George Steer

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Cidade destruída em ataque aéreo. Relato de uma testemunha ocular. De nosso correspondente especial, Bilbao, 27 de abril de 1937

Guernica, a cidade mais antiga dos bascos, centro de sua tradição cultural, foi completamente destruída na tarde de ontem por ataques aéreos de insurgentes. O bombardeio dessa cidade aberta, localizada muito além das linhas, durou precisamente três horas e um quarto, tempo em que uma poderosa frota de aviões composta por três modelos alemães, bombardeiros Junkers e Heinkel e aeronaves Heinkel não cessou de descarregar sobre a cidade bombas pesando 450 quilos e, calcula-se, mais de 3.000 projéteis incendiários de alumínio de um quilo.

Guernica logo ficou completamente em chamas, exceto a histórica Casa de Juntas, com seu rico arquivo da raça basca, onde o antigo parlamento basco funcionava. O famoso carvalho de Guernica, o velho e seco tronco de 600 anos e os novos galhos jovens deste século estavam igualmente intocados. Aqui os reis da Espanha costumavam prestar o juramento de respeitar os direitos democráticos (fueros) de Biscaia e, em retorno, recebiam a promessa de lealdade como suseranos com o democrático título de Senhor e não Rei de Biscaia. A nobre igreja paroquial de Santa Maria também foi preservada com exceção de sua bela capela, atingida por uma bomba incendiária.

Às duas horas da manhã de hoje, quando visitei a cidade, seu conjunto era uma visão horrível, ardendo de ponta a ponta. O reflexo das chamas podia ser visto nas nuvens de fumaça acima das montanhas a dez milhas de distância. Durante toda a noite, casas caíam até que as ruas se tornassem longas pilhas de destroços vermelhos impenetráveis. Muitos dos sobreviventes civis faziam a longa jornada de Guernica a Bilbao em antigas e sólidas carroças de fazendas bascas puxadas por bois. Essas carroças levando altas pilhas de todo o tipo de pertences domésticos que pudessem ser salvos da conflagração obstruíam as estradas noite adentro. Outros sobreviventes foram evacuados em caminhões do governo, mas muitos eram forçados a permanecer em torno da cidade incendiada deitados em colchões ou procurando por parentes e crianças perdidas, enquanto unidades dos bombeiros e da polícia basca motorizada, sob orientação pessoal do ministro do Interior, Senhor Monzon e sua esposa, continuavam o trabalho de resgate até o amanhecer.

O sino da igreja tocou o alarme

Em sua forma de execução e pela escala de destruição que causou, não menos que na escolha de seu objetivo, o ataque sobre Guernica não encontra paralelo na história militar. Guernica não era um alvo militar. Uma fábrica que produzia material bélico localizada fora da cidade ficou intocada. O mesmo ocorreu com duas instalações militares a alguma distância. A cidade estava muito além das linhas. O objetivo do bombardeio foi claramente a desmoralização da população civil e a destruição do berço da raça basca. Todos os fatos sustentam essa avaliação, começando pelo dia em que o ataque foi feito.

Segunda-feira era o tradicional dia de compras no mercado de Guernica para a região ao redor. Às 16h30min, quando o mercado estava lotado e as pessoas continuavam chegando, o sino da igreja tocou o alarme indicando aeronaves em aproximação e a população procurou refúgio em celeiros e nos abrigos preparados após o bombardeio da população civil de Durango, em 31 de março, que deflagrou a ofensiva do General Mola ao norte. Dizem que a população demonstrou coragem. Um padre católico tomou a liderança e a ordem foi perfeitamente mantida.

Cinco minutos mais tarde um único bombardeiro alemão apareceu, circulou sobre a cidade em baixa altitude, e então lançou seis bombas pesadas, aparentemente mirando para a estação. As bombas e uma chuva de granadas caíram em um antigo instituto e sobre casas e ruas do entorno. O avião foi embora. Dentro de outros cinco minutos veio um segundo bombardeiro, que jogou o mesmo número de bombas no meio da cidade. Cerca de um quarto de hora mais tarde, três Junkers chegaram para continuar o trabalho de demolição, e daí em diante o bombardeio cresceu em intensidade e foi contínuo, cessando somente com a aproximação do anoitecer, às 19h45min.

A cidade inteira, com 7.000 habitantes e mais 3.000 refugiados, foi lenta e sistematicamente esmagada em pedaços. Em um raio de cinco milhas ao redor, um detalhe da técnica dos atacantes consistia em bombardear casarios ou casas de fazenda em separado. À noite, essas queimavam como pequenas velas nas colinas. Todos os vilarejos em volta foram bombardeados com a mesma intensidade da cidade e, em Mujica, um pequeno grupo de casas na entrada Guernica, a população foi metralhada durante 15 minutos.

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Sobrevivente dos bombardeamentos (Foto de Robert Capa).

Ritmo de morte

Ainda é impossível afirmar o número de vítimas. Na imprensa de Bilbao hoje pela manhã ele foi avaliado como “felizmente pequeno”, mas teme-se que este seja um número subestimado para não alarmar a grande população de refugiados de Bilbao. No hospital de Josefinas, que foi um dos primeiros lugares bombardeados, todos os 42 milicianos feridos lá abrigados foram mortos. Em uma rua descendo a colina em direção a Casa de Juntas, eu vi um lugar onde dizem que 50 pessoas, quase todas mulheres e crianças, ficaram presas em um abrigo anti-aéreo sob uma montanha de destroços em chamas. Muitos foram mortos no campo, e, ao todo, as mortes podem chegar a centenas. Um padre idoso chamado Aronategui foi morto por uma bomba enquanto resgatava crianças de uma casa incendiada.

As táticas dos bombardeiros, que podem ser de interesse de estudantes da nova ciência militar, eram as seguintes: primeiro, pequenos grupos de aviões lançavam bombas pesadas e granadas por toda a cidade, escolhendo área por área de forma ordenada. Depois vinham as máquinas de combate que atacavam em baixa altitude para metralhar aqueles que fugissem em pânico dos abrigos, alguns dos quais já tinham sido atingidos por bombas de 450 quilos, que fazem um buraco com 30 metros de profundidade. Muitas dessas pessoas foram mortas enquanto corriam. Um grande rebanho de ovelhas que estava sendo trazido para o mercado também foi dizimado. O objetivo dessa ação era aparentemente conduzir a população aos subterrâneos, para que, após, cerca de 12 bombardeiros aparecessem ao mesmo tempo lançando bombas pesadas e incendiárias sobre as ruínas. O ritmo desse bombardeio de uma cidade aberta era, portanto, lógico: primeiro, granadas leves e bombas pesadas para dispersar a população, então metralhá-la para levá-la para baixo e, depois, lançar bombas pesadas e incendiárias para demolir as casas e queimá-las por cima das vítimas.

As únicas contramedidas que os bascos poderiam empregar, uma vez que não possuem aeronaves suficientes para enfrentar a esquadra insurgente, eram aquelas fornecidas pelo heroísmo dos seus padres. Estes abençoavam e rezavam pelas multidões de joelhos – socialistas, anarquistas e comunistas, assim como os que se declaravam seguidores – nos abrigos em frangalhos.

Quando entrei em Guernica depois da meia-noite, casas estavam desabando de ambos os lados e era totalmente impossível, até mesmo para os bombeiros, entrar no centro da cidade. Os hospitais de Josefinas e do Convento de Santa Clara eram ardentes amontoados de brasas, todas as igrejas exceto a de Santa Maria estavam destruídas, e as poucas casas que ainda restavam em pé estavam condenadas. Quando revisitei Guernica nesta tarde a maior parte da cidade ainda estava queimando e novos incêndios tinham iniciado. Cerca de 30 mortos estavam deitados em um hospital em ruínas.

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Um apelo aos bascos

O efeito do bombardeio de Guernica aqui, a cidade sagrada dos bascos, é profundo e levou o Presidente Aguirre a fazer a seguinte declaração na imprensa local pela manhã: “Os aviadores alemães a serviço dos rebeldes espanhóis bombardearam Guernica, queimando a cidade histórica que é tão venerada por todos os bascos. Eles procuraram nos ferir no mais sensível de nossos sentimentos patrióticos, uma vez mais deixando inteiramente claro o que Euzkadi pode esperar daqueles que não hesitam em destruir-nos no único santuário que guarda séculos de nossa liberdade e nossa democracia.”

“Frente a esse horror, nós todos, bascos, devemos reagir com violência, jurando, do fundo de nossos corações, defender os princípios de nosso povo com teimosia e heroísmo sem precedentes se a situação assim o exigir. Não podemos esconder a gravidade do momento; mas a vitória nunca poderá ser obtida pelo invasor se, elevando nossos espíritos às alturas da força e da determinação, nós nos empenharmos em sua derrota.”

“O inimigo avançou em muitas partes, em outros lugares, para que seja expulso mais tarde. Eu não hesito em afirmar que aqui a mesma coisa acontecerá. Que o terror de hoje seja mais um estímulo para fazer isso com toda a urgência.”

Imagem 1: Guernica - O inferno durou 4 horas: 70% dos edifícios foram destruídos e um número indeterminado de mortos, entre 800 a 1 600.

Fonte

Cardeal Jorge Mario Bergoglio e a "Guerra Suja" da Argentina

22.04.25 | Manuel

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Por Prof. Michel Chossudovsky

Milhões de católicos estão de luto pela morte do Papa Francisco.

Depois de ter pronunciado corajosamente suas últimas palavras Buona Pasqua (Feliz Páscoa) no Domingo de Páscoa, ele abençoou a multidão de milhares de pessoas de sua varanda.

Uma mensagem poderosa foi lida em seu nome:

“Não pode haver paz sem liberdade religiosa,

liberdade de pensamento,

liberdade de expressão e respeito pelas opiniões dos outros”,

Jorge Mario Bergoglio não apenas apoiou a ditadura militar, como também desempenhou um papel direto e cúmplice na "Guerra Suja" (la guerra sucia), em ligação com a Junta militar liderada pelo General Jorge Videla, levando à prisão, encarceramento, tortura e desaparecimento de padres e leigos católicos progressistas que se opunham ao regime militar da Argentina.

“Enquanto os dois padres Francisco Jalics e Orlando Yorio, sequestrados pelos esquadrões da morte em maio de 1976, foram libertados cinco meses depois, após terem sido torturados, outras seis pessoas ligadas à sua paróquia, sequestradas como parte da mesma operação, foram “desaparecidas”.”

Numa amarga ironia, os dois padres enviados à câmara de tortura estavam comprometidos com a Teologia da Libertação, contra a qual Bergoglio se opunha firmemente na época.

Não podemos esquecer que, logo após sua investidura em março de 2013, o Papa Francisco foi descrito pela mídia britânica como tendo trazido a “Teologia da Libertação para o Vaticano”, seguindo os passos de Francisco de Assis.

Essa foi uma declaração sem sentido (“notícias falsas”): em 1976, a intenção de Bergoglio (em conjunto com a junta militar liderada pelo General Jorge Videla) era esmagar a Teologia da Libertação.

Em 2005, a advogada de direitos humanos Myriam Bregman entrou com uma ação criminal contra o cardeal Jorge Bergoglio, acusando-o de conspirar com a junta militar no sequestro de dois padres jesuítas em 1976.

Vários anos mais tarde, os sobreviventes da “Guerra Suja” acusaram abertamente o Cardeal Jorge Bergoglio de cumplicidade no sequestro dos padres Francisco Jalics e Orlando Yorio, bem como de seis membros da sua paróquia (que estavam “desaparecidos”),  (El Mundo, 8 de novembro de 2010)

Tudo isso já era conhecido antes de sua investidura. Por que não foi revelado ao público em geral? Católicos ao redor do mundo desconhecem completamente "Quem Foi o Papa Francisco I", Jorge Mario Bergoglio.

O artigo a seguir foi escrito pela primeira vez em março de 2013, após a eleição do Cardeal Jorge Mario Bergoglio como Papa Francisco I pelo conclave do Vaticano.

*

"O Papa de Washington"? Quem é o Papa Francisco?

Nota do autor: O artigo a seguir foi publicado dois dias após o anúncio da decisão do Conclave Papal convocado na Capela Sistina em 12 de março de 2013.

Vivi os primeiros meses do governo militar da Argentina.

Grande parte da minha pesquisa remonta a março-junho de 1976, durante minha estadia na Argentina como professor visitante na Universidade Nacional de Córdoba.

Três anos antes, vivi o golpe militar chileno de 11 de setembro de 1973

Além de pequenas correções, nenhuma alteração foi feita neste artigo. O Apêndice sobre documentos desclassificados foi adicionado.

Quem é Jorge Mario Bergoglio? 

Em 1973, foi nomeado “Provincial” da Argentina para a Companhia de Jesus.

Nessa função, Bergoglio foi o jesuíta de mais alta patente na Argentina durante a ditadura militar liderada pelo general Jorge Videla (1976-1983).

Mais tarde, tornou-se bispo e arcebispo de Buenos Aires. O Papa João Paulo II o elevou ao título de cardeal em 2001.

Quando a junta militar renunciou ao poder em 1983, o presidente devidamente eleito Raúl Alfonsín criou uma Comissão da Verdade sobre os crimes subjacentes à “Guerra Suja” (La Guerra Sucia).

A junta militar foi apoiada secretamente por Washington.

O secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, desempenhou um papel nos bastidores do golpe militar de 1976.

O principal assessor de Kissinger para a América Latina, William Rogers, disse-lhe dois dias após o golpe que “temos de esperar uma boa dose de repressão, provavelmente muito sangue, na Argentina dentro em breve”. … Arquivo de Segurança Nacional, 23 de Março de 2006)

“Operação Condor”

Ironicamente, um grande julgamento teve início em Buenos Aires em 5 de março de 2013, uma semana antes da investidura do Cardeal Bergoglio como Pontífice. O julgamento em andamento em Buenos Aires visa: "considerar a totalidade dos crimes cometidos no âmbito da Operação Condor, uma campanha coordenada por várias ditaduras latino-americanas apoiadas pelos EUA nas décadas de 1970 e 1980 para caçar, torturar e assassinar dezenas de milhares de opositores desses regimes".

Para mais detalhes, veja Operação Condor: Julgamento do Programa Latino-Americano de Rendição e Assassinato, por Carlos Osorio e Peter Kornbluh, 10 de março de 2013.

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 (Foto acima: Henry Kissinger e General Jorge Videla (década de 1970) 

A junta militar liderada pelo General Jorge Videla (esquerda) foi responsável por inúmeros assassinatos, incluindo de padres e freiras que se opuseram ao regime militar após o golpe patrocinado pela CIA em 24 de março de 1976, que derrubou o governo de Isabel Perón:

Videla estava entre os generais condenados por crimes de direitos humanos, incluindo "desaparecimentos", tortura, assassinatos e sequestros. Em 1985, Videla foi condenado à prisão perpétua na prisão militar de Magdalena.

Wall Street e a Agenda Econômica Neoliberal

Uma das principais nomeações da junta militar (sob instruções de Wall Street) foi a do Ministro da Economia, José Alfredo Martínez de Hoz , membro do establishment empresarial argentino e amigo próximo de David Rockefeller.

O pacote de política macroeconômica neoliberal adotado por Martínez de Hoz foi uma “cópia carbono” daquele imposto em outubro de 1973 no Chile pela ditadura de Pinochet, sob a orientação dos “Chicago Boys”, após o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 e o assassinato do presidente Salvador Allende.

Os salários foram imediatamente congelados por decreto. O poder de compra real despencou em mais de 30% nos três meses seguintes ao golpe militar de 24 de março de 1976. (Estimativas do autor, Córdoba, Argentina, julho de 1976).

A população argentina estava empobrecida.

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 (Da esquerda para a direita: José Alfredo Martínez de Hoz, David Rockefeller e General Jorge Videla)

Henry Kissinger, sem mencionar o falecido David Rockefeller, teve reuniões com a Junta. Sob o comando do Ministro da Economia, José Alfredo Martínez de Hoz, a política monetária do banco central era em grande parte determinada por Wall Street e pelo FMI.

O mercado cambial foi manipulado. O peso foi deliberadamente supervalorizado, resultando em uma dívida externa intransponível. Toda a economia nacional foi precipitada à falência.

Wall Street e a hierarquia da Igreja Católica

Wall Street apoiou firmemente a Junta Militar, que travou a "Guerra Suja" em seu nome. Por sua vez, a hierarquia da Igreja Católica desempenhou um papel central na manutenção da legitimidade da Junta Militar.

A Ordem de Jesus – que representava a facção conservadora, porém mais influente, dentro da Igreja Católica, intimamente associada às elites econômicas da Argentina – estava firmemente por trás da Junta militar, contra os chamados “esquerdistas” do movimento peronista.

“A Guerra Suja”: Acusações dirigidas contra o Cardeal Jorge Mario Bergoglio

Condenar a ditadura militar (incluindo suas violações de direitos humanos) era um tabu dentro da Igreja Católica. Enquanto os altos escalões da Igreja apoiavam a Junta Militar, a base da Igreja se opunha firmemente à imposição do regime militar.

Em 2005, a advogada de direitos humanos Myriam Bregman entrou com uma ação criminal contra o cardeal Jorge Bergoglio, acusando-o de conspirar com a junta militar no sequestro de dois padres jesuítas em 1976.

Vários anos mais tarde, os sobreviventes da “Guerra Suja” acusaram abertamente o Cardeal Jorge Bergoglio de cumplicidade no sequestro dos padres Francisco Jalics e Orlando Yorio, bem como de seis membros da sua paróquia  (El Mundo, 8 de novembro de 2010).

Bergoglio, que na época era "Provincial" da Companhia de Jesus, ordenou que os dois padres jesuítas "esquerdistas" e oponentes do regime militar "abandonassem seu trabalho pastoral" (ou seja, eles foram demitidos) após divisões dentro da Companhia de Jesus a respeito do papel da Igreja Católica e suas relações com a Junta militar.

Enquanto os dois padres Francisco Jalics e Orlando Yorio, sequestrados pelos esquadrões da morte em maio de 1976, foram libertados cinco meses depois, após serem torturados, seis outras pessoas ligadas à sua paróquia, sequestradas como parte da mesma operação, foram "desaparecidas". Entre elas, quatro professores ligados à paróquia e dois de seus maridos.

Após a sua libertação, o Padre Orlando Yorio “acusou Bergoglio de os ter efetivamente entregue [incluindo outras seis pessoas] aos esquadrões da morte … Jalics recusou-se a discutir a queixa depois de se ter recolhido num mosteiro alemão.” (Associated Press, 13 de março de 2013, ênfase acrescentada).

Durante o primeiro julgamento de líderes da junta militar, em 1985, Yorio declarou: "Tenho certeza de que ele mesmo entregou a lista com nossos nomes à Marinha". Os dois foram levados ao famoso centro de tortura da Escola de Mecânica da Marinha (ESMA) e mantidos presos por mais de cinco meses antes de serem drogados e jogados em uma cidade nos arredores da cidade. (Veja Bill van Auken, "The Dirty War" Pope, World Socialist Website e Global Research, 14 de março de 2013)

Entre os "desaparecidos" pelos esquadrões da morte estavam Mónica Candelaria Mignone e  María Marta Vázquez Ocampo, respectivamente filha do fundador do CELS (Centro de Estudios Legales y Sociales) Emilio Mignone e filha da presidente das Madres de Plaza de Mayo, Martha Ocampo de Vázquez. (El Periodista Online, março de 2013).

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 María Marta Vásquez, seu marido César Lugones e Mónica Candelaria Mignone, supostamente “entregues aos esquadrões da morte” pelo jesuíta “provincial” Jorge Mario Bergoglio, estão entre os milhares de “desaparecidos” da “Guerra Suja” da Argentina, que foi apoiada secretamente por Washington na “Operação Condor”. (Veja memorialmagro.com.ar)

No decurso do julgamento iniciado em 2005:

“Bergoglio [Papa Francisco] invocou duas vezes seu direito, previsto na lei argentina, de se recusar a comparecer em audiência pública, e quando finalmente depôs em 2010, suas respostas foram evasivas”: “Pelo menos dois casos envolveram diretamente Bergoglio. Um deles examinou a tortura de dois de seus padres jesuítas — Orlando Yorio e Francisco Jalics — que foram sequestrados em 1976 nas favelas onde defendiam a teologia da libertação.

Yorio acusou Bergoglio de efetivamente entregá-los aos esquadrões da morte ... ao se recusar a declarar ao regime que endossava o trabalho deles. Jalics recusou-se a discutir o assunto após se isolar em um mosteiro alemão.” (Los Angeles Times, 1º de abril de 2005, grifo nosso)

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O Memorando Secreto

O governo militar reconheceu em um Memorando Secreto (veja abaixo) que o Padre Bergoglio acusou os dois padres de terem estabelecido contatos com os guerrilheiros e de terem desobedecido às ordens da hierarquia da Igreja (Conflictos de obedecencia). Afirmou também que a ordem jesuíta havia exigido a dissolução do grupo e que eles se recusaram a acatar as instruções de Bergoglio.

O documento reconhece que a “prisão” dos dois padres, que foram levados para o centro de tortura e detenção da Escola Naval de Mecânica, ESMA, foi baseada em informações transmitidas pelo Padre Bergoglio às autoridades militares. (assinado pelo Sr. Orcoyen).

Embora um antigo membro do grupo de padres tenha se juntado à insurgência, não havia evidências de que os padres tivessem contato com o movimento guerrilheiro.

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 “Sagrada Comunhão para os Ditadores” 

As acusações contra Bergoglio em relação aos dois padres jesuítas sequestrados e seis membros de sua paróquia são apenas a ponta do iceberg. Embora Bergoglio fosse uma figura importante na Igreja Católica, ele certamente não estava sozinho no apoio à Junta Militar.

Segundo a advogada Myriam Bregman: “As próprias declarações de Bergoglio provaram que as autoridades eclesiásticas sabiam desde o início que a junta estava torturando e matando seus cidadãos”, e ainda assim apoiaram publicamente os ditadores. “A ditadura não poderia ter operado dessa maneira sem esse apoio fundamental” (Los Angeles Times, 1º de abril de 2005, grifo nosso).

Toda a hierarquia católica apoiava a ditadura militar patrocinada pelos EUA.  Vale lembrar que em 23 de março de 1976, às vésperas do golpe militar:

Videla e outros conspiradores receberam a bênção do Arcebispo do Paraná, Adolfo Tortolo, que também serviu como vigário das Forças Armadas. No dia da tomada de poder, os líderes militares tiveram uma longa reunião com os líderes da conferência episcopal. Ao sair da reunião, o Arcebispo Tortolo declarou que, embora “a Igreja tenha sua própria missão específica... há circunstâncias em que ela não pode se abster de participar, mesmo quando se trata de problemas relacionados à ordem específica do Estado”. Ele instou os argentinos a “cooperar de forma positiva” com o novo governo. (The Humanist.org, janeiro de 2011, grifo do autor)

Em entrevista ao El Sur, o general Jorge Videla, que agora [falecido em maio de 2013] cumpre pena de prisão perpétua por crimes contra a humanidade, confirmou que:

“Ele manteve a hierarquia católica do país informada sobre a política de seu regime de “desaparecimento” de oponentes políticos , e que os líderes católicos ofereceram conselhos sobre como “administrar” a política. 

Jorge Videla disse ter tido "muitas conversas" com o primaz da Argentina, Cardeal Raúl Francisco Primatesta, sobre a guerra suja de seu regime contra ativistas de esquerda. Ele disse que também houve conversas com outros bispos importantes da conferência episcopal argentina, bem como com o núncio papal do país na época, Pio Laghi.

“Eles nos aconselharam sobre a maneira de lidar com a situação”, disse Videla” (Tom Henningan, ex-ditador argentino, diz que contou à Igreja Católica sobre desaparecidos,  Irish Time, 24 de julho de 2012, ênfase adicionada)

Vale ressaltar que, segundo uma declaração de 1976 do Arcebispo Adolfo Tortolo, os militares sempre consultariam um membro da hierarquia católica em caso de "prisão" de um membro de base do clero. Essa declaração foi feita especificamente em relação aos dois padres jesuítas sequestrados, cujas atividades pastorais estavam sob a autoridade do "provincial" da Companhia de Jesus, Jorge Mario Bergoglio. (El Periodista Online, março de 2013).

Ao apoiar a Junta militar, a hierarquia católica foi cúmplice de tortura e assassinatos em massa, estimando-se que “22.000 mortos e desaparecidos, de 1976 a 1978  … Milhares de vítimas adicionais foram mortas entre 1978 e 1983, quando os militares foram forçados a deixar o poder.” (Arquivo de Segurança Nacional, 23 de março de 2006).

O papel do Vaticano

O Vaticano, sob o comando do Papa Paulo VI e do Papa João Paulo II, desempenhou um papel central no apoio à Junta militar argentina.

Pio Laghi, núncio apostólico do Vaticano na Argentina, admitiu ter “feito vista grossa” às torturas e massacres.

Laghi tinha laços pessoais com membros da junta militar governante, incluindo o general Jorge Videla e o almirante Emilio Eduardo Massera.

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 (Núncio Pio Laghi do Vaticano e General Jorge Videla)

O Almirante Emilio Massera, em estreita ligação com seus assessores americanos, foi o mentor de "La Guerra Sucia". Sob os auspícios do regime militar, ele estabeleceu:

“um centro de interrogatório e tortura na Escola Naval de Mecânica, ESMA [perto de Buenos Aires], … Era um estabelecimento sofisticado e multifuncional, vital no plano militar para assassinar cerca de 30.000 “inimigos do estado”. … Muitos milhares de internos da ESMA, incluindo, por exemplo, duas freiras francesas, eram rotineiramente torturados sem piedade antes de serem mortos ou jogados de aeronaves no Rio da Prata.

Massera, o membro mais influente do triunvirato, fez o possível para manter seus laços com Washington. Auxiliou no desenvolvimento do Plano Cóndor, um esquema colaborativo para coordenar o terrorismo praticado pelos regimes militares sul-americanos. (Hugh O'Shaughnessy, Almirante Emilio Massera: oficial da Marinha que participou do golpe de 1976 na Argentina e posteriormente foi preso por sua participação nos crimes da junta, The Independent, 10 de novembro de 2010, grifo nosso)

Relatos confirmam que o representante do Vaticano Pio Laghi e o Almirante Emilio Massera eram amigos.

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(Almirante Emilio Massera, arquiteto da “Guerra Suja”, recebido pelo Papa Paulo VI no Vaticano)

A Igreja Católica: Chile versus Argentina

Vale destacar que, após o golpe militar no Chile em 11 de setembro de 1973, o Cardeal de Santiago do Chile, Raúl Silva Henriquez, condenou abertamente a junta militar liderada pelo General Augusto Pinochet. Em nítido contraste com a Argentina, essa postura da hierarquia católica chilena foi fundamental para conter a onda de assassinatos políticos e violações de direitos humanos contra apoiadores de Salvador Allende e opositores do regime militar.

O homem por trás do Comitê Inter-Religioso Pró-Paz era o Cardeal Raúl Silva Henríquez. Logo após o golpe, Silva, … assumiu o papel de “defensor”, termo cunhado pela autora e ativista Samantha Power para distinguir pessoas que se opõem à injustiça — muitas vezes com grande risco pessoal — de “espectadores”.

… Logo após o golpe, Silva e outros líderes da igreja publicaram uma declaração condenando e expressando pesar pelo derramamento de sangue. Este foi um ponto de virada fundamental para muitos membros do clero chileno… O cardeal visitou o Estádio Nacional e, chocado com a escala da repressão governamental, instruiu seus assessores a começarem a coletar informações dos milhares que se aglomeravam na igreja em busca de refúgio.

As ações de Silva levaram a um conflito aberto com Pinochet, que não hesitou em ameaçar a igreja e o Comitê Pró-Paz. ( Tomando uma posição contra Pinochet: A Igreja Católica e os Desaparecidos pdf)

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Santiago do Chile: Cardeal Raúl Silva Henríquez. 

Se a hierarquia católica na Argentina e Jorge Mario Bergoglio tivessem tomado uma posição semelhante à do Cardeal Raul Silva Henriquez, milhares de vidas teriam sido salvas.

Jorge Mario Bergoglio não era, nas palavras de Samantha Power, um "espectador". O Papa Francisco I também não era "um Homem do Povo" comprometido em "ajudar os pobres" seguindo os passos de São Francisco de Assis, como retratado em coro pelo mantra da mídia ocidental.

Muito pelo contrário: seus esforços sob a Junta militar visavam consistentemente membros progressistas do clero católico, bem como ativistas comprometidos com os direitos humanos envolvidos em programas de combate à pobreza de base.

Ao apoiar a “Guerra Suja” da Argentina, Jorge Mario Bergoglio violou descaradamente os próprios princípios da moral cristã que prezam o valor da vida humana.

“Operação Condor” e a Igreja Católica

A eleição do Cardeal Bergoglio pelo conclave do Vaticano para servir como Papa Francisco I terá repercussões imediatas em relação ao julgamento da “Operação Condor” em andamento em Buenos Aires.

A Igreja esteve envolvida no apoio à Junta Militar. Isso é algo que surgirá no decorrer do julgamento. Sem dúvida, haverá tentativas de ofuscar o papel da hierarquia católica e do recém-nomeado Papa Francisco I, que serviu como chefe da ordem dos Jesuítas na Argentina durante a ditadura militar.

Jorge Mario Bergoglio: “O Papa de Washington no Vaticano”? 

A eleição do Papa Francisco I tem amplas implicações geopolíticas para toda a região latino-americana.

Na década de 1970, Jorge Mario Bergoglio apoiou uma ditadura militar patrocinada pelos EUA.

A hierarquia católica na Argentina apoiava o governo militar. O programa da Junta de tortura, assassinatos e "desaparecimentos" de milhares de opositores políticos era coordenado e apoiado por Washington no âmbito da "Operação Condor" da CIA.

Os interesses de Wall Street eram sustentados pelo gabinete de José Alfredo Martinez de Hoz no Ministério da Economia.

A Igreja Católica na América Latina é politicamente influente. Ela também exerce influência sobre a opinião pública. Isso é conhecido e compreendido pelos arquitetos da política externa dos EUA, bem como pela inteligência americana.

Na América Latina, onde vários governos estão agora desafiando a hegemonia dos EUA, seria de se esperar – dado o histórico de Bergoglio – que o novo Pontífice Francisco, como líder da Igreja Católica, desempenhasse de fato um papel político discreto e “secreto” em nome de Washington.

Com Jorge Bergoglio, o Papa Francisco I no Vaticano — que serviu fielmente aos interesses dos EUA no auge do General Jorge Videla e do Almirante Emilio Massera — a hierarquia da Igreja Católica na América Latina pode mais uma vez ser efetivamente manipulada para minar governos “progressistas” (de esquerda), não apenas na Argentina (em relação ao governo de Cristina Kirschner), mas em toda a região, incluindo Venezuela, Equador e Bolívia.

A posse de “um papa pró-EUA” ocorreu uma semana após a morte do presidente Hugo Chávez.

“Mudança de Regime” no Vaticano

O Departamento de Estado dos EUA pressiona rotineiramente os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas com o objetivo de influenciar a votação referente às resoluções do Conselho de Segurança.

Operações secretas e campanhas de propaganda dos EUA são rotineiramente aplicadas com o objetivo de influenciar eleições nacionais em diferentes países ao redor do mundo.

Da mesma forma, a CIA tem um relacionamento secreto de longa data com o Vaticano.

O governo dos EUA tentou influenciar o resultado da eleição do novo pontífice?

Firmemente comprometido em servir aos interesses da política externa dos EUA na América Latina, Jorge Mario Bergoglio era o candidato preferido de Washington.

Houve pressões secretas exercidas discretamente por Washington, dentro da Igreja Católica, direta ou indiretamente, sobre os 115 cardeais que são membros do conclave do Vaticano?

Nota do autor

Desde o início do regime militar, em 1976, fui professor visitante no Instituto de Política Social da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina. Meu principal foco de pesquisa na época era investigar os impactos sociais das reformas macroeconômicas fatais adotadas pela Junta Militar. 

Eu lecionava na Universidade de Córdoba (sob um contrato com a OIT) durante a onda inicial de assassinatos, que também teve como alvo membros progressistas do clero católico. A Junta havia designado a Força Aérea Argentina para supervisionar e proteger a Universidade Nacional. 

A cidade industrial de Córdoba, no norte do país, era o centro do movimento de resistência. Testemunhei como a hierarquia católica apoiava ativa e rotineiramente a junta militar, criando uma atmosfera de intimidação e medo em todo o país. O sentimento geral na época era de que os argentinos haviam sido traídos pelos altos escalões da Igreja Católica.

Três anos antes, na época do golpe militar de 11 de setembro de 1973 no Chile, que levou à derrubada do governo da Unidade Popular de Salvador Allende, eu era professor visitante no Instituto de Economia da Universidade Católica do Chile, em Santiago do Chile.

Imediatamente após o golpe no Chile, testemunhei como o Cardeal de Santiago, Raúl Silva Henriquez – agindo em nome do povo chileno e da Igreja Católica – enfrentou corajosamente a ditadura militar do general Augusto Pinochet

Anexo

Arquivo de Segurança Nacional. Documentos Desclassificados Divulgados 

Documentos selecionados sobre o Golpe Militar Argentino de março de 1976

O anexo foi adicionado ao artigo em 21 de abril de 2025

Imagem de destaque: Jorge Mario Bergoglio e General Jorge Videla

Fonte

Massacre de Eldorado do Carajás: “Um dia para não esquecer”

17.04.25 | Manuel

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Cercados pela Polícia Militar, os sem terra foram assassinados com as suas próprias ferramentas de trabalho ou executados com tiros na cabeça - J.R. Ripper

Em abril de 1996, 21 trabalhadores rurais foram assassinados; para quem sobreviveu, a dor transformou-se em luta

 Catarina Barbosa

Era uma quarta-feira, por volta das 16h, do dia 17 de abril de 1996. Cerca de 1,5 mil pessoas estavam acampadas na curva do S, em Eldorado do Carajás, sudeste do Pará, em forma de protesto. O objetivo era marchar até a capital Belém e conseguir a desapropriação da fazenda Macaxeira, ocupada por 3,5 mil famílias sem-terra.

A caminhada que tinha começado no dia 10 de abril foi parada com sangue em um ataque da Polícia Militar que ficou mundialmente conhecido como o Massacre de Eldorado do Carajás. Um total de 155 policiais militares estiveram envolvidos na operação que deixou 21 camponeses mortos, 19 no local do ataque, e outros dois que faleceram no hospital.

Para muitas das famílias que tiveram suas vidas marcadas pela morte, a luta não terminou naquele massacre. Polliane Soares é da direção estadual no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Pará. Naquele 17 abril de 1996, ela tinha 11 anos, e marchava junto da família rumo a Belém pela rodovia PA-150 para reivindicar o direito à terra.

“Eu lembro que no dia do massacre, eu estava na cidade com a minha mãe [,que atuava como professora em Eldorado]. Em um determinado momento da noite, eu acho que por volta das 20h houve um apagão geral. Quando aconteceu apagão, começou a circular a informação de que tinha acontecido o assassinato, que tinham matado os sem-terra lá na curva [do S] e a minha mãe – como o irmão dela estava lá – ficou desesperada”.

Ao anoitecer, o crime já tinha sido cometido. Sem luz e em uma cidade em meio ao breu, totalmente incomunicável, mãe e filha não conseguiram dormir. No dia seguinte, logo cedo, seguiram para a curva do S.

“Quando a gente chegou, eu me lembro muito, de muito sangue na pista. Um cenário muito forte de destruição. As marcas estavam por todos os cantos, muitas coisas deixadas para trás”, diz ela.

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 Dos 19 trabalhadores que morreram no local, oito foram mortos por armas brancas. Os outros 11 foram alvejados com 37 tiros, quase 4 tiros por pessoa/ J.R. Ripper

Metralhadora contra pedras

Três meses antes do massacre, em 5 de março de 1996, as famílias haviam ocupado a fazenda Macaxeira – em Curionópolis, município vizinho a Eldorado – e buscavam negociação com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para iniciar o processo de desapropriação da terra improdutiva. Sem respostas e tendo recebido promessas que nunca foram cumpridas, os camponeses decidiram protestar na capital.

A marcha partiu de Curionópolis e pretendia passar por Eldorado do Carajás e Marabá, antes de chegar a Belém. Quem viveu aquele dia ou assistiu às imagens gravadas pela TV Liberal, afiliada da Rede Globo no Pará, viu a viu a violência que recebeu as famílias sem-terra em Eldorado. A repórter Marisa Romão chegou a pedir aos policiais aos gritos de "só tem mulher e criança".

O registro mostra pessoas ensanguentadas correndo em meio ao chão de terra batida, tiros, sangue, desespero. A agressão durou praticamente duas horas.

Os trabalhadores foram cercados. De um lado policiais do quartel de Parauapebas, do outro policiais do batalhão de Marabá. Dos 19 mortos, oito foram assassinados com seus próprios instrumentos de trabalho: foices e facões, os outros 11 foram alvejados com 37 tiros, uma média de quatro tiros para cada pessoa. Outras 79 pessoas ficaram feridas. Duas delas faleceram no hospital. 

A polícia matou camponeses com tiros na nuca, na testa – em claro sinal de execução. Um teve a cabeça esmagada.

O tio de Polliane sobreviveu. "Naquele tempo tinha, claro, essa divisão dos apoiadores e dos não apoiadores do movimento, mas tinha também uma sensação muito forte de medo sobre o que o Estado podia fazer com as pessoas. Em Eldorado naquela época, eu lembro que os pais da gente, passaram e ter muito receio. A minha mãe e as colegas dela que trabalhavam na escola diziam 'tenham cuidado, quando vocês verem a polícia em algum lugar, entrem em uma outra rua, lembra do que a polícia fez lá na curva do S com os sem-terra'", relata a atual dirigente do movimento.

Naquele tempo tinha, claro, essa divisão dos apoiadores e dos não apoiadores do movimento, mas tinha também uma sensação muito forte de medo sobre o que o Estado podia fazer com as pessoas.

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Fragmento da capa do Jornal do Brasil do dia 18 de abril de 1996 / Reprodução/Jornal do Brasil

Um ato de covardia

Para o professor e dirigente estadual do MST Pará, Batista Nascimento Silva, 39 anos, que mora no assentamento Lourival Santana não há outra definição para o que foi feito se não covardia. Quando, os trabalhadores foram cercados pela PM, Batista estava na PA-150, no sentido Eldorado/Marabá.

"Quando os policiais chegaram e desceram no sentido Marabá começaram a jogar bombas e atirar, os policiais do outro lado, de Eldorado, iniciaram o mesmo ato suprimindo os sem-terra, pois eles foram se aproximando. Os sem-terra, ao perceber que um cidadão baleado caiu no chão, partiram para cima jogando pedras, pau, como uma forma de proteção para tentar afastar os policiais, mas eles acirraram mais ainda o tiroteio", relata. 

Para se proteger, Batista atravessou a PA-150 para procurar refúgio. "Não tive como ir muito além, muito mato. Retornei, atravessei agachado, muitas pessoas caídas e eu consegui chegar até uma casa do outro lado e lá fiquei por poucos instantes onde já tinham companheiros baleados. Cheguei a ver companheiros socorrendo outros baleados, pernas estouradas de tiro, tiro na boca, cheguei a presenciar. Tinha uma área fechada da casa e eu empurrei a porta porque eu queria me refugiar lá dentro e lá tinham várias pessoas deitadas no chão, crianças, mulheres, senhores e jovens.”

Cheguei a ver companheiros socorrendo outros baleados, pernas estouradas de tiro, tiro na boca.

O militante observou as pessoas machucadas e com medo e decidiu não entrar, mas percebeu policiais se aproximando e se escondeu no mato onde ficou até às 20h. Ao sair, procurou a mãe e os quatro irmãos. O pai tinha ido à Curionópolis pela manhã, quando retornou foi impedido de passar pelo bloqueio feito pela polícia e assistiu ao massacre sem poder fazer nada. Por volta de 22h, Batista encontrou a mãe e três irmãos, a irmã caçula só foi encontrada no dia seguinte.

"Depois do acontecido ficamos dois dias no local, porque não tínhamos para onde ir e só saímos no dia em que os corpos foram liberados de Marabá para seguir para velório. Então, algo assim, está arraigado na memória e todos os dias de certa forma a gente lembra todo aquele cenário, aquela movimentação, aquilo que foi denominado Massacre de Eldorado do Carajás.”

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Jornal O Globo estampa na capa a confirmação de que sem-terra foram executados pela PM / Reprodução/Jornal O Globo

Memória de luta

Batista acredita que o Massacre foi uma forma de o sistema reprimir a luta do MST naquele momento. "O sistema naquele momento aqui na região dominado pelos ideais dos reis do latifúndio juntamente com um grupo da sociedade que englobava comerciantes, empresas, por exemplo, a Vale estavam furiosos com a expansão e a territorialização do MST", explica o professor.

O sistema naquele momento aqui na região dominado pelos ideais dos reis do latifúndio juntamente com um grupo da sociedade que englobava comerciantes, empresas, por exemplo, a Vale estavam furiosos com a expansão e a territorialização do MST.

Ele, que na época tinha 15 anos, afirma que aquele momento instigou a sua vontade de estar ainda mais ao lado da luta da reforma agrária. "Aquele dia despertou em mim que só a luta é capaz de nos garantir conquistas e de certa forma as conquistas alcançadas com a luta se tornam justiça diante das imposições disseminadas pelos senhores que se beneficiam da exploração da classe trabalhadora, da classe mais vulnerável."

O MST faz questão de honrar a memória dos que tombaram no dia 17 de abril. O coordenador estadual, Tito Moura, opina que o massacre foi uma ação premeditada do Estado, que estava incomodado com a visibilidade do movimento.

Ele relata que, na época, a fazenda Rio Branco, hoje Assentamento Rio Branco estava ocupada; outro pedaço da mesma fazenda se tornou o Assentamento Palmares; e em seguida ocupou-se a fazenda Macaxeira com 3,5 mil famílias. "Para os fazendeiros, aquele momento tinha que ser barrado", resume. 

Moura já atuava como coordenador do MST na época do massacre e marchou de Curionópolis até Eldorado, mas retornou para resolver assuntos relacionados ao Assentamento Palmares onde, mora até hoje. Assim como Tito diversas pessoas foram poupadas do Massacre, porque haviam retornado aos seus assentamentos.

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Em memória às vítimas do massacre, o monumento das castanheiras queimadas fica no km 95 da PA-150, na chamada curva do S / Divulgação

Impunidade

Dos 155 policiais que atuaram no caso, somente Mário Pantoja e José Maria de Oliveira, comandantes da operação, foram condenados e cumprem a pena em liberdade. Os outros 153 PMs foram absolvidos, ainda que vários dos policiais que atuaram no caso estivessem sem identificação e com armas retiradas do quartel sem registro, o que não é permitido.

Depois do massacre, 17 de abril se tornou o Dia Mundial da Luta pela Terra. A fazenda Macaxeira, cujo proprietário é um dos mandantes do crime, foi desapropriada e se tornou o assentamento 17 de Abril.

O local que foi palco do massacre hoje é considerado sagrado pelo movimento. O "monumento das castanheiras queimadas" é formado por árvores mortas, uma para cada vida ceifada. Ao centro há um altar com o nome das pessoas assassinadas, como forma de homenagem. Tudo para lembrar as vidas roubadas.

A juventude do MST também usa o espaço como acampamento na região amazônica. Os atos e a valorização do espaço são para que o mundo não se esqueça, nunca, o que a PM do Pará fez no dia 17 de abril, em Eldorado do Carajás.

Editado por: Rodrigo Chagas

Ler em: Espanhol

Fonte

A revisão histórica de Buchenwald

14.04.25 | Manuel

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Por Vijay Prashad

Caros amigos,

Há oitenta anos, a 11 de abril de 1945, unidades da 4ª Divisão Blindada das Forças Armadas dos EUA do General George S. Patton avançaram em direção à cidade de Weimar, na Alemanha, onde se situava o campo de concentração de Buchenwald. As tropas de Patton acabaram por assumir o controlo do campo, mas os testemunhos dos soldados, recolhidos posteriormente pelos historiadores, sugerem que os tanques americanos não foram os responsáveis ​​pela libertação de Buchenwald: o campo já tinha sido tomado pela organização e coragem dos prisioneiros, que aproveitaram a fuga dos soldados alemães face ao avanço dos Aliados.

Os prisioneiros políticos do campo de concentração de Buchenwald formaram-se em grupos de combate ( Kampfgruppen ), que usaram o seu stock oculto de armas para fomentar uma revolta dentro do campo, desarmar os guardas nazis e tomar a torre à entrada do campo. Os prisioneiros hastearam uma bandeira branca na torre e formaram um círculo à volta do campo para informar as tropas americanas que já tinham libertado o campo de concentração de Buchenwald. “Das Lager hatte sich selbst befreit”, disseram; "o campo libertou-se".

Não foi só em Buchenwald que os prisioneiros se revoltaram. Em agosto de 1943, os prisioneiros de Treblinka revoltaram-se armadamente e, apesar de terem sido abatidos a tiro, obrigaram os nazis a encerrar este repulsivo campo de extermínio (os nazis assassinaram quase um milhão de judeus só neste campo).

O Exército Vermelho da União Soviética e as forças norte-americanas também libertaram vários campos, a maioria deles terríveis campos de extermínio do Holocausto. As tropas americanas libertaram Dachau em abril de 1945, mas foi o Exército Vermelho que abriu as portas à maioria dos piores campos, como Majdanek (julho de 1944), Auschwitz (janeiro de 1945) na Polónia e Sachsenhausen (abril de 1945) e Ravensbrück (abril de 1945) na Alemanha.

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Living in the Tunnel, 1953. Dominik Cerný, Checoslováquia, KL Dora (Via Tricontinental: Institute for Social Research)

Em julho de 1937, o regime nazi levou prisioneiros de Sachsenhausen para uma zona perto de Weimar (casa de Johann Wolfgang von Goethe e Friedrich Schiller, além do local onde foi assinada a Constituição Alemã de 1919). Os prisioneiros desmataram quase 400 acres de floresta para construir um campo de concentração para abrigar 8.000 pessoas, que o comandante do campo nazi Hermann Pister (1942–1945) utilizou para experiências médicas e trabalhos forçados.

Quando o campo foi encerrado, oito anos depois, continha quase 280.000 prisioneiros (a maioria comunistas, sociais-democratas, ciganos e sinti, judeus e dissidentes cristãos). No final de 1943, os nazis mataram a tiro quase 8.500 prisioneiros de guerra soviéticos no campo e mataram muitos comunistas e sociais-democratas.

Estima-se que os nazis tenham matado um total de 56.000 prisioneiros neste campo, incluindo o líder do Partido Comunista da Alemanha (KPD), Ernst Thälmann, que foi morto a tiro a 18 de agosto de 1944, após 11 anos em regime de solitária. Mas Buchenwald não era um campo de extermínio como Majdanek e Auschwitz. Não fazia parte directamente da hedionda “ solução final para a questão judaica ” ( Endlösung der Judenfrage ) de Adolf Hitler.

Em Buchenwald, os comunistas e os sociais-democratas criaram o Comité Internacional do Campo para organizar as suas vidas no campo e conduzir actos de sabotagem e rebelião (incluindo, nomeadamente, contra as fábricas de armamento próximas). Por fim, a organização amadureceu e transformou-se no Comité da Frente Popular, criado em 1944, com quatro líderes: Hermann Brill (Frente Popular Alemã), Werner Hilpert (Democratas Cristãos), Ernst Thape (Social-democratas) e Walter Wolf (Partido Comunista da Alemanha).

O que foi notável nesta iniciativa foi que, apesar dos prisioneiros, o comité já tinha começado a discutir o possível futuro de uma nova Alemanha, desnazificada de cima a baixo e baseada numa economia cooperativa. Enquanto esteve em Buchenwald, Wolf escreveu  Uma crítica da irracionalidade: sobre a análise da pseudofilosofia nacional-socialista .

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Bloco 51. Buchenwald. Acampamento Pequeno, 1947, Nachum Bandel, Ucrânia. (Via Tricontinental: Instituto de Investigação Social)

Uma semana depois de os prisioneiros terem libertado Buchenwald, colocaram uma escultura de madeira perto do campo como símbolo da sua resistência antifascista. Queriam recordar o campo não pelos assassinatos, mas pela resiliência durante o encarceramento e na autolibertação.

Em 1945, os prisioneiros já tinham moldado o Juramento de Buchenwald, que se tornou o seu lema: “Só desistiremos da luta quando o último culpado for julgado pelo tribunal de todas as nações. A destruição absoluta do nazismo, até às suas raízes, é o nosso objectivo. A construção de um novo mundo de paz e liberdade é o nosso ideal.”

O campo, então na República Democrática Alemã (RDA ou Alemanha de Leste), foi convertido numa prisão para os nazis que aguardavam os seus julgamentos. Alguns nazis foram fuzilados pelos seus crimes, incluindo o presidente da Câmara de Weimar, Karl Otto Koch, que tinha organizado a prisão de judeus na cidade em 1941.

Entretanto, do outro lado da Cortina de Ferro, a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) rapidamente incorporou os antigos nazis na burocracia estatal, sendo que dois terços da alta direção do  Bundeskriminalamt  (a polícia criminal federal) foi composta por antigos nazis. [Reinhard Gehlen, antigo chefe da inteligência militar nazi, por exemplo, tornou-se chefe do  Bundesnachrichtendienst  (BND), a agência de inteligência estrangeira da Alemanha Ocidental, de 1956 a 1968.]

À medida que o processo de julgamentos e castigos dos nazis chegava ao fim, os restos mortais de Buchenwald tornaram-se parte do projeto de memorialização pública na RDA.

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Retrato de uma mulher em frente a uma porta de madeira, Ilse Häfner-Mode, Alemanha, nd (Via Tricontinental: Instituto de Investigação Social)

Em 1958, Otto Grotewohl, um social-democrata que foi o primeiro primeiro-ministro da RDA, abriu o campo a centenas de milhares de trabalhadores e crianças em idade escolar para visitarem os edifícios, ouvirem histórias de atrocidades e de resistência e comprometerem-se com o antifascismo.

No mesmo ano, o ex-prisioneiro Bruno Apitz publicou  Nackt unter Wölfen  ( Nu entre lobos ), que contava a história de como o movimento de resistência no campo escondeu um rapazinho, colocando-o em grande risco para o próprio movimento, e depois como o movimento capturou o campo em 1945.

O romance foi transformado em filme na RDA por Frank Beyer em 1963. A história foi baseada no relato verídico de Stefan Jerzy Zweig, um rapaz que foi escondido pelos prisioneiros para o poupar de ser enviado para Auschwitz. Zweig sobreviveu à provação e morreu aos 81 anos em Viena, em 2024.

A RDA moldou a sua cultura nacional em torno do tema do antifascismo. Em 1949, o Ministério da Educação Popular instou as escolas a criarem um calendário de eventos que destacasse a luta antifascista em vez dos feriados religiosos, como o Dia Mundial da Paz em vez do  Fasching  (Mardi Gras).

A antiga  Jugendweihe  (cerimónia de iniciação juvenil) deixou de ser apenas um ritual de passagem e passou a ser uma afirmação para os jovens se comprometerem com o antifascismo. As escolas levavam os seus alunos em excursões para visitar Buchenwald, Ravensbrück e Sachsenhausen para aprenderem sobre a hediondez do fascismo e cultivarem valores humanistas e socialistas.

Este foi um poderoso exercício de transformação social para uma cultura que tinha sido arrastada para o nazismo.

Quando a Alemanha Ocidental anexou a Alemanha de Leste em 1990, iniciou um processo para minar os avanços do antifascismo desenvolvido na RDA. Buchenwald foi o ponto zero deste exercício.

Em primeiro lugar, a liderança em Buchenwald tornou-se uma controvérsia. A Dra. Irmgard Seidel, que assumiu o cargo do ex-prisioneiro da KPD, Klaus Trostorff, em 1988, descobriu que tinha sido despedida através de um artigo de jornal. (Ao investigar os registos das SS, o Dr. Seidel  descobriu  que existiam 28.000 prisioneiras em Buchenwald que trabalhavam como escravas, principalmente nas fábricas de armamento).

Foi substituída por Ulrich Schneider, que foi afastado quando foi revelado que tinha sido membro do Partido Comunista na Alemanha Ocidental. Schneider foi seguido por Thomas Hofmann, que era suficientemente anticomunista para agradar aos novos líderes políticos.

Em segundo lugar, a orientação antifascista da memória pública teve de ser alterada para encorajar o anticomunismo, por exemplo, minimizando o memorial a Thälmann. Uma nova ênfase foi colocada no uso de Buchenwald pelos soviéticos para aprisionar os nazis.

Os historiadores do oeste da Alemanha começaram a escrever relatos dizendo que foram os soldados de Patton, e não os prisioneiros, que libertaram o campo (foi esta a interpretação, por exemplo, do influente livro de Manfred Overesch,  Buchenwald und die DDR. Oder die Suche nach Selbstlegitimation  ( Buchenwald e a RDA. Ou a busca da auto-legitimação ), 1995.

Em junho de 1991, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Helmut Kohl, presidiu a uma cerimónia para instalar seis grandes cruzes para as vítimas da “ditadura terrorista comunista” e falou dos crimes nazis como se fossem idênticos às ações da União Soviética.

Entre 1991 e 1992, o historiador alemão Eberhard Jäckel liderou uma comissão para reescrever a história de Buchenwald, incluindo a acusação dos prisioneiros comunistas de colaborarem com os nazis e a homenagem às “vítimas” da prisão antifascista. Esta foi uma reorganização oficial dos factos históricos para exaltar os fascistas e minar os antifascistas.

Este revisionismo histórico atingiu novos patamares nos últimos anos. Os representantes diplomáticos da Rússia e da Bielorrússia — duas antigas repúblicas soviéticas — não foram convidados para os eventos anuais de comemoração.

Em discursos realizados no memorial, os oradores compararam os campos de concentração nazis aos campos de trabalho forçado soviéticos. E enquanto bandeiras israelitas foram exibidas abertamente em Buchenwald, os visitantes que usavam o keffiyeh foram proibidos de entrar no local e qualquer menção ao genocídio na Palestina foi repreendida.

Na década de 1950, os artistas comunistas uniram-se para construir um conjunto de memoriais em Buchenwald, em comemoração da luta contra o fascismo. Os escultores René Graetz, Waldemar Grzimek e Hans Kies criaram estelas em relevo com um poema do primeiro ministro da cultura da RDA, Johannes R. Becher, gravado no verso:

Thälmann viu o que aconteceu um dia:
Desenterraram as armas que estavam escondidas
Do túmulo os homens condenados se levantaram
Vejam os seus braços estendidos
Vejam um memorial com muitas formas
Evocando as nossas lutas presentes e passadas
Os mortos advertem: Lembrem-se de Buchenwald!

— As pinturas deste artigo são de ex-prisioneiros de Buchenwald e a fotografia retrata “Revolta dos Prisioneiros”, uma grande escultura de bronze dos prisioneiros a libertarem-se, feita por Fritz Cremer, que se juntou ao KPD em 1929.

Imagem de destaque: Insurreição em Buchenwald, Pintura de 1964 de Boris Taslitzky, França, (Via Tricontinental: Instituto de Investigação Social)

Fonte

80 anos da vitória sobre o nazismo e o fascismo

11.04.25 | Manuel

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Por Blegrade Forum

No dia 9 de maio de 2025, assinalam-se 80 anos da gloriosa vitória dos Aliados sobre o nazi-fascismo, o maior mal da história da civilização. A Sérvia e o povo sérvio deram um contributo tremendo para esta vitória e, juntamente com os povos russo e polaco, sofreram as maiores baixas pela liberdade da Europa e do mundo. Nesta ocasião, as associações independentes, apartidárias e sem fins lucrativos – Fórum de Belgrado para um Mundo de Iguais, Clube de Generais e Almirantes da Sérvia, Fundo Diáspora para a Pátria, SUBNOR Sérvia (União dos Veteranos da Segunda Guerra Mundial) e Associação de Veteranos da Inteligência Militar, enviam o seguinte:

Apelo “Profundamente preocupados com o renascimento do neonazismo”

Apelamos a todas as associações, organizações e indivíduos patriotas para que dediquem este ano a prestar as suas mais profundas homenagens às centenas de milhares de vítimas da luta sérvia pela liberdade, aos heróis e combatentes pela libertação nacional, bem como aos milhões de vítimas civis. Os seus sofrimentos, sacrifícios e méritos obrigam as gerações presentes e futuras a recordar, preservar e fortalecer eternamente o legado de liberdade, independência e dignidade. Recordar e respeitar a verdade histórica e os enormes sacrifícios humanos é um pré-requisito para que outros respeitem a Sérvia e o povo sérvio, os seus direitos e interesses, no presente e no futuro.

Saudamos a próxima participação da Sérvia, ao mais alto nível, e das Forças Armadas Sérvias na solene celebração do aniversário da vitória sobre o nazi-fascismo em Moscovo. A verdade histórica é que o maior contributo para a vitória sobre o nazi-fascismo foi dado pelo Exército Vermelho soviético, e exigimos uma oposição resoluta a qualquer tentativa de menosprezar ou subestimar o seu papel histórico nessa vitória. Juntamente com as unidades do Exército de Libertação Popular e os Destacamentos Partidários da Jugoslávia, deu um contributo incomensurável para as operações finais de libertação da Jugoslávia e de Belgrado. Expressamos a nossa mais profunda gratidão e curvamo-nos perante a memória de mais de 10.000 soldados do Exército Vermelho que deram a vida nesta luta comum.

A participação dos jovens e das suas associações na comemoração deste glorioso aniversário é um pré-requisito para que os heróicos libertadores e o seu sacrifício sejam sempre recordados e respeitados. O programa de comemoração deve decorrer ao longo do ano e ser incorporado nas atividades curriculares e extracurriculares de todos os alunos, bem como nos programas de informação, publicação, instituições científicas e culturais.

Expressamos a nossa mais profunda preocupação pelos esforços sistemáticos de certas potências globais para rever a história, minimizando a responsabilidade do nazi-fascismo por ter causado a Segunda Guerra Mundial, pelo genocídio contra outros povos, incluindo o genocídio contra o povo sérvio, pelos crimes contra a paz e a humanidade, pela limpeza étnica e pela enorme destruição que atrasou a Europa e toda a humanidade.

Condenamos todas as tentativas de equiparar os portadores do nazi-fascismo, os ocupantes e os seus representantes aos libertadores e vencedores do nazi-fascismo de Hitler. Estamos profundamente preocupados com a tendência de renascimento do neonazismo e do neofascismo que, sob o disfarce de anticomunismo e democracia, está a ocorrer no continente europeu, na qual participam certas instituições europeias, como o Parlamento Europeu, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e outras. Na antiga Jugoslávia, esta tendência reflecte-se no renascimento, ao longo de décadas, da ideologia Ustashe como um ramo do nazi-fascismo responsável pelo genocídio contra o povo sérvio e na associação e favorecimento de antigos membros das Potências do Eixo em bases anti-sérvias.

Apelamos às instituições e organizações educativas, científicas, culturais e de informação para que prestem mais atenção à preservação da verdade histórica e à afirmação das conquistas civilizacionais da vitória sobre o nazi-fascismo alemão, em particular, à valorização do imenso contributo da Sérvia e do povo sérvio para a causa aliada. Ao mesmo tempo, todos, de acordo com o seu lugar e papel na sociedade, têm a obrigação de se opor resolutamente a qualquer tentativa de falsificar a história. Devemos isso às enormes baixas que fazem parte da nossa identidade nacional e uma garantia de respeito pelos sérvios e pela Sérvia nas relações internacionais.

Escrever e imprimir livros de texto sobre este assunto não deve ser tratado como uma questão de mercado, mas exclusivamente como uma questão de educação, e deve ser tratado como uma responsabilidade primordial do Estado. Quando se trata de programas educativos, é obrigação das autoridades estatais competentes garantir uma apresentação apropriada e verificada da história da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, bem como da agressão da NATO de 1999.

O papel e o contributo da Sérvia e do povo sérvio na vitória dos Aliados, na oposição à política de agressão e dominação, na luta pelo respeito pelo direito internacional e, em particular, pelo princípio da igualdade de soberania, tornam a Sérvia e o povo sérvio únicos na Europa. Esta herança inestimável deve ser afirmada e defendida de todos os enganos e ataques, de fora e de dentro.

Apelamos às instituições estatais relevantes para que adoptem um documento sobre o genocídio do povo sérvio durante a Segunda Guerra Mundial, para que ergam um Memorial Sérvio às vítimas do genocídio no século XX e para que concluam o monumento “Chama Eterna” às vítimas da agressão da NATO no Parque da Amizade, em Nova Belgrado.

Defendemos o início de uma reivindicação de reparações de guerra ao agressor da NATO.

Apelamos às associações de cidadãos, às instituições governamentais locais, bem como às organizações culturais e educativas para que restaurem e preservem os monumentos aos soldados mortos e às vítimas civis da ocupação nazi-fascista, para que dêem ou restaurem os nomes de ruas, centros culturais, bibliotecas e outras instituições em homenagem aos heróis da luta contra o fascismo, bem como a todos aqueles que defenderam o país da agressão da NATO.

Apesar dos seus contratempos e manipulações, as Nações Unidas, fundadas há 80 anos como resultado da vitória sobre o nazi-fascismo, desempenharam um papel positivo na promoção do diálogo, dos direitos humanos, do desenvolvimento e da resolução pacífica de conflitos. Defendemos a reforma e o reforço da ONU para reflectir as profundas mudanças nas relações globais e garantir uma representação mais equilibrada das regiões do mundo e das aspirações da humanidade por uma nova ordem democraticamente organizada de países que sejam tratados como iguais.

A responsabilidade pela paz, pelo desenvolvimento e pelo futuro da humanidade não pode ser expressa através do egoísmo das políticas “excepcionais”, belicistas e de uma corrida ao armamento sem sentido. Apelamos ao diálogo, à coexistência e ao investimento numa vida melhor, nas escolas e nos hospitais, em vez de meios de assassinato em massa e de autodestruição.

Defendemos: a preservação e o fortalecimento de alianças das guerras mundiais e de parcerias estratégicas comprovadas; para a criação de uma ordem mundial justa, de não interferência e coexistência, em que cada um seja dono do seu próprio destino e da riqueza nacional; para uma nova arquitetura de segurança na Europa baseada no respeito e na cooperação mutuamente benéfica para todos; para o controlo de armas, resolução pacífica de disputas e conflitos internacionais através da eliminação das suas causas; elevar a política de neutralidade activa da Sérvia a um nível constitucional; para uma posição internacional equilibrada da Sérvia, com o desenvolvimento de relações e cooperação com todos os factores importantes nas relações mundiais com base nos princípios da igualdade; resolver a questão da província autónoma do Kosovo e da Metóquia, de acordo com a Resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU e a anulação de todos os atos contrários a esta decisão do Conselho de Segurança e à Constituição da Sérvia; para resolver a crise na Bósnia e Herzegovina de acordo com o Acordo de Dayton-Paris, respeitando os direitos originais (adquiridos) da República Sérvia, bem como para a abolição imediata da instituição obsoleta do Alto Representante.

Fórum de Belgrado para um Mundo de Iguais

Clube de Generais e Almirantes da Sérvia

Financiar a Diáspora para a Pátria

SUBNOR Sérvia (União dos Veteranos da Segunda Guerra Mundial)

Associação de Veteranos da Inteligência Militar da Sérvia

Imagem de destaque: Adolf Hitler em Maribor, Jugoslávia, em 1941. Mais tarde, ordenou aos seus oficiais que "tornassem novamente estas terras alemãs". (Licenciado sob CC BY-SA 3.0 de)

Relacionado: Nunca se esqueça! 1999–2024. “Da agressão a uma nova ordem mundial mais justa”. Conferência Internacional de Belgrado

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A brutalidade de Israel em Gaza supera todas as formas recentes de terrorismo

07.04.25 | Manuel

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Por Euro-Med Human Rights Monitor

A natureza dos crimes de Israel na Faixa de Gaza deve ser denunciada, particularmente o alcance horripilante dos crimes, a execução metódica e os efeitos abrangentes, que superam os de grupos armados como o ISIS. Embora os crimes cometidos pelo ISIS tenham sido amplamente denunciados pela comunidade internacional, a mesma comunidade está agora em grande parte silenciosa — e, portanto, cúmplice — enquanto Israel prossegue uma campanha de genocídio declarado que visa exterminar o povo palestiniano da sua terra natal. Esta campanha está em curso continuamente há quase 18 meses.

As forças de ocupação israelitas detonaram hoje (quinta-feira, 3 de abril de 2025) um robô equipado com toneladas de explosivos no coração do bairro densamente povoado de Shuja'iyya, no leste da Cidade de Gaza. A explosão ocorreu numa área repleta de civis deslocados, embora não houvesse necessidade militar nem atividade de combate nas proximidades. Este ato personifica a conduta das organizações terroristas existentes, superando-as mesmo em brutalidade e desrespeito pela vida humana, e não tem qualquer semelhança com a conduta de um estado ligado ao direito internacional, independentemente de quaisquer tentativas de o distorcer ou evitar.

A explosão matou 21 palestinianos e feriu cerca de outros 100, a maioria mulheres e crianças. Um quarteirão residencial inteiro foi destruído com os seus moradores ainda lá dentro, e este não é um incidente isolado. Nos últimos meses — particularmente no norte da Faixa de Gaza — Israel tem utilizado cada vez mais robôs carregados de explosivos em bairros residenciais durante as suas incursões terrestres. Pelo menos 150 destas detonações resultaram na morte de centenas de civis, na sua maioria mulheres e crianças, e provocaram a destruição em larga escala de casas e outras infraestruturas essenciais.

Uma atrocidade separada foi cometida a 23 de março, quando as forças israelitas detiveram 15 socorristas palestinianos do Crescente Vermelho Palestiniano e da Defesa Civil, juntamente com um funcionário das Nações Unidas, antes de os executarem extrajudicialmente — alguns com as mãos atadas. Os seus corpos foram atirados para um fosso, e as ambulâncias em que seguiam foram destruídas. Este incidente é outro exemplo flagrante de um crime israelita intencional que reflecte — e excede — a brutalidade de grupos como o ISIS, pois revela uma intenção clara e deliberada de aniquilar palestinianos tanto física como psicologicamente aterrorizando os residentes da Faixa de Gaza.

As equipas de campo do Euro-Med Monitor documentaram milhares de crimes cometidos pelas forças israelitas, constituindo provas esmagadoras de atrocidades em massa. Estes crimes incluem um padrão de violência sem precedentes na história recente, em termos de escala, seleção deliberada e intenção genocida. Pelo menos 58.000 palestinianos foram mortos, a maioria mulheres e crianças, e a maioria foi soterrada sob os escombros de casas deliberadamente destruídas sobre as suas cabeças, enquanto muitos foram mortos por tiros de franco-atiradores com clara intenção. Mais de 120.000 pessoas ficaram feridas e pelo menos 39.000 crianças ficaram órfãs. As infraestruturas da Faixa de Gaza, incluindo casas, hospitais e escolas, foram praticamente destruídas.

Estes actos representam uma das mais extensas e sistemáticas campanhas de extermínio da história contemporânea, sublinhando a necessidade urgente de responsabilização internacional, o fim da impunidade israelita e acções concretas para travar novas atrocidades.

Os métodos de Israel na Faixa de Gaza — particularmente o assassinato em massa de civis — têm uma impressionante semelhança com as tácticas utilizadas por grupos que a comunidade internacional condenou amplamente como terroristas. No entanto, as atrocidades que acontecem na Faixa de Gaza são muito mais perigosas em termos de escala, brutalidade e intenção sistemática, e não podem ser entendidas apenas como uma função de métodos ou ferramentas violentas. 

O que está a ocorrer na Faixa de Gaza constitui um genocídio em grande escala levado a cabo por um actor estatal com personalidade jurídica internacional e obrigações ao abrigo do direito internacional de proteger os civis. Em vez disso, Israel está a mobilizar os seus aparelhos militares, legais, judiciais e mediáticos, e a beneficiar de uma ampla protecção política internacional, para levar a cabo uma campanha sistemática de destruição contra uma população indefesa submetida ao seu regime colonial de colonatos e de apartheid. Os palestinianos que vivem sob este regime já não estão sujeitos à exclusão, à opressão e aos bombardeamentos intermitentes, como nos anos anteriores. Em vez disso, Israel tem agora uma legitimidade aberta para prosseguir o extermínio de palestinianos no enclave — sem controlo e sem responsabilização.

Estas acções não podem ser descartadas como políticas aleatórias ou extremas, mas representam um modelo completo de terrorismo de Estado organizado, impulsionado por um plano de aniquilação abrangente e implementado à vista da comunidade internacional. Estes crimes estão a ser cometidos com a intenção clara e declarada de eliminar o povo palestiniano como entidade nacional e colectiva, desarraigar aqueles que permanecem nas suas terras, apagar a sua identidade e, finalmente, pôr fim à sua existência colectiva.

O paradoxo chocante é que estes crimes — maiores em âmbito, estrutura e gravidade do que os cometidos por grupos armados proscritos — não são recebidos com condenação proporcional. Pelo contrário, Israel comete-os sob a bandeira da legitimidade internacional. Embora rápida a criminalizar as ações de grupos terroristas não estatais, a comunidade internacional estendeu um falso verniz de legalidade ao genocídio de Israel, permitindo o seu prolongamento e oferecendo imunidade total aos perpetradores.

Acabar com este duplo critério já não é uma questão de escolha, pois representa um ataque directo aos fundamentos do direito internacional e revela uma hipocrisia racista no quadro de protecção colectiva que deve ser abordada. Tratar os crimes de Israel como excecionais e irresponsáveis ​​enfraquece os princípios fundamentais da ordem jurídica global e consolida uma das formas mais perigosas de impunidade.

Todos os estados, tanto individual como colectivamente, devem cumprir as suas obrigações legais e tomar medidas urgentes para impedir o genocídio de Israel na Faixa de Gaza em todas as suas formas. Estas incluem a implementação de medidas concretas para proteger os civis palestinianos, garantir a conformidade de Israel com as normas jurídicas internacionais e as decisões do Tribunal Internacional de Justiça e garantir a total responsabilização dos autores de crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

É importante implementar os mandados de detenção emitidos pelo Tribunal Penal Internacional contra o Primeiro-Ministro e o Ministro da Defesa israelita o mais rapidamente possível e garantir a transferência destes indivíduos para a justiça internacional.

Além disso, a comunidade internacional deve impor sanções económicas, diplomáticas e militares abrangentes a Israel em resposta às suas graves e sistemáticas violações do direito internacional. Isto inclui um embargo de armas; a cessação de toda a cooperação política, financeira e militar; congelamento de bens dos funcionários implicados; proibições de viajar; e a suspensão dos privilégios comerciais e dos acordos bilaterais que proporcionam benefícios económicos a Israel, permitindo a sua continuação da criminalidade.

Por último, todos os estados e entidades relevantes devem responsabilizar os governos cúmplices, principalmente os Estados Unidos, juntamente com outras nações que prestam apoio directo ou indirecto a Israel na execução dos seus crimes. Qualquer assistência ou envolvimento nos setores militar, de inteligência, político, jurídico ou financeiro israelita e/ou cooperação com os meios de comunicação israelitas contribui para a continuação das atrocidades contra o povo palestiniano.

Imagem de destaque: A foto mostra os Drs. Muhanna e Abed a cuidar de uma criança e funcionários a lamentar a execução de três colegas pelas forças de ocupação.

Fonte

O sinistro 80º aniversário da Batalha de Okinawa

05.04.25 | Manuel

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Por Emanuel Pastreich

A 1 de abril de 1945, há 80 anos, as forças americanas desembarcaram na ilha principal de Okinawa após brutais batalhas nas ilhas vizinhas, principalmente em Iwo Jima. A força total de 1.600 navios e 400.000 soldados dos Estados Unidos lançou o maior ataque anfíbio da guerra nesse dia, com consequências terríveis para civis e soldados.

Okinawa foi uma nação independente, tal como o Havai, que sabiamente manteve uma economia de paz sustentável e boas relações através de intercâmbios culturais e diplomáticos com o Japão e a China durante séculos. O Reino de Ryukyu foi a primeira vítima da adesão ao imperialismo , sendo anexado pelo Japão em 1879, apenas catorze anos antes de os Estados Unidos derrubarem o Reino do Havai em 1893 para criar uma base para as suas próprias ambições no Leste Asiático.

Tanto os Estados Unidos como o Japão fizeram destes reinos insulares o centro dos seus planos militares de expansão imperial, ignorando os desejos de paz dos povos nativos e construindo vastas bases militares e instalações de apoio à guerra que geram grande riqueza para poucos até aos dias de hoje.

As bases militares dos Estados Unidos e do Japão, e dos Estados Unidos no Havai, são vorazes nos seus pedidos de financiamento e os seus apoiantes procuram constantemente alguma ameaça, alguma hipótese de conflito militar, que lhes permita continuar a gerar riqueza.

A Batalha de Okinawa demonstrou um novo nível de brutalidade na guerra mecanizada tanto do lado japonês como do lado americano.

Os militares japoneses fizeram de tudo para colocar o povo de Okinawa em perigo, utilizando-os para absorver o "tufão de aço" desencadeado pelos Estados Unidos, ordenando-lhes que se suicidassem com granadas de mão ou veneno, contando-lhes histórias de violações e assassinatos horríveis que sofreriam se não obedecessem.

As tropas japonesas também receberam ordens para se suicidarem, incluindo centenas de ataques suicidas kamikazes contra os navios americanos que chegavam. Não havia grande estratégia naquela época, exceto a prioridade de proteger os oficiais e obrigar todos a sacrificarem-se pelo Imperador e pela glória do Império Japonês.

Os americanos não foram menos brutais, aproveitando a oportunidade para testar tanques lança-chamas para incinerar civis e soldados. A rendição não era possível para a maioria dos japoneses e okinawanos, em parte devido à propaganda racista antijaponesa amplamente empregue pelos militares norte-americanos para tornar os soldados o mais implacáveis ​​possível. Além disso, após o bombardeamento de Dresden e Tóquio, o assassinato em massa de civis estava a tornar-se política militar pela primeira vez na história americana.

Embora 1945 tenha trazido um fim doloroso à guerra para grande parte do Japão, para Okinawa o trauma persistiu. Durante a ocupação pós-guerra pelos Estados Unidos, foi utilizada como principal base para as Guerras da Coreia e do Vietname. Mesmo após a sua devolução ao Japão em 1971, a grande maioria das bases americanas no Japão estavam localizadas em Okinawa, que evoluiu para a fortaleza da linha da frente para uma guerra iminente com a China, como é hoje.

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O couraçado USS  Idaho a bombardear Okinawa a 1 de abril de 1945 (Domínio Público)

As consequências foram a violação e a violência de civis por parte das tropas americanas, a introdução de economias apoiadas não pela pesca e agricultura tradicionais, mas pela prostituição e exploração numa cultura de consumo miserável. As águas subterrâneas foram poluídas com PFAS e outros “produtos químicos eternos” que causaram sofrimento em massa; as costas, os recifes de coral e as florestas virgens foram destruídos para instalações militares para gerar lucro.

E depois, quando a posição militar e económica dos Estados Unidos começou a decair na Ásia, a exigência de preparação para a guerra com a China tornou-se uma desculpa para militarizar ainda mais Okinawa.

Talvez alguns pensassem que o 80º aniversário daquela batalha brutal seria uma hipótese para os japoneses e os americanos reconhecerem a sua terrível brutalidade para com o povo de Okinawa e para com o seu próprio povo, para reconhecerem que a confusão entre o lucro e a expansão militar tinha sido a causa da Guerra do Pacífico e do cancro contínuo das bases em Okinawa. Talvez japoneses e americanos, crianças em idade escolar e poetas, dessem as mãos, declarando «nunca mais», e tomassem medidas para estabelecer uma cultura e uma economia de paz baseadas no reconhecimento do sofrimento dos habitantes de Okinawa — e estendendo-se aos jovens convocados para morrer naquela batalha brutal de ambos os lados.

Infelizmente, não foi assim que se celebrou o início da Batalha de Okinawa. Pete Hegseth, o recém-nomeado Secretário da Defesa dos Estados Unidos, chegou como um conquistador, deixando Iwo Jima a fazer um discurso militarista ao Primeiro-Ministro Shigeru Ishiba e outros, no qual elogiou o "ethos guerreiro" das tropas americanas e japonesas que lutaram por esta ilha, sem dizer uma palavra sobre os civis que morreram ou que morrerão em futuras guerras lançadas a partir de Okinawa.

Hegseth falou do massacre inútil em Iwo Jima desta forma:

“Vejam, Iwo Jima personifica o nosso ethos guerreiro partilhado; a nossa devoção partilhada à nação e ao dever; e a nossa reverência partilhada pelos homens de valor que nos precederam.”

Ou seja, a honra e a devoção ao dever sobrepõem-se à compaixão humana. O assassinato em massa é um ato sagrado que deve ser reverenciado. Este discurso não foi sobre a paz, mas antes um apelo descarado à guerra gloriosa.

Hegseth, que foi promovido a esta posição sem qualquer qualificação porque segue Donald Trump lealmente e promove a ideologia nacionalista cristã supremacista branca, é acima de tudo uma personalidade da TV na Fox News que glorificou abertamente a brutalidade e a crueldade dos soldados, defendendo crimes de guerra cometidos por soldados americanos no Iraque e no Afeganistão, além de promover a tortura como uma ferramenta legítima de guerra.

Alegando que estava a acabar com os excessos das políticas DEI (que eram reais), Hegseth ordenou uma purga implacável de todo o reconhecimento para aqueles que não eram brancos no Pentágono, trazendo de volta a cultura racista que permeou as forças armadas durante a Segunda Guerra Mundial.

A remoção das fotos e da descrição da 442ª Equipa de Combate Regimental do site do Departamento de Defesa, uma unidade composta inteiramente por nipo-americanos, foi um sinal claro de que o racismo antiasiático era bem-vindo (a entrada foi finalmente restaurada após imensos protestos).

O apelo de Hegseth ao fervor nacionalista cristão no seu livro American Crusade: Our Fight to Stay Free e ao ethos guerreiro de matar pela glória pessoal no seu livro The War on Warriors é inconfundível e sugere o fim do exército como um lugar que oferecia oportunidades, como aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial.

Hegseth chegou a Iwo Jima vindo das Filipinas como um MacArthur. Fez um discurso belicoso em Manila, diferente de tudo o que já foi recordado recentemente por um Secretário da Defesa. Deixou para trás as discussões sobre a “liberdade de navegação” e a “comunidade internacional” e substituiu-as pela ameaçadora “preparação para a guerra”, que repetiu. Chegou mesmo a elogiar o comandante da Sétima Frota dos EUA, Almirante Samuel Paparo, pelos “seus planos de guerra; Planos de guerra reais!”

A conferência de imprensa com o Ministro da Defesa, Gen Nakatani, em Tóquio, no dia 29 de Março, delineou planos para uma expansão maciça da cooperação industrial de defesa, incluindo a co-produção de mísseis ar-ar AMRAAM e de mísseis terra-ar. Não havia qualquer vestígio de planos de paz; a suposição clara era que o Japão continuaria a aumentar as despesas militares — até três por cento, de acordo com o Pentágono. Hegseth nem sequer teve de negociar neste ponto.

Mas a peça de resistência foi a atualização das Forças dos EUA no Japão para um Quartel-General de Força Conjunta que será perfeitamente integrado no novo Comando de Operações Conjuntas do Japão (JJOC) como parte de um esforço para criar uma cadeia de comando militar que esteja para além dos políticos e cujo sistema de comunicações e comando foi externalizado para empresas de TI como a Oracle, a Google e a Amazon — com um pouco de "IA" incluída para completar. Na verdade, está a ser implementado um sistema para iniciar uma guerra mundial por controlo remoto.

Hegseth deixou claro o que as mudanças significavam para si: “reorganizar (as) Forças dos EUA no Japão num quartel-general de combate”.

Nenhuma defesa do direito internacional, da diplomacia, do diálogo e da paz foi encontrada nas declarações de Hegseth. Quando chamou à China “China Comunista”, o tradutor chinês traduziu-o como “Partido Comunista Chinês”, porque uma provocação tão arcaica parecia totalmente deslocada. As observações finais de Hegseth foram ameaçadoras:

“Devemos estar preparados. Estamos ansiosos por trabalhar em conjunto, à medida que melhoramos as nossas capacidades de combate, a nossa letalidade e a nossa prontidão”.

Os planos actuais para fazer de Okinawa a plataforma de lançamento para um ataque à China são cada vez mais evidentes. O Japão divulgou planos a 28 de março sobre como evacuaria 100 mil civis de ilhas próximas de Taiwan num conflito — com exercícios que terão início no próximo ano. Este marcará o 81º aniversário da Batalha de Okinawa.

Imagem de destaque: 1º Regimento de Fuzileiros Navais durante os combates em Wana Ridge durante a Batalha de Okinawa, maio de 1945 (Domínio Público).

Fonte

Golpe militar completa 61 anos com legado de repressão e violência contra a população negra

01.04.25 | Manuel

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Giovanne Ramos

Regime militar perseguiu, espionou e apagou a militância negra, enquanto reforçava estruturas racistas no Brasil

Em 31 de março de 1964, um golpe militar derrubou o governo democraticamente eleito de João Goulart, instaurando no Brasil uma ditadura que durou 21 anos. Além da supressão de direitos políticos, censura e tortura contra opositores, o regime direcionou uma violência específica contra a população negra, criminalizando suas organizações, apagando sua história e reforçando estruturas racistas que persistem até hoje.

O livro “Brasil ano 2000 – O futuro sem fantasia”, publicado em 1969, revela que o regime via o ativismo negro como uma “ameaça subversiva“. O Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) infiltrou agentes em organizações como o Movimento Negro Unificado (MNU) e monitorou líderes que lutavam contra o racismo. 

Parte inferior do formulário

Em 1978, um protesto histórico em São Paulo, conhecido como “Marcha contra o Racismo e a Repressão”, reuniu milhares de pessoas em pleno regime militar para denunciar a violência policial e a discriminação racial.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou que negros foram vítimas de tortura, desaparecimentos e execuções, mas esses casos raramente foram investigados. Muitos militantes negros sequer constam nos registros oficiais de perseguidos políticos, evidenciando um apagamento deliberado.

Repressão às religiões afro-brasileiras

Terreiros de candomblé e umbanda foram invadidos, líderes religiosos presos e cerimônias proibidas sob a alegação de “práticas ilegais”. A ditadura associou essas religiões a “atividades subversivas”, reforçando estigmas que já existiam. Em alguns estados, como Bahia e Rio de Janeiro, a perseguição foi ainda mais intensa, com relatos de destruição de objetos sagrados e violência contra sacerdotes.

“Dependendo do lugar, os atabaques são controlados até hoje. Dependendo do terreiro no Rio de Janeiro, o tráfico proíbe macumba em alguns morros”, afirmou Alexandre Cumino, autor da obra “História da Umbanda no Brasil – Uma Religião Brasileira”, em entrevista à Alma Preta.

O apagamento da resistência negra durante o golpe militar

A história oficial da resistência à ditadura frequentemente omite a participação negra, destacando apenas figuras brancas e de classe média. No Paraná, por exemplo, registros do Grupo Palmares, uma das primeiras organizações a resgatar a figura de Zumbi dos Palmares como símbolo de luta, foram destruídos ou ignorados.

O teatro negro, a imprensa alternativa e os saraus culturais foram algumas das formas de resistência que surgiram nesse período. Artistas como Abdias do Nascimento e grupos como o Teatro Experimental do Negro usaram a arte para denunciar o racismo e a repressão, mesmo sob censura.

A ditadura não apenas reprimiu, mas também aprofundou desigualdades. Políticas de segregação urbana, a criminalização da pobreza e a violência policial cresceram durante o regime, afetando desproporcionalmente a população negra. 

O mito da “democracia racial” foi usado para negar a existência do racismo, enquanto a tortura e o assassinato de jovens negros eram tratados como “casos isolados”.

MNU e resistência em tempos de repressão

Fundado em 1978, ainda sob a ditadura, o Movimento Negro Unificado (MNU) surgiu como uma resposta à violência racial e à falta de representação política. Seu ato inaugural foi a histórica Marcha contra o Racismo e pela Anistia, realizada no Vale do Anhangabaú (SP), que denunciava tanto o regime militar quanto o assassinato de trabalhadores negros pela polícia. 

Sob vigilância constante, o movimento articulou-se de forma semi-clandestina, usando códigos e reuniões em espaços religiosos para escapar da repressão.

Lideranças como Hamilton Cardoso e Milton Barbosa usavam jornais alternativos (como “Jornegro“) para furar a censura, enquanto o MNU pressionava por políticas antirracistas – uma luta que só ganhou visibilidade com a redemocratização. Sua atuação provou que, mesmo sob tortura e desaparecimentos, a organização negra não apenas sobreviveu, mas plantou as sementes das conquistas antirracistas pós-1988.

Plataformas preservam história da repressão ao povo negro

Apesar do apagamento histórico sistemático, diversas iniciativas mantêm viva a memória da resistência negra durante a ditadura militar. Plataformas como Memórias da Ditadura e o acervo digital das Memórias Reveladas reúnem documentos oficiais, depoimentos e registros sobre a perseguição a militantes negros. 

O Instituto Odara publicou estudos detalhados sobre a repressão aos terreiros e lideranças comunitárias, enquanto a Alma Preta lançou um especial com dados inéditos sobre o monitoramento de organizações negras pelo DOPS.

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” dedicou um capítulo específico à violência racial em seu relatório final, citando casos de jovens negros como como Abílio Clemente Filho, Carlos Marighella, Helenira Resende, Alceri Maria Gomes e Osvaldo Orlando da Costa conhecido como Osvaldão, que enfrentaram tortura e assassinatos brutais ao lutar por democracia e direitos.

Universidades também têm resgatado essa história: a Universidade de São Paulo (USP) publicou pesquisas sobre o Teatro Experimental do Negro como estratégia de resistência cultural.

Imagem: Mulheres negras do Movimento Negro Unificado (MNU) em manifestação na Bahia, durante o regime militar.

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