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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

A corrupção à beira-mar plantada

03.04.24 | Manuel

  

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Artigo escrito em Dezembro de 2011 sobre a corrupção em base de crónicas de Manuel António Pina sobre o tema. Estávamos em pleno governo PSD/CDS. Achamos que vem a propósito quando o actual primeiro-ministro Montenegro quer fazer do “combate à corrrupção” uma das prioridades do governo. Se a coisa não fosse paga por todos nós, povo português, seria no mínimo uma piada.

Portugal encontra-se na 32ª posição em 183 países e em 18ª na Europa, apenas à frente de Malta, Itália, Grécia e dos países do Leste, no Índice de Percepção da Corrupção divulgado hoje pela Transparência Internacional, graças à falta de resolução de megaprocessos envolvendo políticos e ex-políticos agora alcandorados nos conselhos de administração de empresas e bancos privados. E, mais recentemente, uma alma penada veio prometer vigilância apertada quanto a este assunto no que respeita às privatizações que irão acontecer dentro em breve, mas para este mal e para o paciente que dele padece não há remédio, a doença é genética e dois casos graves ilustram e comprovam o mal endémico:

«A má vontade da Justiça contra Américo Amorim não é de hoje. Já em 1991, o MP o acusara de abuso de confiança e desvios em subsídios de 2,5 milhões de euros do Fundo Social Europeu; felizmente Deus e a morosidade dos tribunais escrevem direito por linhas tortas e o processo acabou por prescrever. Depois foi a "Operação Furacão" e uma investigação por fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas tudo acabou de novo em bem e sem julgamento. (“Um trabalhador em apuros” de Manuel António Pina, in “JN”).

E do mesmo cronista: «Foi o que fez Paulo Portas em relação à notícia do DN de que se terão misteriosamente evaporado, no caminho entre a proposta inicial e o contrato, 189 milhões das contrapartidas oferecidas pela empresa fornecedora das viaturas "Pandur" para o Exército e Marinha, adquiridas quando Portas foi ministro da Defesa. Conta o DN que "nem a Comissão Permanente de Contrapartidas nem Paulo Portas quiseram esclarecer a questão". Foi boa ideia, a questão esclarecer-se-á a si mesma com um ou dois penáltis mal assinalados e o incêndio dumas cadeiras e, para a semana, já ninguém se lembrará dela (“A democracia, essa maçada”, in “JN”).

Percebem-se bem as razões que movem esta gente quando se diz preocupada com a corrupção endémica e que sempre foi uma marca dos diversos regimes que vigoraram no país nos últimos 200 anos, ou seja, quando capitalismo começou a tomar conta, ao mesmo tempo que o criava e consolidava, do Estado: monarquia constitucional, I República, fascismo-salazarismo e II República. A corrupção faz parte do genoma do capitalismo e transversal nos corpos dos regimes políticos que o enformam. A preocupação é a de que corrupção a mais, a que dá demasiado nas vistas, pode prejudicar o desenvolvimento económico e o investimento estrangeiro, é o que se depreende da notícia (Lusa):

«"A falta de resolução de megaprocessos que envolvem políticos e homens de negócios também não tem favorecido uma melhoria das percepções externas sobre o combate à corrupção", justificou Luís de Sousa, presidente da Transparência e Integridade, representação em Portugal da organização não governamental, ao frisar que "Portugal não tem conseguido desmarcar-se da má imagem do funcionamento do seu sector público".

Segundo refere o responsável, "tudo isto tem consequências para o clima de negócios do país" e Portugal "tornou-se menos atractivo para o investimento externo de qualidade e sustentável e mais exposto a investidores sem escrúpulos que procuram ambientes de negócios impregnados de práticas de corrupção, clientelismo e fraca fiscalização, possibilitando a lavagem de dinheiros com proveniência duvidosa"».

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Em Visão

Fontes: Artigos completos de Manuel António Pina, e não são precisas mais considerações:

Um trabalhador em apuros

Deixa-me sempre pesaroso (embora só agora tenha assistido a tal coisa) ver o Fisco exigir 750 mil euros de impostos a um pobre trabalhador, mesmo que esse trabalhador seja o homem mais rico de Portugal e um dos 200 mais ricos do Mundo. Ainda por cima, o Fisco assaca a Américo Amorim coisas feias como ter feito, sem licença, obras de engenharia criativa na contabilidade das suas empresas.

A má vontade da Justiça contra Américo Amorim não é de hoje. Já em 1991, o MP o acusara de abuso de confiança e desvios em subsídios de 2,5 milhões de euros do Fundo Social Europeu; felizmente Deus e a morosidade dos tribunais escrevem direito por linhas tortas e o processo acabou por prescrever. Depois foi a "Operação Furacão" e uma investigação por fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas tudo acabou de novo em bem e sem julgamento.

Agora as Finanças não compreendem os contratempos hormonais das empresas de Américo Amorim e recusam aceitar como despesas os seus gastos em tampões higiénicos e outras exigências da feminilidade como roupas, cabeleireiros ou massagens. Até as contas da mercearia e festas e viagens dos netos o Fisco acha impróprias de um grupo de empresa só pelo facto de os grupos de empresas não costumarem ter netos.

Um trabalhador consegue juntar um pequeno pé-de-meia de 3,6 mil milhões e o Estado quer reduzir-lho a pouco mais de 3,599 mil milhões. Muito ingrato é ser trabalhador em Portugal!

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A Democracia, essa maçada

A liberdade de imprensa é uma maçada democrática. Outra é o "inalienável" direito à greve, como diria o ministro Miguel Macedo. De facto, a Democracia vem num "pack" constitucional que, se tem virtualidades, não tem menos inconveniências, sendo impossível adquiri-la sem adquirir também monos como esses.

Ora se, para os direitos à greve e à manifestação, há soluções clássicas, sintetizadas com admirável felicidade expressiva pelo director nacional da PSP: "Nós não andamos com bastões, nem com pistolas, nem com algemas, nem com escudos e etc. para mostrar que temos aquele equipamento" (esqueceu-se dos agentes provocadores infiltrados mas não podia lembrar-se de tudo, daí o "etc."), no que toca à liberdade de imprensa, quando a contra-informação não resolve o problema e falta "etc." apropriado, melhor é assobiar para o ar.

Foi o que fez Paulo Portas em relação à notícia do DN de que se terão misteriosamente evaporado, no caminho entre a proposta inicial e o contrato, 189 milhões das contrapartidas oferecidas pela empresa fornecedora das viaturas "Pandur" para o Exército e Marinha, adquiridas quando Portas foi ministro da Defesa. Conta o DN que "nem a Comissão Permanente de Contrapartidas nem Paulo Portas quiseram esclarecer a questão". Foi boa ideia, a questão esclarecer-se-á a si mesma com um ou dois penáltis mal assinalados e o incêndio dumas cadeiras e, para a semana, já ninguém se lembrará dela.

08 de Dezembro 2011