A democracia está suspensa ou terá mesmo acabado?
Crónica escrita há 3 anos, e perfeitamente actual, após Costa ter instituído o 1º estado de emergência por decreto
Caetano marcou o fim do fascismo e Marcelo assinará o fim da democracia saída do 25 de Abril
Depois do primeiro-ministro Costa ter lançado a requisição civil sobre os estivadores do Porto de Lisboa com a alegação de não estarem a cumprir os serviços mínimos, que muito justamente lutavam pelo pagamento de salários em atraso e contra o lock out dos patrões do sector e, aliás, tendo respeitado sempre os tais serviços mínimos, o monárquico PR Marcelo, depois de auscultar o seu conselho de senadores do regime, decretou o estado de emergência na República: a democracia está suspensa a partir de hoje até quando for preciso. A seguir à deriva austeritária, que o Governo do PS manteve em lume brando, vem agora a deriva autoritária, tão ansiada pelos partidos de direita e pelo próprio Marcelo. Como temos vindo a afirmar é a social-democracia que traz pendurado nas costas o fascismo quando a crise capitalista não se resolve rapidamente; a pandemia do coronavírus foi somente o pretexto. E como também já tínhamos denunciado, mal o Marcelo foi eleito PR, que ele iria ter um papel um pouco semelhante ao do seu padrinho, mas em sinal contrário: Caetano marcou o fim do fascismo, porque a isso foi obrigado, Marcelo, de livre e espontânea vontade, marcará o fim da democracia parlamentar burguesa saída do 25 de Abril. Esta é a primeira declaração, e imposição, do estado de emergência depois da dita “Revolução dos Cravos”, daqui para frente nada será como dantes, e parece que este regime durou menos que o fascismo, graças a todos os partidos com assento no Parlamento, também ele suspenso (reunirá 1 vez por semana e com apenas 20% dos deputados).
Marcelo e Costa são dois burgueses assustados
Dizia o poeta e dramaturgo que um burguês assustado é um fascista, Marcelo e Costa são dois burgueses assustados, com o primeiro refugiado em casa por duas semanas, tendo feito uma intervenção verdadeiramente patética por vídeo que mais parecia estar no bunker com medo de algum bombardeamento; e não havendo solução à vista para a crise sistémica do capitalismo nacional, é natural o medo da bancarrota e que o povo se revolte. Este período de quarentena forçada do povo português, que seria em princípio para prevenir algum alarme social, irá ter efeito contrário ao anunciado e, por outro lado, irá aumentar a pobreza e as desigualdades sociais e económicas entre os portugueses, com muita gente pobre a ter ainda mais dificuldades em aceder aos meios essenciais de sobrevivência e com milhares de trabalhadores a passarem a receber apenas dois terços do salários e outros, os a recibo verde, a receber um terço, de salários já de si bastante baixos e insuficientes para se poder levar uma vida minimamente digna.
O Costa poderá dizer o que quiser a respeito de não haver despedimentos por força do Covid-19, que até parece vir de propósito para justificar mais medidas de austeridade e de repressão sobre os trabalhadores, porque mais despedimentos irão acontecer forçosamente, nem que seja pela diminuição do consumo, com alguns já previstos há algum tempo, denunciando que a causa está para além da pandemia, sendo bem ilustrativo o exemplo da fábrica da alemã Continental, em Palmela há 25 anos, que irá encerrar até o final de 2021, quase de certeza que será antes, e lançar no despedimento 370 trabalhadores, ou a própria Autoeuropa, que foi das primeiras empresas a suspender a produção, que não irá ficar com o mesmo número de trabalhadores já que a crise irá fazer diminuir a procura de automóveis. Segundo estimativa da OIT (Organização Internacional do Trabalho) este surto do novo coronavírus pode levar à destruição de 25 milhões de empregos em todo o mundo e resultar numa perda de 3,4 mil milhões de rendimento para os trabalhadores.
Criminalização do mundo do trabalho e não do mundo predador do capital
Por força do estado de emergência, o Governo PS/Costa pode exercer todo o poder discricionário e ditatorial sobre os trabalhadores, não com certeza sobre os grandes grupos económicos e grandes capitalistas, são proibidas as greves, as reuniões e as manifestações, e trabalhadores que não respeitarem as indicações das autoridades incorrem em penas que poderão ir até 1 ano de prisão ou multa até 120 dias e os dirigentes dessas greves ou manifestações incorrerão no dobro das penas (artigo 304.º do Código Penal). Claro que esta criminalização é para ser feita contra o mundo do trabalho e não do capital, o povo e os trabalhadores é que são o verdadeiro alvo. O direito à greve está suspenso, tendo a CGTP suspendido as greves e manifestações ainda antes da declaração do estado de emergência, numa colaboração mais que suspeita, e é imposta a obrigatoriedade de qualquer trabalhador, não só do sector da saúde ou de prestação de socorro, de ir trabalhar em outro local, em outro tipo de actividade ou horário a critério da entidade patronal (nos hospitais do SNS já se prepara a aplicação do horário das 12 horas, exemplo, Hospitais da Universidade de Coimbra, e a empresa Hutchinson Borrachas, em Portalegre, decidiu obrigar os trabalhadores a laborar cinco horas seguidas sem poderem comer), e com salário reduzido, sem poder protestar ou reivindicar ou que quer que seja. São os direitos, garantias e liberdades do indivíduo que estão a ser coartados, mas principalmente do trabalhador assalariado, a requisição civil está a ser feita sobre a força do trabalho assalariado e não sobre o património ou a pessoa do capitalista, ainda estamos para ver a requisição dos hospitais privados, respectivo pessoal e equipamentos.
Pandemia como pretexto para o controlo social e a repressão
À pala do combate ao coronavírus, o Governo PS/Costa irá endurecer as medidas de controlo e, caso seja necessário, de repressão sobre os trabalhadores. Em relação ao controlo, as polícias portuguesas, assim como as da União, estão a preparar mecanismos de controlo facial, tal como já se faz na China social-fascista, tão criticada pelos órgãos de informação corporativos, e, ninguém se admira, que daqui a alguns dias alguém se lembre em instituir o que o governo israelita acaba de fazer: controlar os telemóveis para, alegadamente, combater o coronavírus, seguindo os movimentos das pessoas infectadas e localizar e alertar aquelas pessoas que estiverem próximas, o que permite criar uma base de dados, que o governo promete destruir logo que passada a pandemia; medida que foi de imediato contestada pela Association for Civil Rights in Israel e outros defensores dos direitos e liberdades dos cidadãos. Foi também com o pretexto da atacar e conter a pandemia que o governo de Macron proibiu as manifestações dos “coletes amarelos” que teimavam em eternizar-se e o ditador eleito Piñera, no Chile, decretou o Estado de Excepção Constitucional de Catástrofe por 90 dias e colocou a tropa na rua para travar as manifestações do povo revoltado e que ainda persistem, por sinal, no mesmo dia em que o Marcelo decretou o Estado de Emergência Nacional em Portugal. Depois de lançarem o pânico entre povo, eles ainda mais assustados, todos os reaccionários do mundo se unem.
Os idosos são um “peso” para a economia
A própria sobrevivência da União Europeia encontra-se em jogo, ela corre o risco de afundar-se a breve prazo. A saída da Grã-Bretanha, a estagnação económica da Alemanha e da França, forte endividamento da terceira economia da UE, a Itália, a falta de solidariedade dos países mais ricos em relação aos mais pobres e periféricos (a Alemanha proibiu a exportação de equipamento médico para combate ao vírus), o aumento de endividamento destes último países por força do esforço económico que agora será feito e por força da subida das taxas de juro sobre as dívidas soberanas que já se está a fazer sentir (em 4 dias a taxa de juro da dívida pública portuguesa a 10 anos subiu de 0,791% para 1,208%, em Fevereiro estava abaixo dos 0,3%, e a subida de 1% representará mais 3 mil milhões de euros) são factores endógenos e exponenciais que precipitarão o fim. Lagarde, presidente do BCE (Banco Central Europeu), foi clara, apesar de logo tentar emendar a mão, a boca fugiu-lhe irresistivelmente para a verdade: não é da competência do BCE reduzir os spreads da dívida pública na zona euro. Estamos ainda bem lembrados de outras palavras da mesma senhora quando era presidente da instituição benemérita FMI de que os idosos eram um peso para a economia; ora, são exactamente os idosos que estão a ser as principais vítimas do coronavírus (veja-se o que se está a passar em Espanha!). O dinheiro prometido para “estimular” a economia é para dar aos bancos que, por sua vez, irão continuar a lucrar com a dívida pública, Portugal já passou mais de 25 mil milhões da dívida pública externa para a banca dita "nacional", só entre 2015 e 2019, com o governo de Costa/Centeno, tendo atingido a dívida do Estado à banca o montante de 83.888 milhões de euros no fim de 2019.
As grandes empresas serão recapitalizadas
O dinheiro prometido às empresas e patrões, 3000 milhões de garantia aos créditos, para isso ainda teve que pedir autorização a Bruxelas, 5200 milhões na área fiscal e 1000 milhões na área contributiva, no total de 9200 milhões, são uma panaceia de que irão beneficiar apenas as grandes empresas, as pequenas irão ser condenadas à falência, e os trabalhadores nada receberão, apesar do Governo Costa/PS não se cansar de dizer que é dinheiro para ajudar as “famílias”, as famiglias serão outras, com certeza. O que se verificará na prática é que Portugal sairá mais endividado desta crise económica, destapada e de certo agravada pelo surto do Covid-19, mas já existente e que a todo o momento prometia rebentar, crise aguda dentro de crise crónica do capitalismo. E esta até seria, já que estamos em estado de emergência, uma excelente oportunidade para o Governo PS/Costa, caso tivesse tomates para tal, alterar alguma coisa na economia, como seja: desenvolver a produção por parte do Estado, e o Laboratório Militar até tem capacidade para tal, de medicamentos e desinfectantes, que estão a ser objecto de especulação verdadeiramente escandalosa; de equipamento de protecção; e de outros bens essenciais em situação de calamidade e de emergência; e nacionalizar todas as empresas, a começar pelos bancos, que entendesse para o bem do povo, o dito “interesse público”.
Auditoria cidadã à dívida impõe-se
O Governo Costa/PS pode suspender, caso queira, o pagamento da dívida soberana até que dure a crise pandémica e se realize uma auditoria cidadã à dívida que, toda ela ou quase, é ilegítima, ilegal e odiosa, porque não foi o povo que a contraiu nem dela beneficiou ou beneficia. Suspensão imediata do pagamento da dívida para que o dinheiro que tem sido gasto com ela, mais de 8 mil milhões por ano em média, seja todo aplicado no fortalecimento do SNS e, no imediato, na aquisição de bens e contratação de pessoal para o combate ao coronavírus. Aqui os partidos que se dizem de esquerda com assento parlamentar teriam uma palavra importante a dizer. Mas, infelizmente, nada disto acontecerá, porque temos um governo e partidos, que se arvoram do “comunismo” e de “esquerda”, e que estão completamente de acordo, e mais do que isso, integrados de alma e coração no salvamento da economia capitalista periclitante. Terão de ser os trabalhadores e o povo, um dia destes, a sair para a rua e exigir o que tem de ser exigido, nem que seja pela força das circunstâncias: o povo não se deixará matar nem pela fome nem pelo coronavírus.
19 de Março 2020