KAMA SUTRA - As regras do amor
Por Vatsyayana
No início, o deus Shiva, senhor absoluto das criaturas e dascoisas, divulgou em cem mil capítulos as regras essenciais à conduta da existência. Nessas regras, Shiva fala do DHARMA (dever religioso), do ARTHA (que trata da riqueza) e do KAMA (O Amor).
Determinou que o período normal de uma vida humana, salvo qualquer acidente, é de cem anos. É dever das criaturas praticar o Dharma, o Artha e o Kama, de forma a que o cumprimento de um não atrapalhe a realização do outro. O dever da infância é o estudo. A juventude e a maturidade devem dedicar-se ao Kama. Na velhice, porém, a criatura dedicar-se-á ao Dharma, com o auxilio do qual porá fim as transmigrações.
Dharma é a obediência aos mandamentos da Shastra, ou Santa Escritura dos Hindus. Consiste na execução de certos atos — os Sacrifícios, por exemplo, que geralmente não são praticados por não exercerem qualquer influência sobre este mundo — e na abstenção da prática de outros, tais como comer carne, mais frequente pelo bom resultado que produz.
O Artha compreende a indústria, a agricultura, o comércio e as relações sociais e familiares. É a economia política que 0s funcionários e homens de negócios devem aprender.
O Kama é a arte do gozo pelos cinco sentidos. A sua ciência é ensinada pelo Kama Sutra e pela prática.
Quando os três — Dharma, Artha e Kama — estão reunidos, o precedente é melhor que o seguinte, isto é, Dharma é melhor que Artha e Artha é melhor do que Kama. Para o rei, porém, Artha ocupa o primeiro lugar, porque lhe assegura os meios de subsistência.
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À criatura humana é devido o estudo de todas as artes e ciências relacionadas com o Dharma e o Artha. Desse exercício de conhecimento não estão de maneira nenhuma excluídas as jovens solteiras, continuando tais estudos mesmo depois dc casadas, com a devida permissão do marido.
O grande Vatziana diz com simplicidade: «As mulheres, mesmo as que não conhecem a prática do Kama Shastra (Regras do Amor), devem conhecer as teorias, muitas das quais descobrirão por pura intuição.»
Do Kama Shastra familiar — praticado em determinado círculo de mulheres, como, por exemplo, entre as filhas dos príncipes e dos ministros —, Vatsyayana extraiu e incluiu no Kama Sutra a parte de mais alta importância: a da união sexual.
Convém, pois, que a mulher donzela seja iniciada nos princípios do Kama Sutra por uma outra que já tenha contraído matrimónio, por uma sua irmã de leite, por exemplo, ou por uma amiga da casa, que não possa despertar a menor suspeita, por uma tia, por uma serva antiga, por uma mendiga que viveu sempre na família ou por uma irmã que tenha sido sempre a sua confidente.
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Das carícias que precedem ou acompanham o ato sexual – O Beijo e as suas variações
Ao beijo atribuem-se, em geral, quatro graus de intensidade: moderado, contraído, forte e suave, conforme a parte do corpo em que é aplicado.
Os especialistas na arte erótica afirmam que o beijo, a pressão, a arranhadura com os dedos ou com as unhas constituem o delicioso prelúdio da união sexual.
Para o sábio Vatsyayana, é permitido tudo quanto intensifique o gozo sexual.
O beijo, porém, no momento da relação sexual, deve ser dado moderadamente. Tudo deve vir no seu tempo.
O beijo aplicar-se-á sobre as seguintes partes do corpo: na testa, nos olhos, na face, na nuca, no peito, nos seios e no interior da boca. Os habitantes de Lat beijam também o cotovelo, os braços e o umbigo; Vatsyayana, porém, opina que se estes povos praticam assim o beijo, por excesso de amor e de conformidade com os costumes da sua província, não é de boa norma imitá-los.
Tratando-se de uma jovem, três classes de beijos devem ser usadas: o beijo nominal, o palpitante e o patético.
O beijo nominal é apenas o leve toque dos lábios; transforma-se em beijo palpitante quando toca o lábio que oprime a sua boca e move o lábio inferior, deixando porém que o superior fique imóvel; quanto ao beijo chamado patético, é aquele em que o lábio da amante é tocado pela língua e, ao dá-lo, os amantes cerram os olhos e apertam as mãos.
Alguns autores expõem mais quatro classes de beijos — reto, inclinado, voltado e apertado. Reto, quando os lábios de dois amantes são diretamente postos em contacto; inclinado, quando as cabeças dos dois amantes pendem uma sobre a outra; voltado, quando um dos dois amantes vira o rosto do outro, tomando-lhe a cabeça ou o queixo, e lhe aplica o beijo, e, finalmente, apertado, quando o lábio inferior é oprimido com força.
Há também uma quinta classe de beijo, chamado de grandemente apertado. Pratica-se tomando-se o lábio inferior entre dois dedos, sendo tocado com a língua e apertado em seguida, e fortemente, com os lábios, numa espécie de sucção.
Ao beijo atribuem-se, em geral, quatro graus de intensidade: moderado, contraído, forte e suave, conforme a parte do corpo em que é aplicado.
Quando uma mulher, depois de contemplar o amante adormecido, o beija como que querendo despertá-lo, e assim lhe demonstra a sua intenção ou desejo, a esse beijo dá-se o nome de beijo que incentiva o amor; quando uma mulher beija o amante que esta distraído ou absorto nas suas ocupações, procurando provocá-lo, denomina-se beijo que desvia; quando um amante, ao voltar a casa, encontra a sua deidade já adormecida e a beija com desejo, tentando acordá-la, esse beijo é um beijo que desperta. Em tal ocasião, uma mulher poderá fingir que dorme, provocando assim reiteradas carícias do amante desejoso; quando se beija a imagem de uma pessoa refletida num espelho ou na água, ou a sombra da amada que se projeta na parede, tal beijo denomina-se de declaração; quando se beija uma criança que se tem sentada sobre os joelhos ou uma pintura ou imagem, em presença de pessoa amada, a esse se denomina de transmissão ou de tabela; quando, à noite, no teatro ou numa reunião de casta, o homem, tendo diante de si uma mulher, beija o anelar da sua mão, ou quando a mulher, apalpando o corpo do amante, pousa o rosto sobre as suas pernas, como se desejasse dormir, de maneira a inflamar os seus desejos, e lhe beija a perna ou o dedo do pé, o beijo denomina-se demonstrativo.
A propósito de tais formas de beijar, o seguinte versículo conclui o assunto:
«No amor tudo é recíproco: a um beijo responde-se com outro beijo, a um abraço com outro abraço, a uma penetração com outra penetração.»
Kalidasa, no seu livro Argumentos Amorosos, diz que não pode esperar amor aquele que não ama intensamente. A lei da afinidade, presente em todos os atos da natureza, é mais efetiva e exigente nos graves e doces assuntos do Amor.
Na posição entrelaçada, a mulher coloca uma das pernas entre as do homem
(Kama Sutra - O Livro do Amor, Vatsyayana. Marcador Editora,2015)