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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

Máximo Gorki

28.03.23 | Manuel

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Máximo Gorki foi um importante escritor russo, nascido a 1868, há 155 anos, tratando-se de um homem das letras universais, não se poderia deixar passar o ano sem falar no escritor que é, até certo ponto, identificado com a Revolução Bolchevique, apreciado por muitos amantes da literatura russa em todo o mundo e, em particular, em Portugal. Para além das biografias e panegíricos oficiais, uma outra faceta mais escondida será interessante desvendar um pouco.

Aleksei Maksimovich Peshkov era o verdadeiro nome do escritor que foi amigo de Lenine e que alguém acusa de ter sido assassinado a mando de Estaline. As suas novelas e peças de teatro (a sua obra poética é considerada menor) falam predominantemente de sectores pobre e marginais da sociedade com quem conviveu enquanto jovem e levou vida errante; grande parte da sua obra é indubitavelmente autobiográfica. É considerado o escritor que faz a ligação entre a velha Rússia czarista e a nova Rússia socialista. Mas há um aspecto da sua obra, e das suas ideias, que não obtêm o consenso dos críticos, que se prende como o conceito em que tinha os camponeses do seu tempo, em particular os mujiques, os camponeses pobres.

Gorki é apontado como pouco compreensivo quanto aos camponeses, considerando-os atrasados e incivilizados, incapazes de perceber e utilizar as benesses do progresso que lhes eram levadas pelo novo poder operário. Essa atitude de direita – como refere Bettelheim – manifestava-se por um desprezo profundo e que indiciaria um “apelo à união dos operários e intelectuais face a essa outra camada” social – uma das razões apontadas pelo mesmo autor como um dos fracassos do regime socialista no tempo de Estaline.

Máximo Gorki (inicialmente mostrou-se reservado quanto à revolução de Outubro, acabou por apoiar o poder soviético, gozando nos começos dos anos 30 de grande prestígio junto da maioria dos membros do Partido, especialmente da sua direcção) pinta o campesinato russo de forma negativa, opondo o camponês ao “citadino”, que ele descreve como o único capaz de “progresso” e de “razão”, qualquer que seja a camada social a que pertence. Em 1922, num texto intitulado “O camponês russo”, escreve: “O trabalho do citadino é diferente, sólido, duradouro… Ele já submeteu aos seus nobres fins às forças da natureza e elas servem-no, como os djinns dos contos orientais… Ele criou à sua volta a atmosfera da razão [...]” .

Segundo o seu modo de ver, o camponês, isto é, “o povo que comer o mais possível e trabalhar o menos possível, quer ter todos os direitos e nenhum dever”. Gorki considera que estas “características” existem no mais elevado grau nos camponeses russos que, além disso, se opõem a todo e qualquer progresso: “O campo acolhe com desconfiança e hostilidade aqueles que querem levar-lhe qualquer coisa de pessoal, de novo, e depressa se farta deles ou os rejeita do seu seio” .

Nas páginas seguintes da mesma obra, acumulam-se os traços de desprezo.Para Gorki, a “psicologia” do camponês russo exprime-se no ditado: “Não fujas ao trabalho, mas não o faças”. Cita um historiador russo que caracteriza os camponeses da seguinte maneira: “Mil superstições e nenhuma ideia”. E acrescenta: “Todo o folclore russo vem confirmar este triste juízo” . Segundo Gorki, o campesinato russo não tem qualquer espécie de memória histórica das suas próprias revoltas, esqueceu aqueles que o dirigiram, quer se tenham chamado Balotnikov, Stepan Riazine ou Pugatchev (dirigentes revolucionários camponeses) – “nada do que eles fizeram deixou qualquer traço nos costumes ou na lembrança dos camponeses russos”.

Encontram-se nos escritos de Gorki todas as ideias preconcebidas da burguesia e dos proprietários de bens de raiz aterrados pelo medo das revoltas camponesas. Nos escritos posteriores as fórmulas não são tão brutais, mas a sua ideologia continua a caracterizar-se pelo desprezo e pelo medo do campesinato. Para Bettelheim – e continuamos a citá-lo – é este mesmo desprezo e este mesmo medo do campesinato que se encontram em certos membros do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e que fizeram resvalar facilmente o partido de uma política anti-kulak (anti-latifundiário) para uma política de repressão contra o campesinato. Mudança de política que terá acontecido também devido à pressão da própria acumulação das dificuldades surgidas nas relações entre o campesinato e o poder soviético, especialmente quando os interesses das massas camponesas são sacrificados à vontade de realizar um ritmo máximo de industrialização – uma das razões do triunfo do capitalismo na ex-URSS e da falência do poder operário e socialista, segundo o mesmo autor. Mas esta questão será para outros fóruns que não este.