O 1º de Maio de 1962 e a luta pelas oito horas
Dia do Trabalhador em 1962, no Couço. A greve pelas oito horas acabou em vitória – É bom relembrar em tempos de horários prolongados, 10 e 12 horas, e com a conveniência de muitas direcções sindicais.
O 1º de Maio de 1962 foi comemorado em Portugal com grandes manifestações de rua. Em Lisboa, participaram mais de 100 000 pessoas. A manifestação abrangia, segundo o Diário de Notícias, «uma área apreciável, compreendida entre o Rossio, o Martim Moniz e Praça do Comércio». (5)
As companhias móveis da polícia, os esquadrões de cavalaria da GNR e as brigadas da PIDE lançaram-se sobre os manifestantes, «mas encontraram pela frente uma enérgica resistência do povo, conduzido por grupos de operários e estudantes. Travou-se uma violenta luta que se prolongou por várias horas». (6)
Dos recontros, resultou a morte do jovem operário Estêvão Giro, e a detenção de mais de uma centena de manifestantes. Trinta e oito feridos foram transportados ao Hospital de S. José.
No Porto, para reprimir mais de 50 000 manifestantes, «entraram em acção carros-tanques providos de potentes agulhetas. Lançando jactos violentos de água misturada com tinta, esses carros provocaram a fuga, em várias direcções, de grande parte dos atingidos com as suas roupas manchadas. Na Praça da Liberdade, Avenida dos Aliados, Ruas de Sá da Bandeira, Santa Catarina e Santo António ficaram também manchadas as frontarias dos estabelecimentos... Trinta e duas pessoas tiveram que ser socorridas no Hospital de Santo António» . (7)
Nas vésperas do 1º de Maio, já a PIDE efectuara prisões «preventivas», em dezenas de localidades. Em Aljustrel, ao ter conhecimento das prisões, a população indignada dirigiu-se ao posto da GNR, reclamando a libertação dos seus conterrâneos. Foi recebida com rajadas de metralhadora, que feriram inúmeras pessoas e mataram os mineiros António Adângio e Francisco Madeira.
Quanto aos trabalhadores rurais, a sua participação neste 1º de Maio foi através de uma greve pela conquista das oito horas. Conquista histórica, que culminava uma luta que vinha de longe. Nos últimos anos, as Comissões de Praça de Jorna tinham-na dinamizado por todo o Sul, visando acabar de vez, com o trabalho de sol a sol.
É preciso lembrar que, nesta altura, as Comissões funcionavam como autênticas direcções sindicais (dada a inexistência de sindicatos, mesmo corporativos, nos campos). Nesse sentido, os seus membros encontravam-se periodicamente para coordenar as acções levadas a cabo em várias localidades do Alentejo e Ribatejo. (8)
Nas terras onde isso se tornava possível, as reivindicações apareciam à luz do dia no 1º de Maio. Em confraternizações onde se compartilhavam farnéis e se cantavam as Heróicas, eram aprovadas as orientações para a luta, que continuaria semana a semana, dia a dia, nas praças de jorna e nos ranchos.
No dia. 1º de Maio de 1959, fora, assim, aprovada uma proposta de Contrato Colectivo de Trabalho para os assalariados rurais, que circulou por todo o Sul. No Couço, subscreveram-na 1600 trabalhadores.
No 1º de Maio de 1960, discutiu-se o CCT, a luta contra o desemprego e as oito horas. Chegou-se à conclusão de que esta última reivindicação era a que tinha mais possibilidades de ser conquistada a curto prazo.
Assim, foi à volta da luta pela conquista do novo horário laboral, que os trabalhadores rurais se mobilizaram, ao longo de 1961, ano de grande movimentação política e de reforço da repressão por todo o País. Do Couço, havia presos nas cadeias políticas do Aljube, de Caxias e de Peniche, encontrando-se, assim, muitos trabalhadores homiziados, pois só fugindo para outras regiões conseguiam manter-se em liberdade.
Mesmo assim, em Abril de 1962, realizou-se, no Couço, a maior reunião de massas de quantas ali se efectuaram na clandestinidade. Estavam presentes elementos de outras terras, que informaram que a greve pelas oito horas estava a ser marcada por todo o Sul para o dia 1º de Maio.
Reunião preparatória em plena charneca
Foi assim que algumas dezenas de trabalhadores do Couço, homens e mulheres, reunidos em plena noite na charneca, decidiram aderir à greve e não retomar o trabalho enquanto não conquistassem as oito horas.
Na noite de 27 para 28 de Abril, várias brigadas da PIDE assaltaram simultaneamente as casas dos organizadores do 1º de Maio. Foram presos diversos trabalhadores rurais e alguns outros democratas que os apoiavam, sobretudo comerciantes. Isto devia-se ao facto de, no Couço, ser tradicional os comerciantes fiarem durante as greves. Era frequente ouvir-se «enquanto houver bacalhau e batatas nas lojas, mantém-se a greve» , e a maior parte dos comerciantes honrava essa tradição. Por isso, as prisões «preventivas» os abrangiam também. Apesar de tudo, a greve fez-se. Ninguém trabalhou no 1º de Maio.
Logo de manhã, os homens, de gravata preta, as mulheres, de escuro, e mesmo as crianças, num total de 2000 pessoas, saíram para a rua, acompanhando o funeral de Mariana Ribeiro, sogra de um dos presos, e que faleceu quando a PIDE lhe assaltou a casa.
Depois, 400 pessoas dirigiram-se ao local onde se realizava a tradicional confraternização. Aí se comprometeram a não retomar o trabalho enquanto não conquistassem as oito horas.
E, apesar da presença da GNR que os acompanhou sempre com grande aparato, acabaram o dia gritando «vivas» ao 1º de Maio.
A greve durou até ao dia 12: «Por volta do meio-dia, alguns patrões cederam e os trabalhadores imediatamente retomaram o trabalho. Quando foi pelo meio da tarde todos aceitaram as oito horas. Os trabalhadores rurais do Couço tinham conquistado as oito horas definitivamente.» (9)
Notas:
(5) Diário de Notícias, 3-5-1962.
(6) Avante , nº 317, 2ª quinzena de Maio de 1962.
(7) Diário de Notícias, 3-5-1962.
(8) Alguns dos elementos que integravam as Comissões de Praça de Jorna vieram a ser eleitos para as direcções sindicais depois do 25 de Abril de 1974.
(9) Palavras de Maria Rosa Viseu, delegada sindical do Couço, na Conferência Sindical Nacional sobre os problemas da Mulher Trabalhadora, realizada em Lisboa a 6 e 7 de Novembro de 1979.
Imagem: Dia do Trabalhador em 1962, no Couço. A greve pelas oito horas acabou em vitória.
(Retirado do artigo “O 1º de Maio de 1962, no Couço” de Maria Rosalina Labaredas, in O Jornal de 29/04/1983)