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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

O romance do Ocidente com as eleições está morto – a ordem baseada em regras matou-o

22.12.24 | Manuel

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Por Eve Ottenberg

Foram uns maus meses para a democracia. Os resultados eleitorais ofensivos para a União Europeia foram anulados na Roménia; ocorreu uma tentativa de golpe de Estado na Geórgia durante eleições que não correram como o Ocidente queria; o governo francês, amplamente odiado, oscilou no abismo enquanto o presidente Emmanual Macron tentava ignorar as últimas eleições; a 16 de dezembro, o governo alemão favorito de Washington caiu; muitas coisas engraçadas aconteceram no referendo e nas eleições moldavas, no meio da privação generalizada de direitos dos eleitores moldavos que viviam na Rússia; as eleições foram canceladas há muito tempo na Ucrânia ditatorial; e a Coreia do Sul organizou uma tentativa de golpe. Em suma, o encantamento das democracias ocidentais com as eleições acabou. À medida que as populações ocidentais se cansam da sua classe política e votam contra ela, o que devem fazer as elites? Anular, cancelar, anular e ignorar as eleições, é isso. O problema, para o Ocidente, são os eleitores.

O que acontecerá se a Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita, vencer as eleições alemãs antecipadas em Fevereiro, ou se a extrema-esquerda França Insoumise fizer o mesmo em França? Irão os EUA, através dos seus tentáculos da NATO e da UE, anular esses votos? Não pense que não vai tentar. E Washington nem sequer tem de dar a ordem, porque os seus fantoches europeus sabem exactamente o que se espera deles. É certo que o favorito romeno, tão temido pela NATO, Calin Georgescu, era de extrema-direita. Mas e então? Além disso, duvido que tenha sido isso que levou o Tribunal Constitucional a anular a votação. O mais provável é que tenha sido a sua oposição à Guerra da Ucrânia – daí o tribunal ter citado a “influência estrangeira” (tradução: russo) via TikTok como a sua frágil base para negar a eleição. Aliás, estão a chegar relatos de que o aquecimento e a internet da casa de Georgescu foram cortados e, surpresa! não consegue ninguém ao telefone para ajudar com isso.

Mas não se pode culpar os patrões europeus por terem abandonado as eleições. Estão apenas a seguir o exemplo de Washington. Afinal de contas, a falsa histeria do Russiagate pós-2016 pode não ter conseguido expulsar Trump, como se pretendia, mas forneceu o modelo para os vassalos americanos. Os quatro anos de guerra jurídica contra Trump (e mais quatro depois de ele ter deixado o cargo) abriram o caminho para a Europa, de modo que agora, se um candidato não favorecido por figurões políticos ganhar, tudo o que têm de fazer é gritar “influência russa!” para acabar com a eleição. Por outras palavras, a democracia está a morrer no Ocidente. A Europa está a morrer – e se Trump acabar com a Guerra da Ucrânia (desde que Biden não sabote totalmente os seus esforços de paz antes de assumir o cargo) ou nos tirar do buraco da NATO, pode apostar o seu salário que a campanha do establishment de 2028 vai acabar.

Nos media ocidentais, Georgescu foi retratado como um desconhecido. Isto é falso. É bem conhecido na Roménia e teve uma carreira diplomática. Mas é também um nacionalista religioso, e isso é proibido na UE; pior ainda, os EUA, também conhecidos por NATO, construíram a sua maior base aérea militar na Europa – onde? Conseguiste, Romênia. Portanto, Washington não pode ter qualquer pessoa a governar aquele país. Deve ser alguém que mantenha tudo copacético com os EUA.

 Quanto à Geórgia, aí o eleitorado revelou-se pouco fiável para o Império Excepcional. Votou num governo que realmente se atreve a exigir que as ONG estrangeiras se registem como tal – sabem, como nós fazemos, aqui nos Estados Unidos. Mas aqui, estas ONG não pretendem derrubar o governo, como fazem na Geórgia, para que Tbilisi abra uma segunda frente contra Moscovo. Na verdade, a grande maioria dos manifestantes contra o governo georgiano, que foram presos, foram – estou chocado! Chocado! – estrangeiro, ou seja, europeu. A cereja no topo do bolo é que a presidente francesa da Geórgia recusou abandonar o cargo quando o seu mandato expirou – uma presidente com passaportes francês e georgiano, que ostenta nazis na sua árvore genealógica.

A UE conseguiu fazer as coisas com mais sucesso na Moldávia. O referendo daquele país, realizado a 20 de Outubro, sobre a adesão à UE, ganhou – mais ou menos. No país, o governo moldavo obteve apenas 50 por cento dos votos, mas os expatriados moldavos na Europa deram-lhe um impulso, enquanto os 400 mil moldavos que vivem na Rússia descobriram, para sua consternação, apenas duas assembleias de voto abertas para eles, pelo seu governo, em Moscovo. Isto significou que apenas 10.000 deles puderam votar. E como twittou o especialista e politólogo da Europa de Leste, Ivan Katchanovski, a 21 de Outubro, muitos cidadãos pró-Rússia na Transnístria não podiam votar. Assim, em suma, o referendo moldavo foi uma desculpa esfarrapada para um exercício democrático. Depois houve também as eleições presidenciais da Moldávia, igualmente comprometidas. Mas, hey, o vassalo de Washington na UE conseguiu atrair um país para fora da órbita da Rússia, e é só isso que conta, não a mera democracia, certo? Afinal, Washington não representa a democracia. Representa e há muito que representa algo bastante diferente – o poder. Basta olhar para o apoio a uma tomada terrorista da Síria, entre eles um governante por cuja cabeça Washington tem uma recompensa de 10 milhões de dólares. Que isto fique claro. A conclusão óbvia (também óbvia para qualquer estudante de golpes de Estado apoiados pelos EUA e mudanças de regime no estrangeiro que remontam pelo menos a 70 anos) é que os EUA não representam nada além do poder (certamente nada tão antiquado e incómodo como o direito internacional). Esta é a definição de um estado gangster.

Se duvida disto, basta espreitar a Coreia do Sul, onde o homem da CIA, o Presidente Yoon Suk Yeol, enfrentou um futuro eleitoral sombrio. É pouco provável que os eleitores o apoiem nas próximas eleições, uma vez que apoiam maioritariamente a oposição. E esta oposição, segundo o coronel Douglas Macgregor, quer um general coreano de quatro estrelas, e não um americano, para chefiar as cerca de 500 mil forças armadas coreanas e quer também expulsar os 30 mil soldados norte-americanos da península. Isto, claro, acontece em Washington com toda a alegria de um tratamento de canal.

Então, o que fazer? Yoon pegou o touro pelos cornos no dia 3 de dezembro com a lei marcial. Durante as poucas horas em que parecia que o nosso homem em Seul tinha dado um golpe de Estado, o gangue Biden manteve-se timidamente silencioso. Mas não há nada de duradouro neste mundo, como observou Gogol, e mesmo as tentativas mais descaradas de subverter a democracia falham ocasionalmente. A oposição reuniu-se e votou contra Yoon. O seu ministro da Defesa foi deposto, preso e tentou o suicídio, e o mandato do próprio Yoon veio agora, aham, sob uma nuvem, para dizer o mínimo, à medida que as acusações de insurreição se aproximavam, e ele foi acusado e suspenso do cargo.

E não esquecer a França, onde Macron, ofendido por uma votação no parlamento da UE no Verão passado que deu posse a muitos representantes anti-Guerra da Ucrânia, perdeu totalmente a posição e, de forma bastante idiota e arrogante, convocou eleições antecipadas. Prontamente perdeu os da esquerda, mas depois desprezou os eleitores ao romper com a tradição e recusar-se a nomear um primeiro-ministro de esquerda. Não surpreendendo ninguém, o centro-direita que escolheu recebeu um voto de censura e o governo de Macron parecia estar prestes a cair. Tal foi temporariamente impedido pela nomeação, a 13 de Dezembro, de um primeiro-ministro centrista. Mas se o seu governo acabar por falhar, espere que Macron faça algo realmente estúpido, como suspender a legislatura, declarar uma emergência nacional ou, à la Yoon, declarar a lei marcial.

Por último, claro, temos a Ucrânia, esse brilhante exemplo de democracia, onde o seu presidente governa ilegalmente, tendo cancelado eleições, banido a oposição, estrangulado a imprensa, exilado a igreja, preso quem não gosta e pressionado milhares de pessoas que se opõem veementemente. Tudo isto enquanto enche ferozmente os bolsos com fundos ocidentais, principalmente americanos. Esta é a tirania a que Biden concede centenas de milhares de milhões dos nossos suados dólares fiscais. Nem sequer é apoiado pelos ucranianos, a maioria dos quais, segundo sondagens recentes, querem o fim da guerra. Mas Joe “A guerra é o meu legado” Biden, no seu entusiasmo enlouquecido pelo combate ucraniano, simplesmente não pára. A 11 de dezembro, a Ucrânia disparou seis ATACAMS contra a Rússia. Todos podemos agradecer a Deus por terem causado poucos danos, uma vez que os russos abateram dois e desviaram quatro com guerra electrónica. Se tivessem infligido danos reais, nós, no Ocidente, poderíamos muito bem ter tido problemas piores do que a morte da democracia, nomeadamente a própria morte. Biden parece alheio a esta realidade. Para nós, o que está em causa é a própria vida e todo o maravilhoso mundo humano e natural. Para ele, parece ser apenas mais um passo no caminho de uma guerra sem fim, mais um dia, mais um dólar.

Imagem de destaque: Fotografia de Nathaniel St.

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