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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

Onde param os arquivos de fronteira da PIDE?

22.03.24 | Manuel

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 Um jornal de referência do sistema questionava, há alguns dias, onde se encontrariam os ficheiros de fronteira da PIDE, acusando o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) pelo desconhecimento do seu paradeiro. Estes arquivos não deixam de ter importância na medida em que registam todo o movimento nas fronteiras portuguesas, quer na metrópole quer nas antigas colónias, durante todo o tempo da ditadura fascista, e que deveriam estar à guarda da Torre do Tombo.

Mais tarde o SEF veio justificar-se dizendo que tem microfilmados os arquivos da PIDE desde 1966. E antes dessa data, onde estão? Contudo, aquele organismo, que substituiu a Guarda Fiscal no controlo das fronteiras a partir de 1986, não esclarece sobre a documentação anterior a 1966 e que estará reunida em mais de 200 caixas, volume demasiadamente grande para se poder extraviar assim tão facilmente.

Esta história do paradeiro dos arquivos da PIDE fazem-nos lembrar uma outra história recente, e um pouco semelhante a esta e que depressa caiu no esquecimento do público, que foi a da lista de “contactos” da Legião Portuguesa que se encontrava na posse da Maçonaria. Os partidos reagiram mal à divulgação do facto pela simples razão de esses “contactos” serem bufos da PIDE, muitos detendo um estatuto social e ainda bem colocados na administração pública e até em partidos do poder. Não foi por acaso que o livro de Nuno Vasco, “Vigiados e Perseguidos”, que arrolava o nome dos pides, teve uma tiragem modesta e as sobras foram entretanto destruídas.

Nos últimos anos, trabalhavam para a polícia política do fascismo cerca de 15 mil informadores que, por razões ideológicas, a troco de dinheiro ou simplesmente por inimizade pessoal ou vingança, denunciavam colegas de trabalho, vizinhos, amigos. E muitos desses bufos tinham geralmente estatuto social elevado, condição indispensável para serem úteis na vigilância dos movimentos oposicionistas dos anos 60 e 70, que tiveram a universidade como palco privilegiado.

Ora, os ficheiros, que agora ninguém conhece o seu paradeiro, englobam o período da Segunda Guerra Mundial, contendo informações importantes sobre o movimento de refugiados pelo nosso país durante aquele período, nomeadamente, o movimento de refugiados judeus que passaram por Portugal a caminho das Américas e que Salazar não desejava que por cá ficassem. Quem terá colaborado com a PIDE na denúncia e no escorraçar dos judeus? Eis, muito provavelmente, a razão, ou pelo menos uma delas, pelo misterioso “desaparecimento” dos ficheiros?

Toda a gente sabe que alguns partidos não viram com bons olhos – e contra isso se opuseram – a divulgação da identidade dos bufos da PIDE que, segundo algumas fontes, deveriam ascender a mais de 50 mil, contando com os bufos que não eram remunerados, porque era incómodo, poderia estragar a reputação de muitos bons democratas de undécima hora e desejavam, também, utilizá-los em proveito próprio, nem que fosse para a chantagem contra adversários. Os partidos que tomaram o poder após o 25 de Abril são os principais responsáveis por esta história mal contada dos ficheiros da polícia política de Salazar e, na globalidade, pelo branqueamento do regime que prendeu, torturou e matou, mantendo o povo português na miséria e na ignorância, durante quase meio século.

Imagem: Agostinho Tienza e Pereira de Carvalho (à direita), o considerado “cérebro” da PIDE, responsável pelos serviços de informação daquela polícia que ele próprio reorganizou na década de sessenta. Foto de José Tavares, Março de 1981, mostrando a entrada dos dois pides no tribunal Militar de Santa Clara, largo da Feira da Ladra em Lisboa, durante o longo e absolvente julgamento de Humberto Delgado.

Fonte: Público, 04 maio 2007

Artigo escrito em “Os Bárbaros”, 07 de Maio 2007