Para não esquecer o 1º de Maio sangrento de 1982
O fascismo matou nas manifestações e greves de Maio de 1962, a democracia burguesa matou vinte anos depois, em Maio de 1982; ou seja, naquela data em que os operários celebram o seu Dia de Luta Internacionalista pela emancipação do jugo do capital.
José Queirós no JN: «Participei, como cidadão, em várias manifestações do 1º de Maio no centro do Porto nos últimos anos da ditadura. Eram concentrações ilegais, que a Polícia dispersava à força e que a PIDE aproveitava para deter os suspeitos do costume. Os jornais clandestinos queixavam-se depois, e com verdade, da violência da repressão policial. Mas aquilo que testemunhei como jornalista, no mesmo local, oito anos depois do 25 de Abril, na madrugada sangrenta de 30 de Abril para 1 de Maio de 1982, ultrapassou largamente, em violência gratuita e chocante, tudo o que podia recordar da era pré-democrática. A falta de senso político com que as autoridades da época enfrentaram o clima de tensão criado por dirigentes sindicais em competição cega pela representação dos trabalhadores teve o seu corolário numa acção policial totalmente desproporcionada, que se abateu de forma selvagem sobre manifestantes, simples transeuntes (há 25 anos, a Baixa portuense ainda estava viva à noite) e moradores do centro histórico, deixando atrás de si o balanço sangrento de dois jovens mortos a tiro e dezenas de feridos.
As responsabilidades morais pela tragédia não foram difíceis de apontar, à época, por quem olhasse sem preconceitos a disputa em que a UGT e a CGTP se envolveram pelo “território sagrado” da Baixa portuense e podem repartir-se, ainda que em proporções desiguais, por dirigentes das duas centrais e autoridades políticas e administrativas incapazes de fazer prevalecer o diálogo sobre a aposta no confronto. Quanto às responsabilidades directas, elas vão inteiramente para os comandos policiais, com destaque para a cega brutalidade da actuação da Polícia de Intervenção vinda de Lisboa, cujos responsáveis se mostraram indignos da função que exerciam, como terá comprovado, pelo menos em parte, o inquérito feito aos acontecimentos.
Só posso, por isso, repetir o que escrevi na altura: “Aquilo a que assisti (…) foi uma vasta exibição de violência (…) gratuita, em que os muitos actos de pura selvajaria contra gente indefesa e inadvertida marcaram o tom geral de uma operação policial realizada em condições tais, de desprezo pelo direito de cada um à integridade física e à vida, que ficaram a classificar um conceito absurdo de polícia”.
A lição terá sido aprendida. Nunca mais as tensões entre sindicatos rivais tiveram expressão semelhante (logo no dia seguinte, aliás, adeptos das duas centrais se manifestavam pacificamente no mesmo território disputado na véspera). E temos hoje certamente, polícias mais civilizados e um clima social mais adequado à convivência democrática. Mas convém, ainda assim, não esquecer o 1º de Maio sangrento de 1982. Para termos sempre presente aonde podem levar o fanatismo político e a cultura da violência.» (30/04/2007)
O que devemos comentar: Simpatizantes das duas centrais sindicais entraram em luta entre si para disputa do local que, tradicionalmente, era utilizada pela CGTP para comemorar o 1º de Maio, a Avenida dos Aliados, em plena baixa portuense. Teria havido assim, nas palavras do comentarista político do JN, “fanatismo político” dos dirigentes das duas centrais sindicais que teriam podido evitar a violência e o desfecho trágico que teve. No entanto, haverá que ter em conta os factos, e estes são principalmente dois: o protelar por cerca de um ano da resposta ao pedido da CGTP para utilização do local tradicional por parte do coronel que exercia as funções de governador civil, o que evidencia que uma provocação estava a ser preparada; segundo, a UGT estava no momento a ser promovida por PS e PSD, partido este que estava no governo da AD, e que se encontrava em diligente processo de reprimir os operários a fim de os fazer aceitar a política de austeridade reclamada pela burguesia, um pouco à semelhança do que acontece hoje; lembremo-nos que foi mais ou menos por esta altura que foram levadas a cabo, e com êxito assinalável, duas greves gerais.
Ao reler os factos que ocorreram na noite de 30 de Abril de 1982, algumas impressões ficam claras na nossa mente:
Que houve uma provocação montada por autoridades políticas e policiais, em estreita colaboração; que o governo de Pinto de Balsemão foi o principal responsável político pelos assassínios e ferimentos resultantes da carga policial.
Que a nível sindical, os responsáveis pela repressão policial e consequências nefastas foram os dirigentes da UGT que se preparavam, como veio a verificar-se, para sabotar a greve geral que iria ter lugar no dia 11 de Maio, situação parecida com a que se passa presentemente em que a UGT é contra a greve geral do próximo dia 30.
Que os dirigentes da CGTP também não estão isentos de responsabilidade, porque a sua contra-manifestação em véspera do 1º de Maio teria o previsível desfecho de suscitar a violência policial e respectivas trágicas consequências, que esta atitude pode ser explicada pelo receio de perder influência no seio do movimento sindical, o que poderia dificultar a vida do PCP, partido hegemónico na sua direcção e cioso em continuar a comer à mesa do orçamento do estado burguês e não perdendo a esperança, cada vez mais ilusória, de algum dia vir ainda a participar na própria governação.
Que terá havido algum revanchismo policial, o ardor revolucionário dos trabalhadores estava em nítida queda, então houve que aproveitar a ocasião em espancar a torto e a direito e em atirar indiscriminadamente sobre trabalhadores e cidadãos indefesos; a polícia fez o que durante oito anos andou a auto-reprimir. As zonas do corpo em que as pessoas foram atingidas, cabeça, tronco e abdómen, demonstra bem que a intenção era matar e não apenas dispersar um ajuntamento considerado “ilegal”.
Que a carga policial estava premeditada, garantida que era a impunidade; ao que parece, os comandantes da polícia, mais directamente responsáveis pela carga, não foram responsabilizados criminalmente, e as pessoas que foram feridas receberam ridículas indemnizações e após muitas démarches judiciais.
Que a polícia está agora, passados mais 25 anos de democracia, mais “civilizada”, estão aí as cargas contra os trabalhadores da Pereira da Costa e da manifestação dos tristes e inofensivos anarquistas, no dia 25 de Abril transacto, que facilmente são infiltrados pela própria polícia que, por sua vez, aproveitou a ocasião para treinar e deixar o aviso.
O resultado da carga policial, oito anos após a instauração do regime democrático burguês, foi de dois mortos e de 58 feridos, destes 6 foram por disparos de balas de 7,5 mm e 9 mm, calibres usados pela polícia, fazendo lembrar a repressão exercida habitualmente nas democracias corruptas da América Latina actual. O fascismo matou nas manifestações e greves de 1962, a democracia burguesa matou na mesma data, ou seja, naquela em que os operários celebram o seu Dia de Luta Internacionalista pela emancipação do jugo do capital. O mesmo ódio à classe operária e ao povo une fascistas (antigos e actuais) aos novéis democratas. Os Queirós estão aí para pôr água na fervura da luta de classe e lançar a confusão de molde a obnubilar a consciência dos trabalhadores.
Os cidadãos que foram assassinados pela polícia, e para que a memória não se apague, eram: Pedro Vieira, operário têxtil e delegado sindical, e Mário Emílio Gonçalves, vendedor ambulante; eram jovens, tinham 25 e 17 anos.
PS: A "era pré-democrática" chama-se fascismo, uma palavra que parece incomodar ainda muita gente nos actuais tempos de revisionismo da História.
Foto in JN (30/04/2007)
Texto de 02 de Maio de 2007 – publicado em “Os Bárbaros”