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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

Quem quer matar o Bordalo em 2023?

14.06.23 | Manuel

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Em pleno início do século XX, Rafael Bordalo Pinheiro lançou o jornal “A Paródia” e, com ele, uma série de caricaturas zoopolíticas, em que os grandes vícios da política e das instituições nacionais eram transfigurados em animais. Não terá sido agradável o retrato implacável do caricaturista para os alvos de então, mas cem anos depois, Bordalo é aplaudido e alvo de efemérides. Justíssimas, convenhamos.

Cem anos depois, há quem também se tenha inspirado na caricatura zoopolítica para expressar a sua crítica e a sua revolta. E, cem anos depois, aqueles que certamente aplaudem Bordalo e apoiam efemérides, falam de mau gosto, de agressividade, de “bullying” – palavras do Ministro da Educação, João Costa, de “racismo” – palavras do Primeiro Ministro, António Costa. Louvar Bordalo, no presente, é fácil e fica bonito, não lhe sentiram as ferroadas… agora que as sentem, invocam o mau gosto e rasgam as vestes do moralismo. Eles e aqueles que deveriam ser os primeiros a reconhecerem as causas dessa agressividade e revolta… sim, Fenprof, falo contigo.

Os cartazes não são bonitos? Não, não são… mas também não acho a “A Grande Porca” do Bordalo bonita, nem esteticamente nem na mensagem: eu também não quero ver a política como a “Grande Porca”, antes não o fosse. Mas, então, atacam a forma, e não a substância? O que não é bonito é ouvir ambos os Costas a apresentarem medidas danosas para os professores e para o futuro da Escola em Portugal como se fossem rebuçados dados a crianças conflituosas. O que não é bonito é a revolta legítima de professores que, anos a fio, são maltratados pelo poder político, que muda constantemente regras de colocação, de progressão, de avaliação, retirando cada vez mais a dignidade de uma função que deveria ser das mais prestigiadas, para poder assim atrair bons alunos e garantir o futuro da Escola. O que não é bonito é o sofrimento dos professores e das suas famílias, idosos dependentes, filhos dependentes, a cada fim de semana de partida para longe, sem esperança à vista. O que não é bonito é o Primeiro Ministro falar de “racismo”, apelando à piedade de quem ouve, usando conscientemente o argumento polémico, sem sequer ter fundamento para o fazer, em vez de perceber que essa agressividade só se explica pelo desespero. Esse desespero é que não é bonito e só esse releva, só esse importa e só esse deve ser assunto.

A grande caricatura, tal como a grande literatura, tem a capacidade de se atualizar, porque afinal, e lamentavelmente, o Homem pouco muda. E há tempos de maior e menor liberdade para fazer caricatura. O Eça também falou de políticos e de fraldas, poderemos nós fazê-lo também? Ou será melhor começar já a cancelar estes inspiradores nefastos?

Fátima Inácio Gomes

Professora de Português

(Em guinote.wordpress)