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TEMPOS DE CÓLERA

A Humanidade é uma revolta de escravos (Alberto Caeiro, Poemas)

Sebastião da Gama

12.04.23 | Manuel

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Pelo sonho é que vamos

Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.

Chegamos? Não chegamos?
– Partimos. Vamos. Somos.

Pequeno poema

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

Meu País Desgraçado

Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas ...

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anêmico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!

Poema da minha esperança

Que bom ter o relógio adiantado!…
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.
O meu sorriso de troça,
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!
…Tic-tac… Tic-tac…
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias).
Tic-tac…
(Como eu rio, cá p’ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida).

Nota Biográfica

De seu nome completo Sebastião Artur Cardoso da Gama, este poeta e professor, nasceu em Vila Nogueira de Azeitão a 10 de Abril de 1924. Frequentou a Faculdade de Letras de Lisboa, tendo concluído a licenciatura em Filologia Românica, após a qual concorreu para o professorado do ensino técnico, vindo a exercer na Escola Industrial e Comercial de Extremoz.

Deixou várias obras poéticas que o distinguiram neste ramo, designadamente Serra Mãe, em 1945, Cabo da Boa Esperança, em 1949, Campo Aberto, em 1951; tendo juntamente com Miguel Celeiro, publicado em 1946, Loas a Nossa Senhora da Arrábida. Já depois da sua morte, ocorrida em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1952, é editado o livro Pelo Sonho é Que Vamos, em 1953, tendo também sido publicada uma separata da Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, com Lugar de Bocage na Nossa Poesia de Amor, resultado de conferências realizadas pelo poeta, em 1958, Diário e Itinerário Paralelo, em 1967, complilação e prefácio de David Mourão Ferreira; em 1971, é publicada uma 2ª edição de Pelo Sonho é Que Vamos, com prefácio de Ruy Belo.

Fonte