TINHA 38 ANOS
Tinha 38 anos
quando foi assassinada
Quando de bruços
caiu
por duas balas varada
Tinha 38 anos
quando foi assassinada
Um fardo sem importância
que ali ficou enroscado...
e nem um grito saiu do seu peito estilhaçado
Tinha 38 anos
quando foi assassinada
Pelas costas e a frio
com arma de morte
e caça
Tinha 38 anos
quando foi assassinada
Eram 3 horas da tarde
na varanda
em sua casa...
__
«Maria Odete Lopes Rodrigues, de 38 anos, morreu assim em sua própria casa, atingida a tiros de caçadeira pelo marido. Trabalhadores da Construção Civil que se encontravam num prédio fronteiro presenciaram o crime: a Maria Odete tentou fugir mas foi apanhada por duas descargas, vindo o corpo a tombar na varanda. Então o Silva encostou a espingarda à parede e acendeu um cigarro, sem se preocupar com o cadáver (...)
Muitas pessoas se encontram revoltadas com o silêncio que se fez à volta do crime, que nem sequer foi noticiado nos jornais, atribuindo tal crime ao facto de o Silva ser muito conhecido na vila, onde é activista do CDS.»
Diário de Lisboa
17-6-1977
*
FIM DE DIA DE UMA OPERÁRIA GRÁVIDA
Sente o peso do filho
na barriga
As costas leva curvadas
Nas pernas vê as varizes
Vê as mãos
que traz inchadas
(A casa! Chegar a casa!)
E vai andando apressada: empurrando o corpo
lento
devorado de cansaço
Com um desespero manso e firme a entrar-lhe
pelos braços
(A casa? Chegar a casa?)
E a cama desalinhada?
E a comida por fazer?
E a louça não lavada?
Na fábrica ficou a máquina
na oficina o ruído
a obra já acabada
Mas ainda falta a casa
Com a sua vida a cumprir: .
varrer
panelas
jantar
E a roupa do marido
toda ainda por lavar
(A casa... Chegar a casa…)
A que horas vai poder
deitar-se para dormir?
Num sono de se esquecer…
A que horas vai poder?
Sente o peso do filho
na barriga
As costas leva curvadas
Nas pernas vê as varizes
Vê as mãos
que traz inchadas
(A casa! Chegar a casa!)
E vai andando apressada: empurrando o corpo
lento
devorado de cansaço
Com um desespero manso e firme a entrar-lhe
pelos braços
(A casa? Chegar a casa?)
E a cama desalinhada?
E a comida por fazer?
E a louça não lavada?
Na fábrica ficou a máquina
na oficina o ruído
a obra já acabada
Mas ainda falta a casa
Com a sua vida a cumprir: .
varrer
panelas
jantar
E a roupa do marido
toda ainda por lavar
(A casa... Chegar a casa…)
A que horas vai poder
deitar-se para dormir?
Num sono de se esquecer…
A que horas vai poder?
(“Antologia Poética” de Maria Teresa Horta. Círculo de Leitores. Lisboa, 1994)